Edição 375 | 03 Outubro 2011

Arqueologia e genealogia das mídias, uma articulação necessária

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Márcia Junges

No caso da publicidade, a perspectiva arqueológica combinada com a genealógica é importante, uma vez que oportuniza “explorar outras possibilidades que podem estar potentes em outros construtos e buscar fraturas/arestas que representem diferenciação nesta overdose de mensagens” endereçadas ao consumidor/sujeito, frisa Gustavo Fischer

“Se trouxermos a perspectiva mcluhaniana de enxergar que um meio carrega o conteúdo de outro, ou ainda a perspectiva de Lev Manovich, que retoma uma trajetória de modificações da tela para mostrar que as interfaces digitais que nos cercam trazem muito das evoluções de funcionalidades geradas em dispositivos ‘pré-cinematográficos’, perceberemos a importância de este ‘agir arqueológico’ estar articulado com uma visão genealógica das mídias”. A afirmação é do publicitário Gustavo Fischer, na entrevista que concedeu por e-mail à IHU On-Line. Em seu ponto de vista, “para a publicidade, a perspectiva arqueológica em combinação com a genealógica traz oportunidades para explorar outras possibilidades que podem estar potentes em outros construtos e buscar fraturas/arestas que representem diferenciação nesta overdose de mensagens que se apresentam ao consumidor/sujeito”.

Gustavo Fischer é graduado em Publicidade e Propaganda pela Unisinos, onde também cursou mestrado e doutorado em Ciências da Comunicação com a tese As trajetórias e características do YouTube e Globo Media Center/Globo Vídeos: um olhar comunicacional sobre as lógicas operativas de websites de vídeos para compreender a constituição do caráter midiático da web. É professor e gerente de Graduação da Unisinos.

Confira a entrevista.


IHU On-Line - Por que é importante realizar uma arqueologia da mídia, como propõe Zielinski?

Gustavo Fischer -
Embora eu ainda não tenha mergulhado tanto no trabalho de Zielinski como queria, é importante perceber que a proposta que ele traz de realização de uma arqueologia da mídia passa necessariamente, a meu ver, por uma premissa muito pouco considerada por quem atua com as chamadas mídias digitais e é engolido pelo fetiche novidadeiro dos suportes e tecnologias: a de considerar a existência de um regime contínuo de afiliações e conexões (como fala Zielinski) entre produtos culturais contemporâneos (mídias de massa e “novas mídias”) e outros de outros contextos histórico-culturais mais distantes, mas cujos princípios já continham propriedades que podemos considerar que, hoje, se atualizam (no sentido bergsoniano da palavra) em novos construtos midiáticos ou informáticos (ou os dois, aspecto que cada vez caracteriza mais nosso atual contexto). Se trouxermos a perspectiva mcluhaniana de enxergar que um meio carrega o conteúdo de outro, ou ainda a perspectiva de Lev Manovich , que retoma uma trajetória de modificações da tela para mostrar que as interfaces digitais que nos cercam trazem muito das evoluções de funcionalidades geradas em dispositivos “pré-cinematográficos”, perceberemos a importância de este “agir arqueológico” estar articulado com uma visão genealógica das mídias. Com isso conseguimos avançar para buscar pistas sobre as direções que os produtos midiáticos contemporâneos estão tomando e tentar construir reflexões sobre os movimentos de afiliação e remediação (Bolter, Grusin ) que se sucedem.


IHU On-Line - Numa sociedade em qua a informação e o consumo são tão rápidos, qual é o significado desse tipo de arqueologia?

Gustavo Fischer -
Conforme busquei comentar anteriormente, a perspectiva arqueológica (que não precisa necessariamente implicar em uma busca a objetos “pré-midiáticos”, o leitor pode experimentar revisitar antigas versões de websites em ferramentas como a “Wayback Machine”, que se encontra em archive.org) pode representar uma compreensão mais clara dos movimentos de mudanças, desaparecimentos ou afirmações de tendências de linguagens, estéticas e formatos. Um exemplo: a noção de página pessoal (homepage) como manifestação do self vem desaparecendo como formato em relação aos perfis em sites de redes sociais. No entanto, entre as homepages e os sites do tipo Facebook, tivemos vários movimentos intermediários como a presença de diários online nas homepages, os webrings que eram uma espécie de “clube de sites” que se linkavam entre si por terem temas ou gostos em comum. Esse movimento forma vai de certa retirando construções mais “artesanais” desses sujeitos (ainda que o software sempre esteja por trás de tudo) para outras que nos colocam dentro de uma mesma vizinhança (todos ficamos mais “uniformizados” dentro do Facebook, ainda que este também se atualize - talvez para permanecer o mesmo). Mesmo para o mercado que produz soluções como aplicativos e websites, esse movimento de mapeamento de tendências e experimentação de linguagens é essencial.


IHU On-Line - Nesse sentido, qual é a relevância dessa arqueologia para a publicidade, especificamente?

Gustavo Fischer -
A publicidade, como manifestação de narrativas, formatos e estéticas, tem um comportamento normalmente de apropriar-se de procedimentos que são identificáveis se voltarmos até a retórica grega (aspecto que o professor Dr. João Carrascoza  explora bem em seus livros sobre Linguagem Publicitária) e é altamente obediente, em grande parte, a regimes de leitura que operam pelas leis da gestalt. Basta observarmos como boa parte dos layouts se apresentam. Para a publicidade, a perspectiva arqueológica em combinação com a genealógica traz oportunidades para explorar outras possibilidades que podem estar potentes em outros construtos e buscar fraturas/arestas que representem diferenciação nesta overdose de mensagens que se apresentam ao consumidor/sujeito.


IHU On-Line - Quais são os principais desafios da mídia em geral, e da publicidade, em particular, dado o contexto de midiatização e tecnologia atuais?

Gustavo Fischer -
Acho que é justamente tentar não se cegar pela ideia da novidade pela novidade ou de repetir-se por segurança/precaução nas soluções propostas. A publicidade, a partir do momento em que os sujeitos estão de posse de algumas possibilidades de construir materiais midiáticos na web, está constantemente sendo - eu diria saudavelmente - alvo de sátira, crítica, deboche ou mesmo ganhando outras formas de fidelização a determinadas teses que são compartilhadas exponencialmente por twitters, e-mails e facebooks da vida.


IHU On-Line - Poderia dar mais detalhes sobre o caráter midiático da web? Em que aspectos essa característica contrasta com a publicidade “pré-web”?

Gustavo Fischer -
Resumidamente, acredito que o caráter midiático da web é uma articulação entre três facetas. A primeira seria de os websites operarem sobre e com uma imensa infraestrutura de dados que são indexados, organizados e apresentados sob códigos imagéticos, sonoros, textuais e audiovisuais em interfaces que ainda são fortemente impregnadas de características das chamadas mídias tradicionais. Esta seria a segunda faceta, da interface amigável e altamente remidiadora das mídias impressa e audiovisual (e também pela própria presença dos grupos/produtores de mídia dentro deste ambiente). A terceira faceta é de ser um ambiente de relacionamento, na qual o sujeito está sempre registrando seus movimentos de forma mais intencional (registrando-se em sites, construindo conteúdos, compartilhando informações, vídeos, links, etc.) ou mesmo quando os sites “capturam” os dados de nossa navegação visando otimizar a distribuição de seus conteúdos. Acredito que o caráter midiático da web é uma articulação dessas três facetas, consideradas as características arqueogenealógicas já expostas e somando o fundamental papel da informatização ou “softwarização” dos processos de produção, visualização e distribuição de conteúdos.

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