Edição 389 | 23 Abril 2012

Um adeus ao pai da “antropologia da cidade na cidade”

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Graziela Wolfart

Ana Luiza Carvalho da Rocha considera que Gilberto Velho foi um dos principais antropólogos a discutir o tema das sociedades complexas no Brasil contemporâneo

Dedicamos o espaço que segue à memória do antropólogo brasileiro Gilberto Velho, falecido no último dia 14 de abril. Ao refletir sobre o legado e sobre o pensamento do antropólogo, a professora Ana Luiza Carvalho da Rocha, em entrevista concedida por e-mail, afirma que a atenção de Velho “se voltava às formas de vida urbana nas modernas sociedades urbanas e industriais, aos dilemas de seus grupos e camadas sociais, às formas diversas de seus estilos de vida e visão de mundo, segundo a particularidade de suas trajetórias sociais”. Na sua visão, “para Gilberto Velho a pesquisa com violência implicava pensá-la como parte de um estilo de vida e visão de mundo no interior de determinados segmentos sociais em que o fenômeno da democracia e da cidadania não se disseminava de forma idêntica ao de outras camadas sociais”.

O antropólogo Gilberto Cardoso Alves Velho era graduado em Ciências Sociais pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, mestre em Antropologia Social também pela UFRJ e doutor em Ciências Humanas pela Universidade de São Paulo. Atuou nas áreas de Antropologia Urbana, Antropologia das Sociedades Complexas e Teoria Antropológica. Além de vários cargos acadêmicos, como coordenador do PPGAS do Museu Nacional e chefe de Departamento de Antropologia, foi presidente da Associação Brasileira de Antropologia - ABA (1982-84), presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais - ANPOCS (1994-96) e vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (1991-93). Desde 2000 integra a Academia Brasileira de Ciências. Até sua morte, era professor titular e decano do Departamento de Antropologia do Museu Nacional da UFRJ. 

Entre seus livros publicamos citamos "Mudança, Crise e Violência: política e cultura no Brasil contemporâneo" (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002); "Nobres & Anjos: um estudo de tóxicos e hierarquia" (Rio de Janeiro: Editora da FGV, 1998); "Projeto e Metamorfose: antropologia das sociedades complexas" (Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1994); "Subjetividade e Sociedade: uma experiência de geração" (Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1986); "Individualismo e Cultura: notas para uma antropologia da sociedade contemporânea" (Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1981); e "A Utopia Urbana: um estudo de antropologia social" (Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1973). 

Ana Luiza Carvalho da Rocha é graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, mestre em Antropologia Social, doutora em Antropologia pela Université de Paris V (René Descartes) (1994) e pós-doutora pela Université Denis Diderot, Paris VII. Atualmente é antropóloga da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e professora na Feevale. 

Confira a entrevista. 

IHU On-Line - Qual o principal legado intelectual que Gilberto Velho deixa para a pesquisa em antropologia no Brasil?

Ana Luiza Carvalho da Rocha - O legado do professor Gilberto Velho se divide em muitos e diversos. Talvez o principal seja a sua contribuição à formação do campo da Antropologia urbana no Brasil a partir de seu interesse de pesquisa com camadas médias urbanas brasileiras, universo até o momento muito pouco explorado no Brasil. Por outro lado, foi um pesquisador envolvido com a divulgação do pensamento antropológico por meio de sua atuação numa linha editorial da Zahar Editores, logo após, Jorge Zahar. Foi presidente da Associação Brasileira de Antropologia, sendo membro fundamental para a formação deste campo de atuação profissional no Brasil.

IHU On-Line - Como definir a antropologia urbana e da sociedade estudadas por Gilberto Velho?

Ana Luiza Carvalho da Rocha - Gilberto Velho foi um dos principais antropólogos a discutir o tema das sociedades complexas no Brasil contemporâneo, atento aos fenômenos de fragmentação e universalização de seus universos sociais, dos processos de localismo e universalismos dos postulados do individualismo moderno na sociedade brasileira, desenvolvendo uma antropologia da cidade na cidade, como ele dizia. Em especial, sua atenção se voltava às formas de vida urbana nas modernas sociedades urbanas e industriais, aos dilemas de seus grupos e camadas sociais, às formas diversas de seus estilos de vida e visão de mundo, segundo a particularidade de suas trajetórias sociais.

IHU On-Line - O que caracterizava o olhar de Gilberto em relação às problemáticas sociais brasileiras, principalmente a questão da violência?

Ana Luiza Carvalho da Rocha - Para Gilberto Velho a pesquisa com violência implicava pensá-la como parte de um estilo de vida e visão de mundo no interior de determinados segmentos sociais em que o fenômeno da democracia e da cidadania não se disseminava de forma idêntica ao de outras camadas sociais. Ao se discutir violência e cidadania temos que pensar as condições de vida de certos segmentos sociais e seus diferentes universos simbólicos, manifestos numa forma de viver a violência com parte de um ethos e a visão de mundo no qual os indivíduos estão inseridos. O fenômeno social da violência urbana adquire uma outra dimensão enquanto estudo antropológico das trajetórias sociais no contexto das grandes metrópoles brasileiras, pois revela o campo de possibilidades nos quais os indivíduos acham-se situados, e que delimitam seus sistemas de valores e códigos morais em relação à criminalidade.

IHU On-Line - Qual a importância da obra "A Utopia Urbana" para compreendermos um pouco da marca antropológica brasileira e carioca?

Ana Luiza Carvalho da Rocha - O livro de Gilberto Velho é um marco nos estudos sobre camadas médias urbanas no Brasil e apresenta, com originalidade, a pertinência dos procedimentos e das técnicas de pesquisa antropológica nas grandes metrópoles. 

IHU On-Line - O que você guarda de mais significativo do convívio com Gilberto Velho?

Ana Luiza Carvalho da Rocha - Meu convívio com Gilberto Velho se deu nos idos dos anos 1980, quando carinhosamente aceitou orientar minha dissertação de mestrado sobre a identidade social de mulheres separadas de camadas médias em Porto Alegre. Como orientador sempre um leitor atento e criterioso, um professor incansável e dedicado, sempre sugerindo novas abordagens e novas leituras para os dados etnográficos produzidos por mim, em campo. Com ele aprendi o senso de responsabilidade e ética que o exercício de minha profissão antropóloga exige. Acima de tudo, uma pessoa de uma inteligência impressionante, uma capacidade e perícia de condensar a teoria antropológica para os alunos em frases simples, mas com um grau de complexidade perturbador. Com o tempo se tornou uma figura referencial para mim como pessoa, principalmente nos momentos em que me divertia com seu humor espirituoso em relação às banalidades da vida cotidiana no interior da própria academia. Foi, antes de mais nada, um mestre e agradeço o que generosamente com ele pude compartilhar nestes anos de convívio. 

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