Edição 385 | 19 Dezembro 2011

Pedro Ignácio Schmitz

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Thamiris Magalhães

Um dos fundadores da Unisinos, o padre jesuíta Pedro Ignácio Schmitz abriu a porta de sua sala no Instituto Anchietano de Pesquisas - IAP, em São Leopoldo, RS, para contar à IHU On-Line as inúmeras histórias nos seus 82 anos de vida. Pesquisador sênior e bolsista de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) desde 1969, Ignácio atualmente coordena o Instituto Anchietano de Pesquisas, localizado na antiga sede da Unisinos. Tendo implantado o curso de antropologia no sul do Brasil, hoje Schmitz se dedica às pesquisas que realiza no Instituto e na elaboração de artigos e pesquisas acadêmicas. Neste ano celebrou 50 anos de sacerdócio. “Sempre me perguntam: ‘qual é a sua paróquia? ’. O pessoal de fora olha para mim e questiona: ‘qual é a sua paróquia mesmo?’ E eu respondo: ‘a minha paróquia é a universidade. Essa é a minha missão. Onde eu sou sacerdote, pesquisador, professor, companheiro’.” Conheça um pouco mais de suas vivências.

Origem – Nasci em Bom Princípio, no Rio Grande do Sul, no dia 30 de agosto de 1929. Meus pais eram pequenos agricultores. Sou o quinto de 11 filhos. Desses, três morreram pequenos. Outro, o mais velho, faleceu recentemente com 89 anos. Ainda somos sete e muito solidários uns com os outros. Reunimo-nos com muita frequência. Nasci numa família católica. Meu pai era descendente de alemães, e minha mãe de origem suíça. Todos daquela pequena região de Bom Princípio.

Seminário – Com doze anos de idade, fui para o seminário estudar, tornar-me padre. Estudei cinco anos no seminário em Salvador do Sul-RS. Depois, fiz dois anos de noviciado em Pareci Novo-RS. Fiz mais dois de estudos humanísticos ainda em Pareci Novo. Posteriormente fiz três anos de Filosofia no Colégio Cristo Rei, aqui em São Leopoldo. Após isso, comecei minha carreira nesse pequeno mundo.

Magistério – Fui para o magistério no Colégio Anchieta, em Porto Alegre. O colégio recebia só homens, pertencente à classe alta da capital. Então, tive que aprender a dar aula, a lidar com jovens. Fiz quatro anos de magistério e, ao mesmo tempo, estava estudando Geografia e História na Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS para me tornar historiador, substituir um padre idoso que queria um continuador, Pe. Luiz Gonzaga Jaeger .

Ingresso na academia – Na UFRGS, encontrei outro sacerdote, famoso, uma pessoa muito boa, que é o Pe. Balduino Rambo . Ele era professor de Antropologia no curso de História. E, quando eu terminei os três anos, que era o bacharelado, ele me perguntou se eu queria trabalhar com ele na Universidade. Respondi que sim. Fiquei um pouco triste porque o outro padre que me tinha levado para ser sucessor dele ficou sem sucessor. Entrei na Universidade com 27 anos. Estava fazendo meu curso de História e Geografia e comecei, em 1958, a lecionar na UFRGS, estudando em uma sala e dando aula na outra. Tinha terminado o bacharelado que, naquele tempo, era independente. No quarto ano fiz a licenciatura. Ao mesmo tempo, continuava lecionando. Então, em 1959, vim estudar Teologia novamente no Colégio Cristo Rei. Concomitantemente, continuava lecionando em Porto Alegre.

Lecionei sempre para o curso de Antropologia na UFRGS. Na Unisinos, na área de Antropologia e Arqueologia. Na UFRGS, pertencia ao departamento de Ciências Sociais e a Arqueologia era do departamento de História. Aqui na Unisinos, como sou fundador, comecei a lecionar antropologia e, à medida que fomos criando a arqueologia brasileira, íamos introduzindo a antropologia e a arqueologia nas universidades. Uma coisa curiosa é que quando iniciamos não havia nem arqueologia nem antropologia nas universidades. A antropologia que estudei na UFRGS era europeia, uma coisa completamente distante de nós, pois ainda não existia no Brasil. Lembro que em 1965 eu já era professor há sete anos na Universidade. E, neste ano, comecei a receber a primeira verba do Ministério da Cultura, fundador do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), e eu era catedrático. Fiz a convocação dos arqueólogos amadores do Rio Grande do Sul. Aparecerem pouco mais de 40 amadores de arqueologia. Nenhum profissional. Eram todos licenciados apenas. Isso em 1967. Até porque a pós-graduação surge um pouco mais tarde. Em 1968, selecionei aqueles que estavam trabalhando nas universidades. Foi quando começamos a introduzir a arqueologia e antropologia nas universidades aqui do sul.

Atualmente leciono na Unisinos, no Programa de Pós-Graduação em Arqueologia e coordeno as pesquisas no Instituto Anchietano de Pesquisas, que tem uma equipe de arqueologia. Avalio também a parte de botânica e as outras coisas que nós temos aqui no Instituto. E faço publicações, pesquisa. Ainda vou para o campo, de vez em quando. Além disso, sou bolsista do CNPq até 2017, quando minha bolsa poderá ser renovada.


Cátedra –
Em 1961, faleceu, aos 56 anos, meu catedrático, Pe. Balduino Rambo. Então, tive que assumir as duas cátedras que ele tinha na UFRGS, enquanto estava estudando Teologia. Ou assumia ou perdia. E não poderia perder. Na constituição seguinte que se fez, fui efetivado no posto em que estava, que era o catedrático. Naquele tempo, era possível ser catedrático apenas com a licenciatura. Como catedrático, em uma universidade federal, começaram a aparecer verbas e oportunidades, porque esse era o posto mais alto da instituição. Não perguntavam que título você tinha, só se era catedrático. Se fosse, não tinha discussão.

Viagens – Meu quinto ano de Teologia fiz na Áustria. Foi quando conheci a Europa, trabalhei em laboratórios, visitei muitas coisas por lá e fiz o meu curso. Com isso eu estava pronto como jesuíta, com 33 anos. Foi quando vim para o prédio do Instituto Anchietano de Pesquisas, que naquele tempo abrigava a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, a Faculdade de Economia e a de Direito que, em 1969, deram origem à Unisinos. De 1967 a 1969, fui o último diretor da Faculdade de Filosofia. Depois, fui fazer estágio de um ano na Argentina, no Museu de la Plata, para reunir um pouco de matéria para a minha disciplina, a arqueologia, porque eu nunca tive aula dessa disciplina. Naquele tempo, não havia pós-graduação no Brasil.

Livre docência – Só entre 1972 e 1976 que o Ministério da Educação permitiu que pessoas formadas há dez anos ou que tivessem cinco anos de ensino em nível superior pudessem fazer o concurso de livre docência. Fiz esse concurso e, com isso, ganhei o título de doutor e todos os títulos abaixo dele. Hoje, sou doutor livre docente, que é o conhecimento mais alto dentro da universidade hoje. A partir da década de 1960, começaram a surgir os primeiros cursos de pós-graduação no Brasil, tendo sido implantados pelos próprios doutores autoditadas.

Méritos – Implantei a pós-graduação em Antropologia na UFRGS, em 1975, uma vez que eu era o titular, e hoje é um dos melhores programas do Brasil. Nessa época, eu já era doutor livre docente. Depois, participei de muitas bancas de livre docência. Com meu título, consegui reconhecer o meu conhecimento que tinha acumulado em vários tipos de cursos que fui fazendo pela América. Fui reunindo conhecimentos porque na universidade não havia nada disso. Nós que introduzimos alguns cursos. Fiz trabalhos com uma professora francesa que vinha escavar no Paraná; passei dois meses na Universidade de Córdoba, na Argentina. Posteriormente, fiquei um ano na Universidade de la Plata. Fiz estágio no Museu de Viena e fui acumulando conhecimentos para poder dizer que realmente eu era um doutor autoditada, tendo conhecido muitas coisas.

Arqueologia – Quando o professor Balduino Rambo me convidou para lecionar na UFRGS, ele era antropólogo, a cátedra era de antropologia, então ele me disse que não valia a pena dois professores jesuítas trabalharem o mesmo tema. Foi quando ele me propôs que eu estudasse os índios mortos e ele, os vivos. E disse: “não tem ninguém fazendo arqueologia no Brasil. Você pode fazer carreira nesse campo da arqueologia”. Foi quando comecei a trabalhar aqui no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina, Paraná, Goiás, Tocantins, Mato Grosso do Sul, Bahia, Pernambuco. Na maior parte desses estados eu era o primeiro arqueólogo que pisava no lugar. E essa era a grande vantagem que nós tínhamos. Criamos todos os modelos que depois os outros ou copiaram ou criticaram. Antes de nós inexistiam outros pesquisadores. E isso me deu uma repercussão importante dentro do país.

Pesquisa – Desde 1969, sou bolsista de produtividade do CNPq. Atualmente sou pesquisador sênior do mesmo órgão. Como o Pe. Balduino Rambo disse: “você pode fazer carreira”. E eu fiz. Executei uma tarefa importante. E quando chegamos à faixa dos 80 anos, todo mundo pendura mais uma medalha.

Sacerdócio – Em 1961, com 32 anos, ordenei-me padre. No último dia 7 de dezembro celebrei meus 50 anos como sacerdote. Celebro missas todos os dias da semana, de segunda a sexta, às 18 horas, na nossa capela, em casa. Além disso, tenho uma comunidade religiosa muito bonita que eu atendo. Trata-se das focolarinas e focolarinos, que é uma instituição leiga, que tem o seu centro de reunião do sul do Brasil encostado na Unisinos, no Portão F. Sou capelão deles faz muitos anos. Nos fins de semana, estou à disposição deles. Trata-se de uma instituição que reúne pessoas consagradas, casais focolarinos e uma boa quantidade de indivíduos que vivem uma vida religiosa diferente. Todos trabalham. Mas eles têm uma forma de encarar o mundo muito interessante, onde predominam o amor e a unidade. São pessoas extremamente dedicadas, amorosas e queridas. Um exemplo: em um domingo agora do mês de dezembro, quando eles souberam que eu estava celebrando 50 anos de sacerdócio, convocaram uma missa e reuniram a comunidade para fazer uma festa. São 1.300 mulheres focolarinas no mundo inteiro e 1.200 homens. Trata-se de uma entidade feminina. A presidente sempre é uma mulher eleita de quatro em quatro anos. Atender às focolarinas é o meu sacerdócio mais pleno, onde eu tenho a oportunidade de receber todo aquele povo. Chegam a se reunir ali, no centro de reunião que atende as pessoas de todo o sul do Brasil, 450 pessoas.

Lazer – Trabalho. De fato, ultimamente encontro-me melhor fazendo isso. Assisto Jornal Nacional, Jornal da Band e só. Fora isso, eu não jogo, não passeio. Mas leio, assino revistas científicas de minha área de conhecimento, e a minha vida está concentrada na atividade profissional que realizo – científica – e religiosa, onde eu me divirto e me ocupo. Não vou à academia, não tenho nenhum jogo em especial, não assisto a filmes há muito tempo. Não leio mais romance etc.

Política universitária no Brasil – Neste momento, o Brasil é um país onde vale a pena viver. Já estive em outros países. Vivi na América Latina, conheço bastante por lá e digo que não há nenhum desses países onde se possa viver tão bem como o Brasil. Apesar de toda a bagunça, que é uma de nossas características, comparo e digo que não há lugar melhor de se viver. Por exemplo: comparo a universidade brasileira com a argentina ou mesmo com a mexicana e peruana e digo que elas são bem inferiores que as nossas. A academia brasileira nos cobra brutalmente. A Capes hoje em dia é brutal. Mas isso faz com que o Brasil caminhe de uma forma fantástica para frente. Sou um dos fundadores da pós-graduação no Brasil. Estive no comitê do CNPq durante cinco mandatos e isso são 13 anos. Estive no Conselho Consultivo do IPHAN durante quatro anos. Então, tenho uma visão de como as coisas evoluem. Lembro que quando comecei como bolsista no IPHAN, em 1969, ele tinha apenas duas salas. E era muito fácil falar com o diretor. Depois disso, alternadamente, durante cinco mandatos, representei os arqueólogos no CNPq. E, hoje em dia, para você falar com o presidente ou mesmo com o diretor, é outra história. Atualmente o CNPq tem 15 mil pesquisadores com bolsa. Trabalho de Lula. Hoje, o Brasil tem 1.200 programas de pós-graduação. Formamos anualmente uma base de 35.000 mestres e 1.200 doutores. Nenhum outro país latino-americano chega perto disto. Até pouco tempo atrás nós escrevíamos nossos artigos e qualquer revista servia. Nos dias atuais, se você não escreve em uma revista internacional com categoria A o seu trabalho vale zero para a Capes. Em arqueologia, nós não temos nenhuma revista Qualis A no Brasil. Então, escrevemos para quem? Claro que, ainda, as políticas universitárias e científicas não se comparam com os Estados Unidos. No entanto, nós estamos entre os primeiros em produção científica, em formação pós-graduada. Já estamos bem à frente. Não tem nenhuma comparação com outros países latino-americanos.
Ademais, com o Lula aumentaram as bolsas de formação, pesquisa e as universidades federais. Além disso, atualmente existe um programa nessas instituições, chamada Reuni, que as provoca no sentido de tomarem iniciativas; a verba que recebem depende das ações que elas tomam.

Sonho – Ainda poder viver mais alguns anos, brincando no jardim de Deus. Essa é a minha visão do mundo. Eu brinco no jardim de Deus. Faço um brinquedo sério, mas eu brinco. Isso nasceu de um encontro aqui no Instituto Anchietano de Pesquisas, no pátio, com a filha da Ivone, nossa secretária. A menina era pequena, estávamos parados lá embaixo, e ela puxava a calça da mãe e dizia: “Mãe, me cuida. Eu vou brincar no jardim”. Agora, fazendo uma analogia, eu digo assim: “Pai, me cuida. Eu vou brincar no teu jardim”. Esse é o meu sonho e essa é a minha realidade. Eu continuo brincando no jardim de Deus. A ciência faço com muita seriedade, a religião também. Então, estou nesse jardim de Deus brincando.

Unisinos – É o meu chão. Sou anterior a Unisinos e um de seus fundadores. Sempre trabalhei na instituição, por isso nunca aceitei tempo integral na UFRGS. Atualmente leciono apenas na Unisinos.

Instituto Anchietano de Pesquisas – Tem outra coisa que também me caiu do céu: o Instituto Anchietano de Pesquisas. Quando eu era jovem, com 26 anos, estava lecionando no colégio Anchieta. Um dia, Pe. Balduino Rambo e uma porção de outros pesquisadores jesuítas disseram: “Nós vamos fundar uma instituição para ajudar os jesuítas pesquisadores dispersos por toda essa região do sul”. Então, resolveram criar o Instituto Anchietano de Pesquisas. E precisavam de alguém para escrever a ata da fundação. Eu estava no pátio, quando me chamaram perguntando se eu poderia escrever a ata. Aceitei. Com isso eu sou um dos fundadores do Instituto. Isso em 1956. O Instituto Anchietano de Pesquisas tem como fundadores os padres Balduino Rambo, Luiz Gonzaga Jaeger e mais uma dúzia e meia de pesquisadores jesuítas de Física, Química, Matemática, Botânica, Zoologia, Antropologia e outras coisas. Com a morte dos fundadores, assumi a direção por 40 anos. Então, além da universidade, passo o meu dia aqui. E o Instituto é a minha casa. Pe. Aloísio Bohnen  atualmente é o diretor do Instituto. Hoje em dia coordeno as pesquisas realizadas aqui. O Instituto está encostado na Unisinos. Todos os jesuítas que estão na universidade fazem parte dele. No entanto, é uma entidade própria, que tem seu estatuto e sua direção. E eu represento a sua continuidade. As minhas aulas, por exemplo, não dou na Unisinos, e sim no Instituto. Ademais, a minha pesquisa está amarrada diretamente ao Instituto Anchietano de Pesquisas. Ele, em termo de instituições públicas, era mais reconhecido como pesquisa do que a universidade, porque fazia a pesquisa da universidade.

Frase – Continuo a brincar no jardim de Deus.

Autodefinição – Jesuíta, na verdade, tentando ser um jesuíta. Lembro-me, quando era noviço, que nós tínhamos missão entre os índios do Mato Grosso. E disse para o meu provincial que estava disposto a ir para esse estado, para o meio dos índios. Ele olhou para mim e disse: “quem sabe a sua missão não vai ser lá. Quem sabe não vai ser aqui”. Depois, abriu a missão para o Japão e disse novamente para ele que estava disponível a ir. E ele me olhou novamente e disse: “Quem sabe a sua missão vai ser por aqui”. E assim a minha missão foi sendo definida nesses chamados. Quando terminei a Filosofia, alguém me disse: “Você vai ser historiador”. Entrei na academia para estudar, alguém me pergunta: “Você quer trabalhar comigo na universidade?” E assim a minha missão foi sendo modelada. Assumi como catedrático na universidade e Pe. Balduino Rambo me disse: “Não tem ninguém fazendo arqueologia no Brasil. Você pode fazer carreira”. Assim a minha missão foi se construindo sem eu tomar nenhuma decisão, só dizendo: “Obrigado, Senhor, pode mandar mais”.

50 anos de sacerdócio – Este ano, no dia 7 de dezembro, celebrei os meus 50 anos como sacerdote. E, sempre me perguntam: “Qual é a sua paróquia?”. O pessoal de fora olha para mim e questiona: “Qual é a sua paróquia mesmo?” E eu respondo: “a minha paróquia é a universidade. Essa é a minha missão. Onde eu sou sacerdote, pesquisador, professor, companheiro”.

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