Edição 380 | 14 Novembro 2011

O produtivo diálogo entre sonoridades, textualidades e imagens

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Graziela Wolfart e Pedro Bustamante Teixeira

Júlio Cesar Valladão Diniz entende que o conceito de literatura como lugar estabilizado do cânone e da tradição não reflete mais os deslizamentos e transformações das artes na contemporaneidade. “A literatura é uma prática em rotação, linguagem nômade, estética em processo”, define

Na visão do professor da PUC-Rio, Júlio Cesar Valladão Diniz, “os desafios para o alargamento do diálogo música/literatura que se apresentam neste século dizem respeito a dois itens principais. O primeiro aponta para a necessidade de aumentar os núcleos, laboratórios e grupos de pesquisa com perfil transdisciplinar. O segundo vai ao encontro da demanda de um público, especializado ou não, que quer saber mais sobre as transformações da cultura contemporânea, e o lugar e papel da música popular nessas mudanças e reorganizações sociopolíticas e econômicas”. Na entrevista a seguir, concedida por e-mail para a IHU On-Line, Diniz percebe que “no momento atual dos estudos de literatura e cultura, não há como considerar que o interesse por temas ligados ao diálogo literatura/música popular/ linguagens nos programas de pós é enorme e crescente. Ninguém precisa mais se desculpar ou ficar se justificando do porquê pesquisar música no mestrado ou doutorado”.

Júlio Cesar Valladão Diniz formou-se em Letras pela UFRJ e concluiu o mestrado e o doutorado em Literatura Brasileira pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), onde, desde 1987, é professor. Atualmente exerce o cargo de Diretor do Departamento de Letras. Foi professor visitante na Universidad de Salamanca, Espanha, onde fez o pós-doutorado em 2000. Entre seus livros publicados citamos Estudo de textos literários (Niterói: EDA, 1996) e Literatura linguagem cultura (Niterói: EDA, 2000).

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Quais foram as formas de pensar o diálogo entre literatura e música popular durante o século XX, e quais seriam as novas formas de pensar o diálogo entre música popular e literatura no século XXI?

Júlio Cesar Valladão Diniz - A leitura crítica da relação entre música popular e literatura é muito recente e localizada espacialmente. Em outras palavras, há pouquíssimo tempo os pesquisadores acadêmicos perceberam que a nossa formação cultural passa obrigatoriamente pelo diálogo (quase sempre produtivo) entre sonoridades, textualidades e imagens. E o interesse em observar, estudar e pesquisar essas zonas de intersecção tem muito a ver com o Brasil. Não há, com exceção dos Estados Unidos, Inglaterra e alguns países latino-americanos, lugar em que a música popular tenha tanta importância quanto aqui. Eu falo da música popular sofisticada, complexa e socioculturalmente crítica. Não me refiro aos hits da indústria massiva do entretenimento, quase sempre banais e alienados. Se tivéssemos que citar o iniciador das pesquisas sobre a relação música, literatura e cultura, diríamos que Mário de Andrade ocupa com justiça esse lugar. Mário foi o primeiro a se dedicar à matéria nos anos 1920 e 1930. Durante muito tempo os seus ensaios e livros foram as únicas referências mais consistentes na área. A partir do Balanço da bossa e outras bossas, de Augusto de Campos, na década de 1960, a produção analítica e crítica ganhou impulso. Antropólogos, sociólogos, historiadores, teóricos da literatura, filósofos, pensadores na área de comunicação e mídia, além dos musicólogos e etnomusicólogos, contribuíram em muito para o amadurecimento e consolidação desse campo de saber que já nasceu interdisciplinar. Os desafios para o alargamento do diálogo música/literatura que se apresentam neste século dizem respeito a dois itens principais. O primeiro aponta para a necessidade de aumentar os núcleos, laboratórios e grupos de pesquisa com perfil transdisciplinar. O segundo vai ao encontro da demanda de um público, especializado ou não, que quer saber mais sobre as transformações da cultura contemporânea, e o lugar e papel da música popular nessas mudanças e reorganizações sociopolíticas e econômicas.

IHU On-Line - Qual seria a diferença entre produzir crítica sobre, e crítica em música?

Júlio Cesar Valladão Diniz - Produzir crítica sobre música não contempla, para mim, o necessário diálogo entre os componentes básicos e os campos de construção, significação e deslocamento do largo constructo a que denominamos concisamente “música popular”. Produzir crítica em música é levar em conta todas as etapas do complexo sistema inter-semiótico e autopoiético que faz as paisagens sonoras e os signos textuais circularem. Para deixar mais clara a diferença, eu diria que analisar somente a letra da canção é possível, mas se resume a um exercício de falar sobre a música, sem considerar os atores, forças e estruturas linguísticas e sonoras que formam e atuam na canção. O diálogo mais produtivo e inventivo se dá no em, que é quase sinônimo de com, e não no sobre.

IHU On-Line - O que significa pesquisar e produzir crítica não mais sobre, mas em música - música popular, música pop - no espaço dos Programas de Pós-Graduação em Letras?

Júlio Cesar Valladão Diniz - Acho que a entrada dos estudos em/de/com música popular nos departamentos de letras foi, no início, muito difícil. O preconceito era grande. Alguns doutos professores e pesquisadores, que sofriam de torcicolo intelectual, ou seja, olhavam para o Brasil com o pescoço inclinado para a Europa e Estados Unidos, torciam os seus preciosos narizes quando um jovem doutorando e/ou um jovem docente propunham estudar MPB. Ainda bem que Affonso Romano de Sant’Anna , Silviano Santiago , José Miguel Wisnik , Luiz Tatit, Cláudia Neiva de Matos, Fred Góes , entre outros, ajudaram a pavimentar uma estrada que, hoje, aponta para inúmeros caminhos. No momento atual dos estudos de literatura e cultura, não há como considerar que o interesse por temas ligados ao diálogo literatura/música popular/ linguagens nos programas de pós é enorme e crescente. Ninguém precisa mais se desculpar ou ficar se justificando do porquê pesquisar música no mestrado ou doutorado.

IHU On-Line - As faculdades de Letras estariam se preparando para a formação de críticos culturais? A crítica cultural tornou-se uma perspectiva para os acadêmicos da área?

Júlio Cesar Valladão Diniz - Tenho a certeza que sim. A crítica cultural é, para mim, o caminho mais fértil e potente que as faculdades e departamentos de Letras têm de tratar essa coisa nada fácil de definir que é a literatura. O conceito de literatura como lugar estabilizado do cânone e da tradição não reflete mais os deslizamentos e transformações das artes na contemporaneidade. A literatura é uma prática em rotação, linguagem nômade, estética em processo.

IHU On-Line - Neste contexto, como você avalia essa produção em música na área de Letras?

Júlio Cesar Valladão Diniz - A produção nesse campo do saber é crescente e de incrível qualidade. Não gostaria de citar nenhum nome em especial, mas basta entrar no site da PUC-Rio e da biblioteca central da universidade para saber quem está fazendo a história da pesquisa música popular/literatura na pós-graduação em Letras no Rio e no Brasil. “Evoé, jovens à vista”, como já disse seu Chico em Paratodos.

IHU On-Line - Neste contexto, qual é a importância do Núcleo de Estudos em Literatura e Música - NELIM?

Júlio Cesar Valladão Diniz - O NELIM é um centro de pesquisa sediado na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Ele foi criado originalmente em 2008 no Departamento de Letras, e hoje conta com a parceria dos departamentos de Sociologia e Política, Engenharia Elétrica e pesquisadores da área de História. O Núcleo tem três linhas básicas de atuação, todas voltadas para a relação entre cultura, literatura e música: pesquisa e divulgação de conteúdo, produção de eventos e consultoria de projetos. O NELIM mantém convênios de cooperação acadêmica e parcerias específicas com órgãos federais e estaduais de fomento, instituições públicas e privadas e organizações não governamentais. Estamos fazendo um trabalho bem dinâmico lá e contamos com o apoio e a participação de todos que se interessam pelo tema. 

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