Edição 386 | 19 Março 2012

“Ser autônomo não é apenas saber dominar bem as tecnologias”

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

Márcia Junges

Tensionamentos entre o uso das tecnologias acriticamente e a autonomia do estudante e do professor do Ensino a Distância – EAD são discutidos por Bruno Pucci, utilizando ideias da Teoria Crítica da Sociedade

“As tecnologias digitais, como uma ferramenta contemporânea, como um instrumento de pesquisa e de informações, são fundamentais para a educação das pessoas dos dias de hoje; o potencial presente, por exemplo, na internet é fantástico e fecundo para a experiência formativa; mas quando os aparelhinhos tecnológicos atuais se tornam um fim em si mesmo, quando são fetichizados, absolutizados, tornam-se extremamente perigosos e prejudiciais à formação dos indivíduos”. A constatação é de Bruno Pucci, docente na Universidade Metodista de Piracicaba em entrevista exclusiva, concedida por e-mail à IHU On-Line. A questão da autonomia em relação ao uso das novas tecnologias da informação também é tema da conversa: “Ser autônomo não é apenas saber dominar bem as tecnologias, os aparelhos; é ter a capacidade de elaborar juízos analíticos e críticos sobre a própria tecnologia e suas consequências no mundo de hoje”. Pucci reitera que as tecnologias não são neutras: “elas conduzem em seu interior a racionalidade instrumental e ideológica de onde provêm e para que foram feitas. O computador, com sua intencionalidade, suas características de precisão, rapidez, sistematização, nos impõe um ritmo de trabalho e uma maneira de agir à sua imagem e semelhança. É preciso ter consciência disso e, no processo formativo, desenvolver outros elementos que confrontem com essas características. Caso contrário, nos tornamos escravos das máquinas”.

Bruno Pucci é graduado em Teologia, pela Pontifícia Universidade de San Tomás de Aquino, em Roma, em Filosofia, pela Organização Mogiana de Ensino e Cultura, em Mogi das Cruzes, São Paulo, e em Letras Português e Literatura pela Universidade Metodista de Piracicaba – Unimep, onde também cursou mestrado em Educação. Na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP concluiu doutorado em Educação com a tese Por uma praxis educacional da Igreja 1968-1979. É livre docente pela Universidade Federal de São Carlos – UFSCAR. É autor de Adorno: o poder educativo do pensamento crítico (Petrópolis: Vozes, 2000) e de A pedagogia radical de Henry Giroux: uma crítica imanente (Piracicaba: Editora Unimep, 1999), entre outros. O pesquisador estará no IHU em 22-03-2012 participando de duas atividades. Na primeira delas fala sobre Questões e problemas sobre EAD nos cursos de formação inicial de docentes da Educação Básica. Na segunda, fala sobre Theodor Adorno e a frieza burguesa em tempos de tecnologias digitais, dentro da programação do Ciclo Filosofias da Intersubjetividade. Acompanhe a programação completa em http://www.ihu.unisinos.br/eventos/agenda/272.

Confira a entrevista.


IHU On-Line – Quais são os principais problemas sobre Educação a distância – EAD que surgem em cursos de formação inicial de docentes de Educação Básica?

Bruno Pucci –
São muitos. Em meu projeto de pesquisa pretendo analisar três tipos: 1) Problemas sobre a EAD em geral; 2) Problemas sobre a EAD nas Instituições de Ensino Superior – IES públicas, vinculadas à Universidade Aberta do Brasil – UAB; 3) Problemas sobre a EAD nas Instituições Privadas de Ensino. Em relação ao primeiro tipo, destaco: a) qualidade da formação na EAD; b) autonomia do educando de EAD; c) o trabalho docente na EAD. Em relação ao segundo, destaco: a) a racionalidade administrativa se sobrepõe à racionalidade pedagógica; b) Conferência Nacional de Educação - Conae versus Universidade Aberta do Braisl - UAB; a primeira não aceita a formação inicial em EAD; a segunda prioriza essa opção; c) A UAB como modelo de EAD. Em relação ao terceiro tipo, destaco: a) a educação como serviço a ser cobrado, e não como direito; b) a lógica privatista nos cursos de EAD; c) A EAD ultrapassou em matrículas a Educação presencial nos cursos de Pedagogia.


IHU On-Line – Quais são os maiores desafios da EAD nesse tipo de educação?

Bruno Pucci –
Para mim continua sendo a questão da qualidade do ensino, que, aliás, é também o grande problema da educação presencial. Mas na EAD, essa questão se faz mais premente, porque, majoritariamente, o curso é ofertado a pessoas que — ou por razão de pertencimento às classes sociais inferiores, ou por habitar em lugares distantes com difícil acesso à universidade, ou por trabalhar muito para sobreviver e não dispor de tempo útil para estudos, ou por não possuir afinidades motoras com os ágeis aparatos tecnológicos, ou, muitas vezes, por todos esses motivos — não tiveram condições de ingressar na academia. Portanto, o curso é ofertado a pessoas que apresentam dificuldades enormes de aprendizagem e precisam mais ainda do contato, do relacionamento com o professor e com os colegas, do diálogo. Elementos tais que a EAD, de modo geral, não privilegia.


IHU On-Line – Em que aspectos a Teoria Crítica da Sociedade e o legado de Adorno , especificamente, são parâmetros para a formação de educadores através da EAD?

Bruno Pucci –
De um lado os escritos de Adorno e dos teóricos da Escola de Frankfurt sobre dialética negativa, racionalidade instrumental, ambiguidade da técnica, vinculação da técnica ao capital desde as origens da burguesia, nos ajudam a examinar os elementos negativos presentes nas experiências de EAD. Por outro lado, os conceitos de formação (Bildung), semiformação, experiência estética e outros nos auxiliam a questionar e, ao mesmo tempo, a ressaltar os elementos pedagógicos e formativos presentes nas experiências de EAD.


IHU On-Line – Como se dá o diálogo entre Adorno e os teóricos da Teoria Crítica com autores contemporâneos como Bauman , Türcke , Kurz, Santos, Dupas, Sevcenko dentro da sua pesquisa sobre a EAD?

Bruno Pucci –
Bauman, Türcke, Kurz, Santos, Dupas e Sevcenko são autores contemporâneos que adoto em meu projeto de pesquisa para dialogar com as reflexões de Adorno, elaboradas na era da Revolução Mecânica, nos anos 1940 a 1970, sobre os benefícios e os malefícios da tecnologia. Alguns deles, como Türcke, Bauman e Kurz, em seus escritos, dialogam diretamente com os frankfurtianos.


IHU On-Line – De que forma as novas tecnologias digitais, com sua ambivalência, que tem atuação na formação de educadores fazem avançar a educação brasileira?

Bruno Pucci –
A resposta a essa questão é parte de minha pesquisa em desenvolvimento. Minha hipótese é que as tecnologias digitais, como uma ferramenta contemporânea, como um instrumento de pesquisa e de informações, são fundamentais para a educação das pessoas dos dias de hoje. O potencial presente, por exemplo, na internet é fantástico e fecundo para a experiência formativa. Mas quando os aparelhinhos tecnológicos atuais se tornam um fim em si mesmo, quando são fetichizados, absolutizados, tornam-se extremamente perigosos e prejudiciais à formação dos indivíduos.


IHU On-Line – Tomando em consideração a racionalidade instrumental de suportes técnicos como a EAD, é possível sobressair a autonomia do indivíduo, seja ele professor ou aluno?

Bruno Pucci –
A questão da autonomia, sobretudo do aluno, um dos jargões mais utilizados pelos defensores acríticos da EAD, é problemática. Eles carregam por demais a perspectiva técnica da autonomia e não a perspectiva crítica. Ser autônomo não é apenas saber dominar bem as tecnologias, os aparelhos; é ter a capacidade de elaborar juízos analíticos e críticos sobre a própria tecnologia e suas consequências no mundo de hoje.


IHU On-Line – Como analisa a não neutralidade da tecnologia e a sua presença mediadora nas ações educativas?

Bruno Pucci –
As tecnologias não são neutras; elas conduzem em seu interior a racionalidade instrumental e ideológica de onde provêm e para que foram feitas. O computador, com sua intencionalidade, suas características de precisão, rapidez, sistematização, nos impõe um ritmo de trabalho e uma maneira de agir à sua imagem e semelhança. É preciso ter consciência disso e, no processo formativo, desenvolver outros elementos que confrontem com essas características. Caso contrário, nos tornamos escravos das máquinas.


IHU On-Line – O que entende pela frieza burguesa a partir de Adorno em tempos de tecnologias digitais?

Bruno Pucci –
É o tema que irei desenvolver em minha palestra. Vou partir da seguinte citação de Adorno: “Se os homens não fossem (...) profundamente indiferentes ao que acontece com todos os demais (...) então Auschwitz não teria sido possível”. O objetivo dessa minha intervenção é observar, a partir dos escritos de Theodor Adorno, particularmente de sua dialética negativa, como o pensador analisa o fenômeno da anti-intersubjetividade dominante nas relações entre os homens e como sua análise se faz contemporânea da civilização tecnológica digital.

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição