Edição 388 | 09 Abril 2012

“Perdão tem que ser graça”

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Márcia Junges e Graziela Wolfart

Para o filósofo Luiz Filipe Pondé, o perdão é coisa de gente saudável, pouco narcísica e que é capaz de amar

Como a humanidade foi criada pela misericórdia de Deus, somos “provas ontológicas do perdão divino a priori”, constata o filósofo Luiz Filipe Pondé na entrevista que concedeu por telefone à IHU On-Line. “Para o religioso abraâmico, o perdão é signo do poder de Deus que não precisa de mim nem da criação. Para o ateu, é apenas uma experiência psicológica moral superior, que não está excluída da experiência do religioso”, acentua.

Luiz Filipe Pondé leciona na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP e na Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, entre outras instituições. Graduado em Medicina, pela Universidade Federal da Bahia, e em Filosofia Pura, pela USP, é mestre em História da Filosofia Contemporânea e em Filosofia Contemporânea, respectivamente pela USP e pela Université de Paris VIII, França. Doutor em Filosofia Moderna pela USP e pós-doutor pela Universidade de Tel Aviv, Israel, escreveu O homem insuficiente (São Paulo: Edusp, 2001); Crítica e profecia. Filosofia da religião em Dostoievski (São Paulo: Editora 34, 2003); Conhecimento na desgraça. Ensaio de epistemologia pascaliana (São Paulo: Edusp, 2004); e Do pensamento no deserto, que será em breve lançado pela Edusp.

Confira a entrevista.


IHU On-Line – Em que sentido o perdão pode ser encarado como uma aposta antropológica no outro? Como uma confiança de que o outro é capaz de mudar?

Luís Filipe Pondé –
Não acho que perdão seja aposta no outro. Se for, não é gratuito. É pedagógico, e perdão tem que ser graça.


IHU On-Line – Quais as principais diferenças na concepção de perdão de um religioso e de um ateu?

Luís Filipe Pondé –
Para o religioso abraâmico, o perdão é signo do poder de Deus que não precisa de mim nem da criação. Para o ateu, é apenas uma experiência psicológica moral superior, que não está excluída da experiência do religioso. A transcendência no ateu é apenas com relação à sua própria mágoa. No religioso, é um dado divino que “imitamos”.


IHU On-Line – Da mesma forma que se questiona se é possível mandar alguém amar, é possível ordenar alguém a perdoar? Como se elabora, como se processa o perdão?

Luís Filipe Pondé –
Não se pode mandar alguém perdoar; pode-se pontuar o que é o perdão e o ganho interior da experiência.


IHU On-Line – Por que o Dia do Perdão (28 de setembro) é considerado data máxima no calendário judaico?

Luís Filipe Pondé –
Porque é o dia em que Deus perdoa o povo dos erros desde a saída do Egito (uma traição, se levarmos em conta a libertação do povo da escravidão) sem que ele precise perdoar. É a prova máxima de sua misericórdia e de sua psicologia moral.


IHU On-Line – Qual é a diferença de sentido do perdão dado por Deus no Sinai e a concepção de perdão a partir de Jesus Cristo?

Luís Filipe Pondé –
Acho que os cristãos associam o perdão de Deus ao entendimento que eles têm de Deus como amor. No caso dos judeus, o perdão é, como tudo mais, um dado. O poder infinito de Deus é misericórdia, e não amor.


IHU On-Line – Como o senhor relaciona a justiça, a verdade, a misericórdia e o perdão?

Luís Filipe Pondé –
Justiça é simetria entre atos. Verdade é um problema epistemológico de (in) certeza do conhecimento. Misericórdia é o nome do atributo divino que perdoa. Perdão é uma face da misericórdia. Segundo a tradição rabínica, num comentário ao Bereshit (Genesis), se fosse pela verdade e pela justiça, não existiríamos porque mentimos e traímos Deus e a nós mesmos. Foi pela misericórdia que Deus nos criou. Portanto somos filhos da misericórdia, provas ontológicas do perdão divino a priori.


IHU On-Line – Em que medida o perdão transcende e supera o ressentimento?

Luís Filipe Pondé –
Em todas. Só existe perdão onde não há ressentimento; é a maior experiência moral que alguém pode ter, dando ou recebendo. Coisa de gente saudável, pouco narcísica e que é capaz de amar. Invejo aquele que perdoa. Baruch ashem !

 
Luiz Filipe Pondé já concedeu outras entrevistas à IHU On-Line. Confira.

* A mística judaica. Publicada na edição 133 da Revista IHU On-Line, de 21-03-2005

* Parricídio, niilismo e morte da tradição. Publicada na edição 195 da Revista IHU On-Line, de 11-09-2006

* A fé é dada pela graça. Publicada na edição 209 da Revista IHU On-Line, de 18-12-2006

* A Teologia da Libertação: será que ela não crê demasiadamente nas promessas modernas e na sua gramática hermenêutica? Publicada na edição 214 da Revista IHU On-Line, de 02-04-2007

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