Edição 378 | 31 Outubro 2011

Plantação extensiva de eucalipto X culturas tradicionais

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

Thamiris Magalhães

O impacto das monoculturas de eucaliptos não é só ambiental, social e/ou econômico, mas é também cultural, aponta Marcelo Henrique Santos Toledo

Quinta-feira, dia 3 de novembro, o coordenador do Movimento em Defesa dos Pequenos Agricultores – MDPA, Marcelo Henrique Santos Toledo, estará na Unisinos debatendo o tema “O impacto da plantação extensiva de eucalipto nas culturas tradicionais”, no Instituto Humanitas Unisinos – IHU. O evento ocorre das 17h30 às 19h, na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros – IHU.

Toledo concedeu a entrevista a seguir por e-mail à IHU On-Line, e frisa que “as plantações extensivas de eucalipto têm um reflexo avassalador nos valores culturais e religiosos das comunidades ‘caipiras’. A monocultura do eucalipto suprimiu diversos sítios de devoção popular não respeitando seus bens simbólicos”. Segundo ele, as empresas eucaliptoras derrubaram diversas capelas, ermidas e em outros casos impediram o acesso da população a esses bens. “Os interesses econômicos das grandes empresas de celulose detonaram o catolicismo rústico e mataram o bairro tradicional rural. O povo teve que ir embora para nunca mais voltar”.

Marcelo Henrique Santos Toledo é formado em História pela Universidade de Taubaté, em São Paulo–SP, mestre em Ciência da Religião, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Participa de um Núcleo de Pesquisa sobre religiosidade popular na Universidade de Taubaté e coordena o Movimento em Defesa dos Pequenos Agricultores - MDPA por ele criado em São Luís do Paraitinga-SP, que luta contra a monocultura do eucalipto. Confira a entrevista.

 

IHU On-Line – Quais os riscos que a plantação extensiva de eucalipto causa nas comunidades e culturas tradicionais?

Marcelo Henrique Santos Toledo – O primeiro é o risco do desmantelamento das comunidades tradicionais e depois a sua extinção. A cultura tradicional de um bairro, de uma localidade, acaba quando as comunidades deixam de existir. Isso já aconteceu em alguns bairros. O impacto das monoculturas de eucaliptos não é só ambiental, social e/ou econômico, mas é também cultural. A chegada das grandes empresas de celulose, no processo de aquisição de terras, acabou por incorporar diversos sítios de produção tradicional e consequentemente essa aquisição implicou na desagregação da agricultura familiar, que culmina com o fim dos grupos de vizinhanças. A manutenção desses elementos de forma coesa é imprescindível para a manutenção da cultura “caipira”.

As plantações extensivas de eucalipto têm um reflexo avassalador nos valores culturais e religiosos das comunidades “caipiras”. A monocultura do eucalipto suprimiu diversos sítios de devoção popular não respeitando seus bens simbólicos. A população rural de São Luís do Paraitinga, em sua grande maioria é formada por católicos tradicionais diretamente ligados aos seus santos de fé e devoção. As empresas eucaliptoras derrubaram diversas capelas, ermidas e em outros casos impediram o acesso da população a esses bens. Os interesses econômicos das grandes empresas de celulose detonaram o catolicismo rústico e mataram o bairro tradicional rural. O povo teve que ir embora para nunca mais voltar.

 

IHU On-Line – Quais os impactos da plantação de eucalipto em larga escala à agricultura familiar?

Marcelo Henrique Santos Toledo – Os danos causados pela monocultura industrial de eucalipto sobre a agricultura familiar é enorme, violento. São Luís do Paraitinga já foi considerado como município celeiro do Vale do Paraíba, ou seja, mantinha uma produção agrícola voltada para a policultura de alimentos que abastecia diversas cidades dessa região, litoral norte e até mesmo o sul de Minas. No entanto, atualmente boa parte do seu território encontra-se invadido por milhares de hectares de árvores exóticas de eucalipto e, se não fosse a resistência da sociedade civil, especificamente a do meio rural, a sua articulação e resistência representados pelo Movimento em Defesa dos Pequenos Agricultores – MDPA, a situação seria muito pior. São Luís do Paraitinga estava se tornando um grande celeiro de eucalipto.

As plantações extensivas de monocultivos de eucalipto usurpam terras de boa qualidade destinadas à agricultura e, até mesmo, à pecuária de leite. A cada dia que passa querem plantar mais e mais eucalipto. Ao se instalarem, muda tudo nos bairros/comunidades e o primeiro fator negativo é o da migração dos moradores rurais, entre outras mazelas.

 

IHU On-Line – De que maneira o plantio excedente de eucalipto compromete a pesca, a qualidade e a quantidade da água potável, por exemplo?

Marcelo Henrique Santos Toledo – A pesca em São Luís do Paraitinga acontece de forma amadora. Porém, em alguns ribeirões que cortam as grandes fazendas de eucalipto, a fauna aquática praticamente foi extinta. No bairro do Alvarenga, que já há quase 40 anos convivem com a plantação de eucalipto em grande escala, os moradores mais antigos contam que era comum encontrar peixes boiando “com a barriga para cima”. Isso aconteceu após os funcionários das firmas terceirizadas baterem agrotóxico (mata-mato) para o plantio de eucalipto. Quando chove, o veneno é levado pelas águas das chuvas para os córregos que, por sua vez, desaguarão nos ribeirões e estes, por sua vez, no rio Paraitinga. No bairro Ribeirão, outrora piscoso, tanto que os peixes faziam parte da dieta alimentar da população local, hoje parece um rio morto, sem vida. A água é considerada pelos moradores remanescentes dos bairros como imprópria ao consumo humano e até mesmo animal. Os moradores rurais têm cacimbas em suas casas; não captam água dos ribeirões, córregos.

 

IHU On-Line – Quais os principais impactos ambientais que a plantação de eucalipto acarreta?

Marcelo Henrique Santos Toledo – Em diversos bairros da zona rural de São Luís do Paraitinga é possível observar que córregos e riachos, e um número praticamente incontável de nascentes, além de veios d’água, secaram; ribeirões com o volume hídrico diminuído estão contaminados por agrotóxicos. Rios assoreados causados pela exclusão das matas ciliares, no lugar plantaram eucalipto. Matas nativas habitat de uma rica fauna não mais existem, sendo substituída por extensas fazendas de eucalipto. O reflorestamento de eucalipto não contribui em nada para a manutenção da fauna nativa, não produz alimentos, abrigos e força à migração o deslocamento das espécies silvestres para áreas que ainda não foram utilizadas para o plantio indiscriminado de eucalipto. Animais como lobo-guará, veado, anta, entre outros, estão em extinção devido à perda de seu habitat natural.

 

IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algo?

Marcelo Henrique Santos Toledo – Em quase quarenta anos de plantios ininterruptos de monocultivos de eucaliptos no município de São Luís do Paraitinga não houve o desenvolvimento econômico do município e muito menos melhora na qualidade de vida da população. Gerou lucros para poucos empresários. Por outro lado, os impactos sociais, econômicos, ambientais e culturais promovidos nos municípios em que essas malsinadas monoculturas se encontram são irreversíveis para a população, para o meio ambiente. Os municípios do Brasil impactados por plantações extensivas de eucalipto devem seguir o exemplo dos pequenos agricultores de São Luís do Paraitinga, que fizeram leis populares e promoveram ações civis públicas e conseguiram no poder Judiciário paulista barrar o avanço dos eucaliptais. Na região do Vale do Paraíba, municípios como Guaratinguetá e Piquete seguiram o exemplo de Paraitinga e barraram novos plantios de eucalipto em seus territórios.

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição