Edição 385 | 19 Dezembro 2011

China e Índia: estrelas ascendentes do capitalismo mundial

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Graziela Wolfart

Para Francisco de Oliveira a relação entre democracia e capitalismo é problemática, pois o capitalismo não gosta muito de democracia

Ao fazer uma análise da crise na zona do euro e nos Estados Unidos, o sociólogo Francisco de Oliveira afirma que “na Europa, os países menos importantes, mais fracos economicamente, como Portugal e, na sequência, Espanha, vão pagar caro pela crise do euro, porque, por razões óbvias, eles têm menos mecanismos de defesa”. Na entrevista que concedeu por telefone para a IHU On-Line ele defende que “não haverá uma recuperação excepcional para os países mais afetados, sobretudo a União Europeia, mas também não se caminha para um desenho de catástrofe”. Ou, em outras palavras, “não haverá uma quebra geral, generalizada, como em 2008 e mais remotamente como nos anos 1930”. Para Chico Oliveira, “pela primeira vez na história do capitalismo o centro da crise deslocou-se dos países mais desenvolvidos para a periferia. Tanto o problema como as soluções residem, agora, no dinamismo do bloco Índia e China. Os EUA estão numa situação muito difícil, não porque vá haver alguma catástrofe, mas é como o ditado popular diz: ‘se correr o bicho pega e se ficar o bicho come’”.

Francisco de Oliveira formou-se em Ciências Sociais na Faculdade de Filosofia da Universidade do Recife, atual Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. É professor aposentado do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo – USP.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – A partir do cenário de crise instalado este ano, que relação o senhor estabeleceria entre democracia e capitalismo?

Francisco de Oliveira – Essa é uma relação problemática. Embora tenha se desenvolvido nas principais democracias ocidentais, o capitalismo não gosta muito de democracia. Isso porque a democracia pressupõe exatamente a liberdade de escolha para cada cidadão e isso não é bom para o capitalismo. Nota-se uma crise em todo o mundo, não só no Brasil, da democracia representativa, que está sendo engolida pela economia. Hoje as decisões são tomadas não tendo em vista os interesses dos eleitores e dos cidadãos, mas tendo em vista, em primeiro lugar, os interesses da economia. É uma crise geral, e em países periféricos, como o Brasil, ela é mais perigosa.

IHU On-Line – Como o senhor avalia, de forma geral, a crise do euro e o seu impacto na Europa, principalmente Espanha e Portugal, em função da questão do desemprego?

Francisco de Oliveira – De fato, na Europa os países menos importantes, mais fracos economicamente, como Portugal e, na sequência, Espanha, vão pagar caro pela crise do euro, porque, por razões óbvias, eles têm menos mecanismos de defesa. Submetidos às regras do Tratado da União Europeia e das regras estritas do Tratado de Maastricht , que determina proporções de gastos sobre o PIB e que serão reforçadas com essa crise, países como Espanha e Portugal perdem mais autonomia e suas políticas ficam dependendo de acordos na cúpula europeia. Isso não é bom para a democracia, nem nesses países, tampouco na União Europeia.

IHU On-Line – Em que sentido a crise na Europa e nos EUA mais impacta na América Latina e no Brasil, especificamente?

Francisco de Oliveira – O Brasil criou novos clientes, fregueses, nas suas exportações e, portanto, depende menos agora do crescimento econômico na União Europeia e nos EUA. Isso é o que faz com que o impacto da crise nesses países tenha uma repercussão mais atenuada no Brasil. Resta saber se os investimentos procedentes das duas regiões continuarão vindo para o Brasil e não sendo desviados para países como a China e a Índia, que são as estrelas ascendentes no firmamento mundial.

IHU On-Line – Que rumos o senhor imagina que a crise vai tomar nos próximos meses, e como ficam, nesse cenário, a China e a Índia?

Francisco de Oliveira – Qualquer economista ou sociólogo que servir de profeta quebrará a cara. Mas, em geral, o que se pode dizer é que não haverá uma recuperação excepcional para os países mais afetados, sobretudo a União Europeia, mas também não se caminha para um desenho de catástrofe. China e Índia tentarão seguir com suas políticas. Aliás, a Índia já está bastante afetada. Há um decréscimo não do PIB, mas do ritmo de crescimento do PIB. A China vai pôr as barbas de molho para que não seja obrigada também a diminuir o ritmo do seu crescimento. Em geral, serão países pouco afetados, devido a suas políticas expansionistas interna e externa, e que estão lhe garantindo a condição de estrelas ascendentes do capitalismo mundial.

IHU On-Line – Como avalia a condução do Brasil de sua política econômica durante a crise internacional? As decisões têm sido acertadas?

Francisco de Oliveira – Em geral, sim. Não se cedeu à pressão para a redução de gastos e para uma política monetária mais ortodoxa e uma política fiscal mais restritiva. Foram soluções bastante razoáveis que o governo brasileiro tem tomado.

IHU On-Line – Quais são suas perspectivas econômicas para 2012?

Francisco de Oliveira – Não haverá uma quebra geral, generalizada, como em 2008 e mais remotamente como nos anos 1930. Restam algumas periferias, como a América Latina e a África, que podem ser mais afetadas se o ritmo de crescimento dos grandes blocos arrefecer muito. Daí a crise baterá com mais intensidade sobre nós e sobre a África. O desenho que se obtém vendo os dados e tendências não é de uma catástrofe mundial.

IHU On-Line – O senhor pode descrever que tipo de “revolução” considera que a China e a Índia imprimiram ao capitalismo?

Francisco de Oliveira – A revolução é o seguinte: a Europa Ocidental e os EUA levaram 300 anos para integrar cerca de 300 milhões de trabalhadores no sistema produtivo. A China e a Índia, sozinhas, fizeram isso em 50 anos, colocando no sistema produtivo cerca de 800 milhões de pessoas. Isso é uma revolução que sequer o capitalismo original conseguiu fazer, de modo que os problemas atuais e também suas promessas estão em vigorosa dependência dessa mudança na economia política mundial. Não é brincadeira colocar populações que eram marginais, de baixo consumo, que viviam basicamente da agricultura, no mercado mundial e, sobretudo, como força produtiva. É por isso que os produtos da China, que chegam mais a nós, são tão baratos. É uma aplicação simultânea de mão de obra intensiva, com alta tecnologia. Isso mudou a geografia mundial do capitalismo.

IHU On-Line – Que mudança na estrutura do poder econômico mundial deve ser feita para que os EUA não quebrem, levando vários países consigo?

Francisco de Oliveira – A mudança já está acontecendo. Nem China nem Índia estão interessadas na quebra dos EUA, porque há uma relação simbiótica entre o crescimento desses dois grandes blocos. A China aplica seus excedentes monetários em bônus do tesouro americano. Com essa aplicação o tesouro americano faz seus empréstimos à população americana. Daí que a crise do chamado subprime, na verdade, é originada na Índia e na China. Por isso que as medidas que o governo americano toma para contrabalançar a crise são, em geral, pouco efetivas. Pela primeira vez na história do capitalismo o centro da crise deslocou-se dos países mais desenvolvidos para a periferia. Tanto o problema como as soluções residem, agora, no dinamismo do bloco Índia e China. Os EUA estão numa situação muito difícil; não porque vá haver alguma catástrofe, mas é como o ditado popular diz: “se correr o bicho pega e se ficar o bicho come”.

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