Edição 372 | 05 Setembro 2011

Um International Market Maker capaz de regular os mercados financeiros

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Graziela Wolfart e Patricia Fachin

Na visão de Fernando Ferrari, a questão não é austeridade fiscal, mas responsabilidade fiscal

“A reestruturação do sistema financeiro internacional passa pela criação de um International Market Maker capaz de regular os mercados financeiros e, em especial, os derivativos, estabilizar as taxas de câmbio, controlar os fluxos de capitais especulativos, dinamizar as relações comerciais, etc.” A proposta é do economista Fernando Ferrari, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Para ele, “a recuperação da economia mundial passa pela retomada de confiança dos agentes privados, consumidores e investidores, na economia norte-americana”. Defensor da responsabilidade fiscal, Ferrari explica do que se trata: “é, de forma muito simples, realizar gastos públicos e renunciar impostos quando a economia, em espacial o setor privado, está no ‘fundo do poço’ e fazer o inverso quando há um boom do setor privado. Se há fortes indícios de que a economia mundial encontra-se em uma situação de ‘crescimento’ tipo W, logo austeridade fiscal agora não faz sentido”. Para solucionar os desequilíbrios fiscais provocados pela crise financeira, Ferrari sugere, em primeiro lugar e principalmente, “não procurar soluções de mercado como alguns economistas, policymakers e políticos estão sugerindo. A ação do Estado e das instituições multilaterais é essencial para que a economia mundial tenha perspectivas de estabilização. Por exemplo, se políticas fiscais estão limitadas, devido aos desequilíbrios fiscais dos países, política monetária expansionista, seja em termos de crédito, seja em termos de redução das taxas de juros, é fundamental. Em nível global, é necessário criar uma convenção capaz de estabilizar as taxas de câmbio, limitar as ações especulativas dos mercados financeiros”.

Fernando Ferrari Filho é graduado em Economia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, mestre em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, doutor em Economia pela Universidade de São Paulo – USP, e pós-doutor pela University of Tennessee System (1996). Atualmente é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Qual a peculiaridade da atual crise financeira em comparação com o que aconteceu em 2008?

Fernando Ferrari – As crises fiscal-financeira na zona do euro e do endividamento norte-americano são uma continuidade da crise do subprime e, por conseguinte, da crise financeira internacional de 2007-2008 . Por quê? Primeiro, porque em 2008 e em 2009, para se evitar uma depressão na economia mundial, a maioria dos países adotou políticas fiscais contracíclicas, entre os quais os países da zona do euro e os Estados Unidos, o que acabou elevando seus déficits fiscais e suas dívidas públicas. Segundo, porque a liquidez injetada na economia mundial por parte dos bancos centrais acabou gerando uma nova especulativa com os preços dos ativos e, em especial, os financeiros. Em suma, a crise atual não deixa de ser uma extensão da crise anterior.

IHU On-Line – O que muda no “modelo social europeu” a partir da crise financeira na zona do euro?

Fernando Ferrari – Se os países da zona do euro continuarem insistindo nas amarras macroeconômicas contidas no “Pacto de Estabilidade e Crescimento” , não somente o crescimento econômico na região manter-se-á estagnado, bem como o modelo de Welfare State, ou pelo menos o que resta dele, deixará de existir.
 
IHU On-Line – Como solucionar os desequilíbrios fiscais ocasionados pela crise financeira internacional?

Fernando Ferrari – Em primeiro lugar e principalmente, não é procurar soluções de mercado como alguns economistas, policymakers e políticos estão sugerindo. A ação do Estado e das instituições multilaterais é essencial para que a economia mundial tenha perspectivas de estabilização. Por exemplo, se políticas fiscais estão limitadas, devido aos desequilíbrios fiscais dos países, política monetária expansionista, seja em termos de crédito, seja em termos de redução das taxas de juros, é fundamental. Em nível global, é necessário criar uma convenção capaz de estabilizar as taxas de câmbio, limitar as ações especulativas dos mercados financeiros etc.
 
IHU On-Line – O que representa para a economia mundial uma crise financeira nos EUA?

Fernando Ferrari – Uma catástrofe. Os Estados Unidos têm um PIB de cerca de 15,0 trilhões de dólares, têm uma participação importante no comércio internacional, têm uma sinergia robusta com a economia chinesa e são os maiores devedores – parte substancial das reservas cambiais da China e do Brasil, por exemplo, estão vinculados aos títulos públicos norte-americanos. Ademais, se os Estados Unidos entrarem em recessão, ou, pior, crescerem, durante um longo período, pifiamente, tal como a estagnação da economia japonesa, então as repercussões em nível mundial serão péssimas.

IHU On-Line – O que o senhor pensa sobre a austeridade fiscal neste contexto de crise? Qual a importância de políticas fiscais contracíclicas?

Fernando Ferrari – A questão não é austeridade fiscal, mas responsabilidade fiscal. Os agentes econômicos conservadores parecem ter complexo de Lutero: tudo passa pela austeridade. Austeridade fiscal protagonizada pela Alemanha para a zona do euro, por exemplo, é um “tiro no pé” da economia alemã. O que é responsabilidade fiscal? É, de forma muito simples, realizar gastos públicos e renunciar impostos quando a economia, em especial o setor privado, está no “fundo do poço” e fazer o inverso quando há um boom do setor privado. Se há fortes indícios de que a economia mundial encontra-se em uma situação de “crescimento” tipo W, logo austeridade fiscal agora não faz sentido.
 
IHU On-Line – Quais as principais dificuldades e desafios de uma união monetária como a europeia, principalmente em cenário de turbulência econômica mundial?

Fernando Ferrari – Os problemas na zona do euro são dois: por um lado, a maioria dos países, quando da introdução do euro como moeda de curso legal, não apresentava as condições de área monetária ótima; por outro lado, há um problema de governança política.

IHU On-Line – A volta de investimentos no mercado americano pode ajudar em que sentido a estabilizar a crise financeira mundial?

Fernando Ferrari – A recuperação da economia mundial passa pela retomada de confiança dos agentes privados, consumidores e investidores, na economia norte-americana. O governo e as instituições têm que sinalizar um ambiente favorável à tomada de decisão de gastos destes agentes. Caso contrário, a economia dos Estados Unidos irá se estagnar.

IHU On-Line – A partir da situação nos EUA, qual a expectativa que surge em torno do dólar, enquanto moeda que sempre foi considerada como a mais forte?

Fernando Ferrari – Esse é outro problema. A estabilidade e, mais ainda, a confiança no dólar, por um lado, passam pela recuperação da economia norte-americana. Por outro lado e principalmente, apenas a reestruturação do sistema financeiro internacional (regulação financeira, controle de capitais, administração das taxas de câmbio, etc.) será capaz de minimizar a volatilidade dos mercados financeiros e cambiais e dos preços dos ativos, reduzindo, assim, as incertezas que acabam afetando as tomadas de decisão de gastos dos agentes econômicos.

IHU On-Line – Como fica a proposta do Estado Mínimo e das economias de bem-estar social com a crise atual?

Fernando Ferrari – Na prática, a ideia de Estado Mínimo deixou de existir com a crise do subprime, pois todos tornaram-se “keynesianos”. Infelizmente, todavia, há alguns surrealistas que continuam tendo uma “fé inabalável” nos mercados. Com a crise e as soluções conservadoras preconizadas pelos policymakers, a economia do bem-estar social perde espaço.
 
IHU On-Line – Em que sentido o debate sobre a manutenção do estado de bem-estar social nos Estados Unidos tem se tornado objeto de embates políticos no país? Os republicanos estão usando a crise como argumento para acabar com os benefícios sociais do povo norte-americano?

Fernando Ferrari – Como não sou cientista político, repito o que tenho escutado: o embate político entre democratas e republicanos em torno da capacidade de alavancagem da dívida pública dos Estados Unidos não foi uma discussão centrada no aspecto econômico, mas uma miopia ideológica, visando as eleições presidenciais de 2012. Quem é a Standard & Poor’s para rebaixar o rating da dívida soberana dos Estados Unidos? Todas as agências de rating foram um desastre na crise do subprime: muitas empresas tinham ratings elevados, apesar de terem quebrado na crise. Os Estados Unidos têm problemas? Sim, principalmente déficits gêmeos, perda de competitividade etc. Porém, todos nós, sem exceção, na incerteza migramos para o dólar e os títulos públicos norte-americanos.

IHU On-Line – O que deveria fazer parte de uma reestruturação do sistema financeiro internacional?

Fernando Ferrari – A reestruturação do sistema financeiro internacional passa, indo ao encontro das ideias de Keynes , pela criação de um International Market Maker capaz de regular os mercados financeiros e, em especial, os derivativos, estabilizar as taxas de câmbio, controlar os fluxos de capitais especulativos, dinamizar as relações comerciais, etc.

Leia mais...

>> Confira outras entrevistas concedidas por Fernando Ferrari Filho à IHU On-Line.

* Uma política econômica única e exclusivamente para controlar a dinâmica inflacionária. Revista IHU On-Line nº 204, de 13-11-2006;

* Programa de aceleração do crescimento. Um ano depois. Notícias do Dia 23-01-2008; 

* A “mão invisível” do mercado não funciona sem a “mão visível” do Estado. Revista IHU On-Line nº 276, de 06-10-2008;

* O mercado somente funciona com a “mão visível” do Estado, publicada na edição 330, de 04-05-2010, intitulada A crise da zona do euro e o retorno do Estado regulador em debate.  

* Economia brasileira e a síndrome do Peter Pan, publicada na edição 338, de 09-08-2010;

* As concepções teórico-analíticas e as proposições de política econômica de Keynes. Artigo publicado nos Cadernos IHU ideias nº 37.

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