Edição 364 | 06 Junho 2011

Os jovens indígenas e a inclusão digital

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Patricia Fachin e Márcia Junges

A web é encarada pela juventude indígena como “janela para o mundo”, com uso bastante focado e de interação fluida, destaca o professor José Francisco Sarmento. Domínio das ferramentas tecnológicas é forma de inclusão em uma sociedade que não os vê

Assim como os jovens brancos, os indígenas compartilham da sensação de “pertencimento” em relação às novas tecnologias como a internet, por exemplo. Em sua opinião, “as comunidades devem se preparar para discutir o que querem dos espaços virtuais, como podem aproveitar de maneira melhor do que fez e faz a nossa sociedade”, afirma José Francisco Sarmento, professor da Universidade Católica Dom Bosco - UCDB, de Campo Grande, MS, em entrevista concedida, por email, à IHU On-Line. Ele conta que “poucas aldeias têm acesso à internet nas escolas, e existem famílias e grupos que vivem na beira da estrada esperando o momento de retomada de suas terras. Imagino, então, que não podemos dizer que a inclusão digital seja uma realidade, mas podemos dizer que existem focos digitais em algumas comunidades”. Algo que chama sua atenção é a diferença entre o foco no uso da internet pelos jovens indígenas e os da cidade: “a capacidade de se concentrar até atingir um objetivo. Posso dar como exemplo as oficinas de edição, em que o aprendizado ocorre de maneira mais rápida, desde a manutenção de equipamentos até o acesso às mídias sociais. É impressionante como essa interação se dá de maneira fluida”.
Em sua opinião, a forma como os indígenas se relacionam com a web, por exemplo, é mais focada, como “uma janela para o mundo”, ao passo que os brancos compreendem-na de forma mais recreativa, quase como sinônimo de rede social. “Já o jovem indígena vê essa possibilidade de manipulação e domínio como uma ferramenta que possa incluí-lo em uma sociedade que não o vê”.

José Francisco Sarmento é professor da Universidade Católica Dom Bosco – UCDB, Campo Grande, MS. É graduado em Desenho Industrial/Comunicação Visual pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio, onde cursou mestrado em design, defendendo a dissertação Um estudo do grafismo das cestarias dos M byá guarani de Paraty-Mirim. É doutorando em Educação pela UCDB, sob a orientação do Prof. Dr. Antônio Brand e coordena o Fórum de Discussão Sobre Inclusão Digital nas Aldeias – Fida.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Como caracteriza os jovens indígenas hoje? Eles também sentem necessidade de interagir com as novas tecnologias, acessar a internet, por exemplo?

José Francisco Sarmento - Penso que essa sensação de “pertencimento” é uma característica da juventude de um modo geral, independente de sua etnia, grupo cultural, social ou nacionalidade. A juventude tem esse movimento natural de “pertença” e essa inquietude, essa curiosidade normalmente só se ameniza na maturidade - quando as descobertas de um modo geral se consolidam. Logo, voltando à sua pergunta, sim: os jovens indígenas têm essa curiosidade e já sentem essa necessidade de interação com os novos recursos midiáticos, quando lhe são oportunizados.

IHU On-Line - O que muda nas comunidades indígenas e no perfil dos jovens a partir do acesso à rede? Como as diferentes gerações interagem e se relacionam a partir deste fenômeno?

José Francisco Sarmento - Acredito e tenho percebido que nas comunidades onde desenvolvemos projetos com este foco, em especial na nação Kaiowá, a relação está próxima das comunidades urbanas. A mudança está na percepção do acesso à informação. E digo percepção, porque a internet permite se ter uma informação rapidamente, mas nem sempre com um conteúdo bom, completo. Para se ter uma ideia dessa problemática informacional cibernética, o maior ou o mais popular “buscador” de informações, o Google, possui apenas 10% das informações disponíveis na rede. Logo, esse jovem, conectado com este universo, imagina que tem todas as informações do mundo e na verdade não as tem. As comunidades devem se preparar para discutir o que querem desses espaços virtuais, como podem aproveitar de maneira melhor do que fez e faz a nossa sociedade. Tenho ouvido relatos maduros a esse respeito entre professores indígenas. Em relação à interação das diferentes gerações, tenho percebido que há um distanciamento dialógico a respeito desses assuntos, pois o que se tem observado é que esses acessos de um modo geral acontecem na maioria das vezes no ambiente escolar.

IHU On-Line - O acesso à internet e as tecnologias já é uma realidade entre os jovens indígenas? A partir de que momento as novas tecnologias passaram a fazer parte do cotidiano destes jovens?

José Francisco Sarmento - Sinceramente, não tenho dados concretos para lhe afirmar esta proposição. Eu, pela experiência nesses projetos em nosso estado (Mato Grosso do Sul), como observador e como agente, tenho visto que não podemos afirmar que seja uma realidade. Poucas aldeias têm acesso à internet nas escolas; existem famílias e grupos que vivem à beira da estrada esperando o momento de retomada de suas terras. Imagino, então, que não podemos dizer que a inclusão digital seja uma realidade, mas podemos dizer que existem focos digitais em algumas comunidades. A escola, em meu entender, tem um papel fundamental na inserção dessas novas tecnologias nas aldeias. Para isso, as escolas têm que ter uma estrutura que comportem esses equipamentos, o que na maioria das vezes não acontece. Acho que, com a chegada de projetos relacionados à inclusão digital, como os pontos de cultura digitais, a proximidade com esses recursos tecnológicos digitais se fizeram mais presentes.

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