Edição 387 | 26 Março 2012

Mulher e saúde pública: conquista individual e coletiva

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Thamiris Magalhães

Para Fernando Lefevre, a saúde não deve “nunca ser vista como algo a ser comprado, mas a ser conquistado individual e coletivamente pela identificação e superação das causas básicas do adoecimento”

Para o professor titular aposentado da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo – USP, a mulher frequentemente foi vista pela saúde pública no Brasil como mãe e as políticas públicas dirigiram-se muito fortemente para isso. “Hoje, tal panorama está mudando e deveria mudar mais fortemente e mais radicalmente considerando que a mulher é muito mais do que mãe (sendo que inclusive deve ter o direito de não querer ser mãe)”, diz, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Segundo o docente, a mulher, para a saúde pública, deveria ser trabalhadora, portadora de sexualidade própria e nunca ser inferior ao homem ou reduzida às funções domésticas. “Outro aspecto importante que evoluiu positivamente foi a assistência à mulher vítima de violência do parceiro ou companheiro”, completa.

Fernando Lefevre tem graduação em Pedagogia pela Universidade de São Paulo – USP, mestrado em Semiótica pela Universidade de Paris – Sorbonne e doutorado em Saúde Pública pela USP. Atualmente é professor titular aposentado da Faculdade de Saúde Pública da mesma instituição. Tem experiência na área de Saúde Coletiva, com ênfase em Saúde Pública, atuando principalmente nos seguintes temas: comunicação social em saúde, promoção de saúde, discurso do sujeito coletivo, pesquisa qualitativa, representação social da saúde e da doença e metodologia qualitativa. É criador do método do Discurso do Sujeito Coletivo e dos softwares Qualiquantisof e QLQTonline. Tem bolsa de produtividade do CNPq.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como está sendo realizada a política de saúde pública para as mulheres no Brasil? Quais os desafios e os avanços já ocorridos?

Fernando Lefevre – A mulher foi tradicionalmente vista pela saúde pública no Brasil como mãe e as políticas públicas dirigiram-se muito fortemente para isso. Hoje, tal panorama está mudando e deveria mudar mais fortemente e mais radicalmente considerando que a mulher é muito mais do que mãe (sendo que inclusive deve ter o direito de não querer ser mãe). A mulher, para a saúde pública, deveria ser trabalhadora, portadora de sexualidade própria e nunca ser inferior ao homem ou reduzida às funções domésticas. Outro aspecto importante que evoluiu positivamente foi a assistência à mulher vítima de violência do parceiro ou companheiro.

IHU On-Line – Em sua pesquisa intitulada “Gravidez adolescente e pílula do dia seguinte: desvelando seus sentidos entre os adolescentes”, quais foram os principais resultados obtidos?

Fernando Lefevre – A pesquisa, graças à metodologia adotada (o Discurso do Sujeito Coletivo e as perguntas na forma de pequenas histórias), mostrou resultados muito diversificados na população de jovens (300, entre moças e rapazes de 12 a 20 anos da zona sul da cidade de São Paulo), valendo destacar que a maioria deles considera que a gravidez na adolescência representa uma carga significativa a ser evitada na medida em que interfere nos planos de crescimento pessoal e colocação profissional. Nesse sentido, pode-se dizer que a pílula do dia seguinte representa uma solução vista pela maioria como adequada para postergar o nascimento do filho.

IHU On-Line – Como vê a utilização da pílula do dia seguinte? De que maneira a religiosidade interfere nessa perspectiva?

Fernando Lefevre – A pílula do dia seguinte é uma boa e prática estratégia para prevenir a gravidez indesejada em situações em que ocorreu sexo desprotegido. A religião (notadamente a católica) se opõe a seu uso (e a de outros) métodos porque não sabe lidar adequadamente com a sexualidade.

IHU On-Line – A seu ver, qual a melhor forma de as mulheres terem seus direitos preservados?

Fernando Lefevre – Lutando pela sua autonomia como seres humanos.

IHU On-Line – Quais são os principais desafios para a construção da igualdade entre gêneros e raças?

Fernando Lefevre – Um dos principais desafios é o machismo ainda fortemente predominante entre nós e os diversos tipos de preconceito característicos de sociedades elitistas e conservadoras.

IHU On-Line – De que maneira a sociedade civil pode se engajar na luta pelo direito à saúde? E qual o papel da mulher nesse sentido?

Fernando Lefevre – O direito à saúde deve ser visto muito mais amplamente do que o mero direito à assistência de saúde. E a luta da mulher pela sua autonomia é fundamental para a conquista do direito à saúde no sentido mais amplo.

IHU On-Line – Como o senhor avalia a questão da obesidade cada vez mais presente em jovens de nossa sociedade hoje?

Fernando Lefevre – Penso que a obesidade não é simplesmente uma questão de regime de emagrecimento nem muito menos popularização de cirurgia bariátrica. Não acho que exista uma política adequada para lidar de modo mais amplo com o problema.

IHU On-Line – Quais são os principais desafios das mulheres, no que compete à sua saúde atualmente?

Fernando Lefevre – A busca da sua autonomia como gênero humano próprio para além do sexo.

IHU On-Line – De que maneira os movimentos sociais feministas podem contribuir para garantir seus direitos à saúde?

Fernando Lefevre – Quando o feminismo não for considerado uma postura anti-homem.

IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algum aspecto não questionado?

Fernando Lefevre – Que a saúde não deve nunca ser vista como algo a ser comprado, mas a ser conquistado individual e coletivamente pela identificação e superação das causas básicas do adoecimento.

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