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Graziela Wolfart
“O SUS é responsável pelo atendimento exclusivo de 75% da população. Consultas, exames, internações, transplantes, atendimento de urgência, vacinação, tratamento da Aids, medicamentos de alto custo para doenças crônicas e câncer, além do programa Saúde da Família, que atende 100 milhões de pessoas”. A didática explicação só poderia vir de quem realmente conhece este universo, como o ex-ministro da saúde José Gomes Temporão. Na entrevista que concedeu por e-mail à IHU On-Line, o médico sanitarista e político luso-brasileiro explica que “o envelhecimento populacional e as mudanças no perfil das doenças obrigam o SUS a migrar de um modelo voltado para o atendimento às urgências e emergências para um modelo voltado ao acompanhamento de doenças crônico-degenerativas”. Para Temporão, “a construção do SUS é um processo histórico que começou há muitos anos e ainda vai exigir muitos outros de investimento de pessoas e instituições”. E conclui: “orgulho-me de há 35 anos estar completamente envolvido com esse processo e de ter podido dar minha contribuição como ministro”.
José Gomes Temporão foi ministro da Saúde durante boa parte do segundo mandato do governo Lula, empossado em março de 2007 e sucedido em 1º de janeiro de 2011. Formou-se na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, fez mestrado em Saúde Pública na Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz e doutorado em Medicina Social no Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como o senhor argumenta a constatação de que a saúde no Brasil precisa de mais dinheiro?
José Gomes Temporão - O Brasil precisa de mais recursos e isso fica evidente ao se analisar os gastos nacionais. Se compararmos com países da América do Sul, como Argentina ou Chile, nosso gasto per capita em saúde, relativo ao PIB, é menor. Se a comparação for com os países mais desenvolvidos, a situação é ainda mais constrangedora. Mas uma característica do gasto brasileiro em saúde chama a atenção. É que o gasto público alcança apenas 40% do gasto total, ou seja, 60% dos gastos em saúde no Brasil são gastos das famílias ou empresas. Temos que reduzir o gasto privado e ampliar o gasto público, portanto. Além disso, há um subsídio ao mercado e às famílias de classe média e empresas, na medida em que as despesas com médicos e hospitais podem ser abatidas do imposto de renda devido sem limites. Ou seja, com uma mão o governo tira do SUS e com a outra subsidia o setor privado.
IHU On-Line - Como é empregado o dinheiro destinado ao SUS em nosso país?
José Gomes Temporão - O SUS é responsável pelo atendimento exclusivo de 75% da população. Consultas, exames, internações, transplantes, atendimento de urgência, vacinação, tratamento da Aids, medicamentos de alto custo para doenças crônicas e câncer, além do programa Saúde da Família, que atende 100 milhões de pessoas.
IHU On-Line - Qual sua opinião sobre a Emenda Constitucional n. 29?
José Gomes Temporão - Fundamental sob dois aspectos: define com clareza o que são gastos em saúde, o que vai obrigar aos estados e municípios que não a cumprem a fazê-lo a partir de agora. Além disso, trata dos recursos da União, estados e municípios para as políticas de saúde.
IHU On-Line - Como deveria ser o modelo de gestão ideal do SUS?
José Gomes Temporão - O SUS já dispõe de instrumentos de gestão adequados que podem ser aperfeiçoados. Destaco o controle social através dos conselhos de saúde e conferências como um dispositivo inovador.
IHU On-Line - Que tipo de modelo de atenção à saúde no mundo se assemelha ao modelo do SUS?
José Gomes Temporão - Os modelos europeus (Inglaterra, França, Portugal, Espanha), além dos modelos canadense e cubano.
IHU On-Line - Que tipo de atualização deve ser feita no SUS considerando as alterações no perfil epidemiológico da sociedade brasileira nos últimos anos?
José Gomes Temporão - O envelhecimento populacional e as mudanças no perfil das doenças obrigam o SUS a migrar de um modelo voltado para o atendimento às urgências e emergências para um modelo voltado ao acompanhamento de doenças crônico-degenerativas.
IHU On-Line - Podemos afirmar que o SUS seria melhor com um investimento de 10% do PIB?
José Gomes Temporão - Sem dúvida, mas não basta apenas ampliar os gastos. É preciso também saber gastá-los de modo eficiente, transparente e com boa gestão.
IHU On-Line - O que o senhor pensa sobre o abatimento das despesas com saúde do imposto de renda?
José Gomes Temporão - Sou contra. Principalmente o modelo atual, sem limites de abatimento, como, por exemplo, o fato de que cirurgias estéticas estão sendo financiadas por toda a sociedade para um segmento abastado da população.
IHU On-Line - O senhor concorda que os funcionários públicos dos três poderes (governo, congresso e judiciário) deveriam usar o SUS em vez de terem planos privados de saúde?
José Gomes Temporão - Sou contra que o governo subsidie o atendimento por planos e seguros para os funcionários dos três poderes. Nada contra que as pessoas possam, com seus próprios recursos, fazê-lo.
IHU On-Line - Durante anos à frente do Ministério da Saúde, como se sente em relação ao que fez e ao que ficou por fazer em relação ao SUS e à saúde pública no Brasil?
José Gomes Temporão - A construção do SUS é um processo histórico que começou há muitos anos e ainda vai exigir muitos outros de investimento de pessoas e instituições. Orgulho-me de há 35 anos estar completamente envolvido com esse processo e de ter podido dar minha contribuição como ministro.
IHU On-Line - Gostaria de acrescentar algum comentário sobre o tema?
José Gomes Temporão - A sociedade brasileira precisa ampliar sua compreensão da importância política e social do SUS para o futuro do Brasil.