Edição 196 | 18 Setembro 2006

A contribuição dos jesuítas no Oriente

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IHU Online

IHU On-Line entrevistou o padre jesuíta John Witek sobre a contribuição dos jesuítas na China e no Japão, principalmente Matteu Ricci. Witek é professor no Departamento de História da Georgetown University, dos Estados Unidos. Ele concedeu a entrevista que segue, por e-mail. Ela foi realizada no sentido de complementar o debate sobre a contribuição dos jesuítas para a sociedade, em função da realização do Seminário Internacional A Globalização e os Jesuítas, que acontecerá na Unisinos, de 25 a 28 de setembro.

IHU On-Line - Como foi a inserção dos jesuítas na China e no Japão? Quais foram os mais importantes choques culturais desse encontro?

John Witek - Os europeus do início do século XVI estavam alheios à existência do Japão e tinham apenas conhecimentos fragmentados a respeito da China. Alguns navegadores portugueses, naufragados perto da ilha de Tanegashima, em 1543, fizeram os primeiros contatos com o Japão. Mais tarde, alguns japoneses vieram a Malaca, onde São Francisco Xavier os encontrou. Em 1549, ele entrou no Japão, ficou até 1551, retornou para a Índia e planejou entrar na China, mas morreu antes de chegar à costa sul chinesa em 1552. Entre suas percepções estão as de que os japoneses tinham seu próprio sistema de escrita e um grande volume de textos, assim como um sistema religioso Xintoísta e Budista (ele foi o primeiro europeu a visitar um monastério Zen!), costumes sofisticados, maneiras e um estilo de vida civilizado que lhe disseram terem aprendido da China. Xavier especulou que se a China se convertesse, então o Japão poderia seguir o mesmo caminho.

A presença portuguesa em Macau de 1557 em diante permitiu aos jesuítas e outras ordens religiosas a entrada na China. O sucesso de dois jesuítas, Michele Ruggieri (1572-1607) e Matteo Ricci (1552-1610) na abertura de uma Missão permanente no sul da China, em 1583, foi resultado de terem aprendido a ler, escrever e falar o idioma chinês e de adotarem um estilo de vida chinês, incluindo as vestimentas e o comportamento. Esses foram apenas passos preliminares, pois deles e daqueles que os seguiram era esperado que fossem completamente versados na vasta tradição literária da China antiga. Aprender um idioma sem dicionários foi um grande desafio, especialmente para apreciar os clássicos chineses. Em 1595, a adoção do estilo de vestimenta de Confúcio foi necessária para que a Igreja Católica e seus rituais não fossem confundidos com o budismo. Além disso, os jesuítas e outros missionários freqüentemente engajavam-se em complexas conversas filosóficas com os chineses, mas essas não eram baseadas na lógica aristotélica. O desafio para os ocidentais foi aprender o modo de pensar dos chineses.

IHU On-Line - Qual foi a importância de Matteo Ricci para a Igreja Católica, especialmente a chinesa?

John Witek
- Embora a Igreja Siro-Oriental (às vezes incorretamente chamada de Igreja Nestoriana) vir para a China em 635 e de os missionários franciscanos e dominicanos terem entrado na China durante a dinastia Yuan (1279-1368), não houve impacto contínuo. Por estabelecer uma missão, primeiro no sul da China, e depois eventualmente em Pequim, Matteo Ricci estabeleceu eficazmente a presença da Igreja na China até hoje. Ele enfrentou oposição de vários lados, mas, sobretudo, por tornar-se um chinês entre os chineses, ele estabeleceu amizades sólidas com notórios catedráticos e demonstrou pelo seu conhecimento e especialidade em matemática e ciência que o ocidente era civilizado, não bárbaro, como alguns chineses tendiam a acreditar. Ricci também mostrou que a Igreja apoiava a investigação científica.

IHU On-Line - Qual foi a reação da Igreja Romana diante da evangelização dos jesuítas na China? Como explicar essa reação? Se a Cúria Romana tivesse apoiado a história na China, ou ao menos a história da Igreja Católica lá, teria sido diferente?

John Witek
- Não há respostas fáceis que possam ser dadas a essa bateria de questões complexas. Alguns jesuítas trabalharam na corte imperial em Pequim, mas um grande número era de pastores ativos em outras cidades e áreas vizinhas por toda a China. A política jesuíta envolveu a conversão da elite e de classes sociais inferiores. Durante os primeiros anos da Controvérsia dos Ritos Chineses no XVII século, alguns dominicanos e franciscanos levaram o assunto a Roma. Uma congregação papal rejeitou a abordagem jesuíta, contudo, em uma apelação dos jesuítas, outra congregação papal aprovou suas visões. Enviar um delegado papal no início do século XVIII sem uma cópia completa de um ato papal não foi de grande ajuda para os missionários nem para as relações da Igreja com o estado chinês. Mesmo após a decisão papal de 1742, dúvidas sobre seus termos continuavam sendo enviadas a Roma para esclarecimentos. Se a Controvérsia não tivesse sido levantada, a história da Igreja Católica na China seria provavelmente diferente. Mas a Controvérsia mostrou que práticas religiosas não podem ser separadas do ambiente social de um país. Se a história da China poderia ter sido diferente permanece uma questão aberta.

IHU On-Line - Quais são as principais diferenças que o senhor apontaria entre a racionalidade moderna – característica da cultura ocidental - e as culturas chinesas de atualmente?

John Witek
- A questão implica que haja uma dicotomia entre o pensamento ocidental e o chinês. Isso pode ter sido verdadeiro na China anterior a 1900, mas proeminentes intelectuais, nas primeiras décadas do século XX, começaram a compreender o sistema filosófico ocidental e alguns deles atenderam a universidades ocidentais. Houve fragmentação de idéias entre as elites e um governo central fraco. Mas sob um governo central forte, após 1949, um padrão de controle de algumas idéias e rejeição de outras começou a prevalecer. Nas últimas duas décadas, no entanto, muitos escritores fora da China indicaram que o impacto do socialismo começou a enfraquecer. Como se sabe, padrões ocidentais de pensamento tiveram suas limitações em alguns momentos. Assim, as expectativas de que os chineses abraçariam tais padrões provaram-se ilusórias .

IHU On-Line - Quais são as diferenças mais características entre culturas ocidentais e orientais na conjugação entre fé e ciência? Isso produz tensões entre os próprios jesuítas?

John Witek
- Há dois problemas com a primeira questão. O uso de “ocidental” e “oriental” alarga a discussão, uma vez que as questões anteriores (acima) trataram de cultura “chinesa”, não-“oriental”. Esses últimos termos incluem os chineses, japoneses, coreanos, vietnamitas, indianos, mongóis e outros grupos. Então, também, “conjugação entre fé e ciência” não está claro. É “unir as duas”? Então fé e ciência estão juntas? Se é isso, tal conjunção de fé e ciência pode estar na mente da pessoa. Tensões entre os próprios jesuítas nesse ponto não prevalecem, uma vez que os jesuítas são homens de fé. Ao mesmo tempo, um certo número de jesuítas é de cientistas altamente qualificados (em astronomia, biologia, física e etc., por exemplo) ativamente engajados em pesquisar e em participar de conferências científicas nacionais e internacionais. O trabalho de Macao/Matteo Ricci na China destaca fortemente tal conjunção de fé e ciência, logo ele usou a ciência como um modo de abrir diálogos com chineses de diferentes áreas. Seus colegas jesuítas continuaram essa abordagem por séculos desde então.

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