Edição 366 | 20 Junho 2011

A fraternidade cristã diante do abismo da desigualdade social

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Graziela Wolfart

Brenda Carranza atribui o avanço neopentecostal ao preenchimento de vazios deixados pelas instituições religiosas em geral e pelo catolicismo em particular

“O desafio da Igreja em se aproximar das classes trabalhadoras, do campo e da cidade, das classes excluídas do mercado e do consumo continua a ser um apelo próprio da sua missão evangelizadora. O que requer, sem dúvida, um redirecionamento das suas opções e estratégias para acompanhar os setores sociais que reivindicam as mudanças estruturais da histórica desigualdade social que se perpetua no Brasil”. A opinião é da socióloga e professora da PUC-Campinas, Brenda Carranza, na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line. Brenda defende a necessidade de se “deflagrar as condições que garantam a melhora significativa de vida nas maiorias para que diminuam, de fato, as desigualdades sociais”. E questiona: “no fim das contas, a fraternidade cristã não almeja eliminar os abismos produzidos por essa desigualdade instalada entre os filhos de um mesmo Pai?”.

Doutora em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp, Brenda Carranza é professora da Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUC-Campinas. É coordenadora da Coleção Sujeitos & Sociedades da Editora Ideias & Letras, pesquisadora convidada do Center for the Study of Latin American Pentecostalism, da University of Sourthen California – USC College (http://crcc.usc.edu/initiatives/pcri/), pesquisadora responsável do projeto “Religiosidad Popular y Sincretismo Afrocubano en Santiago de Cuba”, pesquisadora convidada do “Proyecto de Investigación Internacional e Interdisciplinario de Pastoral Urbana”, financiado pela Universität de Osnabrück/Deutschland. Dentre suas publicações recentes, citamos Catolicismo midiático (Aparecida: Ideias & Letras, 2011); e Novas Comunidades em busca do espaço pós-moderno (organizado com Cecília Mariz) (Aparecida: Ideias & Letras, 2009).

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Como vê a tentativa de aproximação da Igreja com a chamada “nova classe média”?

Brenda Carranza - Parece-me importante, antes de tudo, matizar essa constatação. Existe uma tendência na mídia de assumir como um dado consolidado que o Brasil de fato tem uma nova classe média. Sabemos que conceituar uma classe é muito mais que associar, de um lado, aumento de renda e, de outro lado, acesso a determinados bens de consumo. Falar em classe média implica agregar à renda um padrão de vida ao qual, nas condições reais brasileiras de desigualdade social e precariedade de serviços públicos, praticamente só a classe média bem situada tem acesso. Esse padrão de vida permite configurar um estilo facilitado por condições que dão acesso a boa educação, planos de saúde abrangentes (rede hospitalar de qualidade, tratamento odontológico), atendimento psicológico e/ou psiquiátrico, cursos de idiomas, viagens, lazer e entretenimento, academias. Ou seja, usufruir de uma série de itens que conformam um capital cultural para além do aumento no padrão de consumo. Mais ainda, não se pode esquecer que neste momento, de eufórico triunfalismo que proclama o “Brasil do futuro” com a “ampliação de sua classe média”, o dinamismo social que acompanha o franco desenvolvimento econômico advém da classe trabalhadora, porém a um custo muito elevado de sacrifício e de endividamento. Um entre tantos exemplos: a elevação de autoestima de muitos jovens trabalhadores ao ver realizado seu sonho de ter um carro, mesmo que a incontáveis prestações, é, ao mesmo tempo, acompanhada de uma rotina de duplo emprego para pagar uma faculdade precária, cursada à noite e com sérios problemas de concentração, disciplina, autocontrole e pensamento prospectivo. Embora esses mesmos jovens se esforcem por ingressar num mercado competitivo, que exige maior qualificação para lhes garantir a mobilidade social, as possibilidades reais de conquista ficam relegadas a um esforço pessoal extraordinário de viver para trabalhar e de consumir um pouco do que antes não podiam. Daí que melhoria de renda não significa mudança de classe social, menos ainda compartilhar do inerente padrão e estilo de vida, capital cultural historicamente construído e fortemente preservado pelas próprias elites. De tal maneira que o desafio da Igreja em se aproximar das classes trabalhadoras, do campo e da cidade, das classes excluídas do mercado e do consumo continua a ser um apelo próprio da sua missão evangelizadora. O que requer, sem dúvida, um redirecionamento das suas opções e estratégias para acompanhar os setores sociais que reivindicam as mudanças estruturais da histórica desigualdade social que se perpetua no Brasil.

IHU On-Line - Acredita que a ascensão social de milhares de brasileiros pode enfraquecer as religiões neopentecostais?

Brenda Carranza - É difícil acreditar na ascensão social quase que consensuada como verdadeira ampliação da classe média. Enquanto a precariedade de qualificação para o acesso ao mercado de trabalho e mesmo as condições de trabalho sejam precárias, os serviços públicos de educação, saúde, lazer e segurança continuem sendo de péssima qualidade e a estabilidade econômica não amorteça as aflições cotidianas da sobrevivência, obviamente que o discurso de sucesso pessoal, fácil e rápido, continuará a ter um apelo maciço entre os menos favorecidos. Nesse sentido, o avanço neopentecostal também é o preenchimento de vazios deixados pelas instituições religiosas em geral, e pelo catolicismo em particular. Esse último não consegue acompanhar o dinamismo de expansão dessas igrejas que se mostram altamente criativas em seus rituais, eficientes na sua organização empresarial e extremamente ágeis na sua inserção em áreas de risco social. A Igreja católica encontra sérias barreiras em sua própria estrutura interna, como é o caso da organização paroquial baseada em critérios territoriais nas metrópoles. Isto é, nas grandes cidades a dinâmica religiosa ora responde a critérios pessoais de gosto e afinidade na escolha de onde e quando participar de experiências religiosas, ora se rege pela lógica de oferta e demanda perante a diversidade de estímulos que podem dar sentido à existência do fiel. Em ambas as situações, as igrejas se veem transformadas em fornecedoras de serviços espirituais. Essa nova conjuntura urbana reformata quaisquer intervenção relevante da Igreja na sociedade, o que exige reorientar a formação dos próprios quadros pastorais. Com isso, mais que perder fiéis para as igrejas pentecostais, a Igreja pode perder o rumo de suas opções pastorais.

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