Edição 382 | 28 Novembro 2011

Estereótipos preconceituosos: telenovelas estabelecem um modelo de tolerância de olho no mercado homossexual

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Jacqueline Lima Dourado

Este texto aborda as narrativas sobre os novos pares estabelecidos em telenovelas da Rede Globo e a inserção da homoafeição como temática transversal em tais obras. Essa agenda surge no momento em que a intolerância tem sido divulgada de forma esporádica nos telejornais bem como o processo de reconhecimento da união estável para casais do mesmo sexo pelo Supremo Tribunal Federal – STF. O tema aqui tem a sua tessitura baseada na economia política da comunicação.

As recentes novelas exibidas pela Rede Globo como Passione, Insensato Coração e as atualmente veiculadas como Aquele Beijo (novela das sete) e Fina Estampa (novela das nove) trazem em comum a inserção sistemática de personagens homossexuais que tangenciam as tramas.  Ao longo da década de 1970, vide Rebu (1974), até o final da primeira década deste século, a emissora apresentou ao longo de suas novelas tipos caricatos associados à homossexualidade. Além das características ora exacerbadas, ora plenamente obscuras, algumas vezes o autor, sob os mais diversos tipos de censura, viu-se obrigado a “matar o gay” por conta da “moral” e dos “bons costumes”. Segundo Leandro Coling (Revista Gênero, vol. 8, n. 1) a Globo “em um primeiro momento, associou a homossexualidade com a criminalidade, depois preferiu os personagens estereotipados da ‘bicha louca’ e/ou afetados e afeminados”. Coling afirma ainda que, na contemporaneidade, os personagens homossexuais são colocados dentro de um modelo heteronormativo. Esse novo padrão de abordagem demonstra, segundo estudos recentes, que os gays das telenovelas colaboram para que parte da audiência veja como positivas as demandas da comunidade de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros - LGBT.

É inegável que a Rede Globo, investe em trazer o debate sobre as relações homoafetivas, mas o faz pela noção de mercado. Além disso, reforça estereótipos sem estabelecer o debate, através da fácil identificação do entretenimento, sem qualquer compromisso com a altercação que pudesse se estabelecer, contrariando a “ingênua” visão de defesa dos direitos à homoafeição como Direito Fundamental. E usando a desculpa do horário das nove, no caso a novela Fina Estampa, libera o palavrão, a linguagem chula e personagens cada vez mais malvados.

O que se observa é que aos poucos a “tolerância” aos homossexuais tem sido cultivada por conta de direitos adquiridos a partir das lutas da comunidade de LGBT. Estes cidadãos, ao longo de muitos anos vêm sofrendo para sair dos guetos, vontade coletiva esta ratificada pela decisão do STF que reconheceu às uniões homoafetivas, desde maio do corrente ano, o status de entidade familiar.
Vale lembrar que esses mesmos cidadãos também são excelentes consumidores. A grande maioria dos casais não tem filhos, nem os gastos daí decorrentes: escola, babá, reforço escolar, plano de saúde, escolinha de esportes, etc. Vivem a vida com base em uma nova estrutura de família, onde o casal passa a ter condição de apreciar bons restaurantes, viagens, hotéis, dentre outros, com características de consumidores já identificadas como formadora de um novo mercado, nomeado por alguns, de forma pejorativa, como mercado cor-de-rosa.

Esse nicho econômico já foi descoberto por hotéis de luxo, gurmês, cruzeiros marítimos, grifes entre outros produtos dedicados a classe A (ou B endividando-se) e com um tipo de publicidade marcada por um discurso legitimador dessa condição. Essa publicidade, no entanto, mascara realidades porque impõe uma aparente aceitação própria do poder de compra numa contradição inerente ao capitalismo. Ou seja, quem pode consumir é “aceito” e aqueles que não podem ficam estabelecidos na periferia do consumo marcada pelos guetos e madrugadas. Porque nas grandes e pequenas cidades do país vale ainda a regra da homofobia.
Direitos humanos e cidadania ficam à margem quando esta demanda envolve relações de poder e forte estrutura de mercado que tem nas indústrias culturais o melhor exemplo disso: telenovelas, música, minisséries entre outros produtos exercem um papel econômico e simbólico determinante nesta modalidade econômica e são consumidos (pela recepção) por todas as classes sociais. As produções audiovisuais destinadas para a pirâmide social de forma transversal são cada vez mais contraditadas por produtos culturais que remetem ao tema com linguagem, imagem e temática adequadas, demonstrando indicadores para uma aceitação da causa LGBT pelo mercado.

José Murilo de Carvalho, em sua obra Cidadania no Brasil: um longo caminho afirma que, diz que “se o direito de comprar um telefone celular, um tênis, um relógio da moda consegue silenciar ou prevenir, entre os excluídos, a militância política, o tradicional direito político, as perspectivas de avanço democrático se veem diminuídas”.
A rapidez das transformações econômicas do mercado instigando ao consumo distancia cada vez mais a população de seus direitos. Se, por um lado, o mercado muitas vezes defende um Estado mínimo, as diferenças sociais fazem com que haja a necessidade dessa intervenção.

Este passa ser mais um indício de fragilidade do modelo liberal. Carvalho afirma que não se refere à diminuição do papel do Estado, mas ao desenvolvimento da cultura do consumo entre a população, inclusive a mais excluída.  Ainda falta uma proposta efetiva que propicie o debate com o objetivo de tornar pública e resgatar a voz dos homossexuais bem como as diferentes realidades, barreiras e oportunidades na sociedade. Falta ainda a interação com representantes da sociedade civil bem como do governo formado pelos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário em defesa dos direitos humanos,  da diversidade e da construção da cidadania.

* Jacqueline Lima Dourado é doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos e professora do curso de Pós Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Piauí - PPGCOM/UFPI, líder do grupo de pesquisa Comunicação, Economia Política e Diversidade - COMUM/UFPI; é membro do Grupo Cepos e sócia ativa na Ulepicc. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..

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