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Márcia Junges
A loucura ou o louco não existem como entidades fixas ou determinadas para sempre. “Na verdade, enquanto produção social, histórica, e do saber-poder, a loucura é uma produção, uma construção, com efeitos opressivos que se dão depois, no tempo da internação, que para muitos é um caminho sem volta”. A reflexão é do filósofo Guilherme Branco em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. De acordo com o pesquisador, a loucura “não é um fato científico e médico; mas passou a sê-lo apenas no século XIX”. Assim, não se pode dizer que A história da loucura foi uma tentativa de denunciar a medicina ou libertar as vítimas do encarceramento psiquiátrico. Questionado se a sanidade e loucura eram construções sociais dos “saudáveis” sobre os “dementes”, Branco provoca: O mundo político, na atualidade, disse Foucault certa vez, “funciona nos moldes dos hospitais psiquiátricos”.
Guilherme Branco leciona no Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Graduado em Filosofia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, é especialista em Filosofia pela Universidade Gama Filho – UGF e mestre em Filosofia pela UFRJ, onde cursou doutorado em Comunicação com a tese Ontologia e psicanálise em Jacques Lacan. De sua produção bibliográfica destacamos Retratos de Foucault (Rio de Janeiro: NAU Editora, 2000) e O Olhar e o Amor. A Ontologia da Lacan (Paulo de Frontin: NAU Editora, 1995).
Confira a entrevista.
IHU On-Line - A história da loucura pode ser lida como uma obra “em luta” pela autonomia do sujeito marcado pelo estigma da loucura? Por quê?
Guilherme Branco - Quando foi escrito, o livro A história da loucura tinha como contexto as diferentes modalidades de percepção sobre o que era a loucura, nos últimos quatro séculos no Ocidente. A loucura, mostra Foucault, não é um fato científico e médico; mas passou a sê-lo apenas no século XIX. Todavia, não era seu objetivo denunciar a medicina ou libertar as vítimas do encarceramento psiquiátrico. Tanto que o livro termina descrevendo o que se passava no século XIX. O que não impediu que os leitores do livro não se sensibilizassem com esta percepção de que não existe necessariamente esta forma de loucura submetida à medicalização e ao afastamento social, e procurassem desfazer as práticas opressivas que foram desenvolvidas desde então, dois séculos antes de nós.
IHU On-Line - Em que medida podemos dizer que a loucura é uma experiência originária humana, recalcada pela pressão social e pelo biopoder?
Guilherme Branco - Talvez o que Michel Foucault tenha tentado descrever em A história da loucura é que não existe “a loucura ou o louco” como coisas fixas e para sempre determinadas. Na verdade, enquanto produção social, histórica e do saber-poder, a loucura é uma produção, uma construção, com efeitos opressivos que se dão depois, no tempo da internação, que para muitos é um caminho sem volta.
IHU On-Line - Nessa lógica, a loucura deveria ser tratada pela escuta, pelo diálogo, e não por meios coercitivos?
Guilherme Branco - Não tenho condições de responder à questão, pois sou professor de Filosofia. Mas não posso deixar de ser simpático a um novo mundo, mais receptivo, do que a uma instituição psiquiátrica (ou processo terapêutico) receptiva (o). Prefiro um mundo livre a uma instituição que se diz tolerante.