Edição 375 | 03 Outubro 2011

Tecnologias da Informação e a marginalização social

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Paola Madeira Nazário

O capital cognitivo de uma relevante parcela da sociedade brasileira está sendo enfraquecido. O motivo disso é que esses cidadãos não vêm recebendo capacitação necessária para fazer parte de um sistema cuja engrenagem funciona movida a “força-cérebro”, onde as capacidades cognitivas e de apropriação do fluxo de informação, entre outras questões, são essenciais para a inserção de agentes sociais no mercado de trabalho.

Vamos refletir sobre uma hipótese supostamente presente no fenômeno de construção das sociedades contemporâneas, hipótese que pode ser especificada a partir do fato de o processo de avanço tecnológico, que inclui principalmente as novas tecnologias da informação e comunicação (NTICs), possuir uma relação direta com o aumento da marginalidade (de estar à margem) econômica, política, social e cultural de uma grande parcela da sociedade brasileira.

O que se tenta pensar aqui é a suposição de que a modernização das formas de comunicar, o advento da internet e a convergência digital, sinalizam a fragilidade de seu aspecto democratizante do qual estavam imbuídas, pelo menos quando representadas no discurso de Estados hegemonizados por versões do neoliberalismo.

A inovação tecnológica passou a gerar um crescimento de uma gama de cidadãos que podemos caracterizar como analfabetos tecnológicos, os quais não têm capacitação e compreensão necessárias para apropriação da informação disponibilizadas pelo mundo virtual. Dessa maneira estariam os cidadãos mais distantes do mercado de trabalho, tendo fragilizada a sua capacidade de perspectiva crítica e enfraquecimento do capital cognitivo.

Essa fatia da sociedade brasileira tem uma possibilidade, quase que irrestrita, ao acesso (acesso não é compreensão e apropriação) para o universo virtual. A falta de apropriação de informações ofertadas pelos mecanismos virtuais alimenta a potencialidade de essa parcela social caminhar rumo a um empobrecimento quanto ao empoderamento da função pública, conhecimento de mundo e função social ativa.
Podemos agora fazer o esforço de apontar caminhos que viabilizem a validação da hipótese aqui colocada, hipótese que permite ser sinalizada a partir do já constituído comportamento concentrado dos grandes veículos de comunicação de massa e da inexistência de políticas públicas para a aplicabilidade das tecnologias da informação no chão social. O uso da tecnologia pela sociedade vai além da possibilidade de acesso, necessita de políticas públicas e pesquisas acadêmicas que façam a interlocução entre os campos de conhecimento das áreas da comunicação e da educação no brasil.

Mais especificamente, podemos trazer dados que nos façam compreender que o mundo não é virtual para todos. Basta informar-se que quase 60% dos brasileiros não têm acesso a internet de banda larga em sua residência, que os índices do IBGE mostram que “nas classes A e B, 62% têm internet rápida na residência, enquanto que na classe C, 22% têm conexão, e nas classes D e E, somente 4% tem acesso em casa à rede mundial”.

A questão aqui levantada não se refere somente a dados estatísticos, mas sim ao fato – para aqueles que têm um convívio com estudantes do ensino médio e fundamental principalmente em escolas públicas – da precariedade funcional na utilização das NTICs por discentes e docentes.

Uma gama de mais de 80% dos estudantes acessa somente a internet para utilizar sítios de relacionamento (Orkut e MSN), jogos eletrônicos, ou fazer alguma pesquisa específica indicada pelo professor. Com este tipo de uso tal público fica à margem da apropriação dessa tecnologia como uma ferramenta que possibilita uma compreensão de mundo bem mais ampliada da que vem sendo adotada por professores e alunos. Nesse sentido, ações de capacitação para as pessoas envolvidas na educação pública é de responsabilidade do governo federal, o qual apresenta displicência na referida questão.

Outro tema fundamental para o processo crescente de marginalização social causada pelo crescimento e inovação das NTICs é, sem dúvida, o novo modelo misto de desenvolvimento tecnológico que associa dois tipos de procedimentos: o da própria ciência e o dos agentes econômicos, sendo cada vez mais representativa a demanda do mercado incidindo no processo de produção do conhecimento.
Produzir conhecimento reflexivo sobre esses temas é uma dinâmica cada vez menos incluída entre as prioridades da política científica e tecnológica. Basta identificar para onde é destinada a maior parte da verba de fomento a pesquisa no Brasil, que, como os dados nos afirmam, não está sendo destinada às ciências sociais.

Deve-se pensar em uma educação para a mídia, no sentido de contribuir para uma leitura crítica deste meio de comunicação, uma educação que seja capaz de ampliar a compreensão dos processos midiáticos (incentivo ao consumo, interesses de poder e ideológicos); e também deve-se passar a estruturar, organizar e reorganizar a percepção e a apropriação da realidade social por parte dos estudantes do ensino médio e fundamental.
Uma das maneiras de atingir esse objetivo seria partir da aplicabilidade de um método de ensino em alfabetização para conteúdos audiovisuais e usos das novas tecnologias, articulando os temas abordados nos diversos gêneros da programação televisiva com os temas dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PNC. Dessa maneira pode-se constituir uma ação fundamental para frear os aspectos levantados pela hipótese aqui colocada.

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