Edição 363 | 30 Mai 2011

“A verdade é uma formulação de linguagem”

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Márcia Junges

Formular linguagens é criar mundos, assinala o filósofo Alfredo Culleton. O que é verdadeiro ou falso são conceitos, e não as coisas.

“Não há como pensar sem linguagem, e só se pensa numa determinada linguagem”. A explicação é do filósofo Alfredo Culleton, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Conforme Alfredo, “a verdade é uma formulação de linguagem. O que está sujeito a verdade e falsidade são conceitos, e não as coisas. As palavras são abstrações dentro de uma linguagem, não são nada”. E completa: “Quando formulamos linguagem criamos um mundo, a linguagem é criação coletiva de mundos. Por isso devemos usar os melhores materiais”.

Culleton é graduado em Filosofia, pela Universidade Regional no Noroeste do estado do Rio Grande do Sul – Unijuí, mestre em Filosofia, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, e doutor em Filosofia, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, com a tese Fundamentação ockhamiana do Direito Natural. Atualmente, leciona nos cursos de graduação e mestrado em Filosofia na Unisinos e é coordenador da graduação em Filosofia. É colaborador na Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI, e na Universidade de Buenos Aires – UBA, Argentina. Atua como assessor do escritório da Sociedade Internacional para Estudos da Filosofia Medieval – SIEPM.

Confira a entrevista.


IHU On-Line - Em que aspectos a linguagem continua sendo um objeto importante de estudos para a Filosofia?

Alfredo Culleton -
A linguagem é o lugar por excelência para os conceitos, se não o único. Fazer Filosofia é pensar conceitos, compará-los, ver da sua conveniência e adequação, formular novos e mais apurados conceitos. Não há como pensar sem linguagem, e só se pensa numa determinada linguagem.


IHU On-Line - As palavras não são as coisas em si, mas sua representação através da linguagem. O que esse mecanismo, essa convenção, guarda de problemático em relação à verdade?

Alfredo Culleton -
A verdade é uma formulação de linguagem. O que está sujeito a verdade e falsidade são conceitos, e não as coisas. As palavras são abstrações dentro de uma linguagem, não são nada. As palavras não representam; a palavra piano não representa nada. “Este piano era da minha avó”, ou “piano, piano se vai lontano”, isto sim. A linguagem não representa as coisas, mas as formula e significa.


IHU On-Line - Por que é importante definir o que é uma linguagem culta?

Alfredo Culleton -
A linguagem busca ser o menos equívoca possível (algo é equívoco quando está sujeito a muitos sentidos), e melhor será quanto menos equivoca for. Chamamos de culta aquela linguagem que por sua riqueza e simplicidade nos facilita a navegação pelos conceitos mais complexos. Por isso as artes literárias nos inserem nesse universo fantástico da vida humana que formula mundos. Quando formulamos linguagem criamos um mundo; a linguagem é criação coletiva de mundos. Por isso devemos usar os melhores materiais.


IHU On-Line - A linguagem oral se reinventa, muda e acompanha a sociedade. Pode-se dizer o mesmo a respeito da linguagem escrita? Por quê?

Alfredo Culleton -
Prefiro dizer que a sociedade acompanha a linguagem porque ela só é sociedade porque tem uma linguagem. Ou há sociedade sem linguagem! O que faz a identidade de um povo é a sua linguagem. Se a sua linguagem for pobre, será pobre, se for rica, rica. A primeira coisa que um estado totalitário faz é proibir uma língua e queimar os seus livros, perseguir os seus escritores que ninguém lê. Temos infinitos exemplos disso na nossa história recente. Ainda há pouco encontrei, num antigo salão de baile no interior de Rolante-RS, um quadro na parede que diz: “Proibido falar alemão”... A cultura dos círculos de leitura onde se liam edições de Goethe  viraram bandinha e chopp. Getúlio Vargas proibiu falar, ler e escrever em alemão.


IHU On-Line - No caso da Filosofia, que tem sua linguagem própria, quais são os limites apresentados pela linguagem oral e pela escrita?

Alfredo Culleton -
Em qualquer linguagem, especialmente a escrita, por não estar acompanhada do gesto ou da possibilidade de explicações caso não tenha sido entendida devidamente, o limite é a concordância em gênero, número e espécie. Estes limites não têm a finalidade de cultuar uma suposta língua culta, mas de tornar um dizer o mais claro e inequívoco possível. As regras ortográficas e a ortografia auxiliam tanto o escritor como o leitor a ser precisos na expressão e na compreensão. Nós vai, confunde o leitor da língua portuguesa. A não ser que seja um texto literário em que a intenção do autor seja esse mesmo.


IHU On-Line - Sabendo que a linguagem é uma convenção que vai mudando ao longo do tempo, qual é a relevância em se discutir variações que ocorrem na forma como as pessoas falam e escrevem?

Alfredo Culleton -
É bom discutir as variações e possibilidades de uma língua desde o momento em que ela é sempre capaz de ser mais precisa e rica, que tenha mais variáveis e aumente o horizonte de compreensão de um discurso.


IHU On-Line - Em que medida o idioma expressa o espírito e a identidade de um povo? Como ele ajuda a moldar a própria cultura de uma fronteira geográfica?

Alfredo Culleton -
A forma mais pobre de uma linguagem é aquela que serve para mostrar sinais de temores, desejos e vontades. A mais sofisticada é a língua que formula e significa a vida humana. Dante , Shakespeare , Cervantes , Goethe, Calderón de La Barca  ou Camões, cada um deles, propõem uma visão de mundo própria com a qual um povo se identifica e envolve uma paixão por essa visão de mundo que vem a ser cultuada. Os nascidos na península itálica falam muitas línguas, mas a língua italiana é a forjada por Dante na Divina comédia. Alguns povos adotaram essa língua e a instituíram como a língua italiana. No caso do português, se não for Camões, será o Jornal Nacional ou a novela das oito que nos oferece essa identidade nacional, quando não o Big Brother. O povo, com o auxílio dos seus educadores, saberá o que quer de si mesmo.


Leia mais...

Confira outras entrevistas concedidas por Alfredo Culleton à IHU On-Line.

* Em nome de Deus: um retrato de época. Edição número 160, Revista IHU On-Line, de 17-10-2005

* Ninguém aceita a morte por suposição. Edição número 269, Revista IHU On-Line, de 18-08-2008

* A interculturalidade medieval. Edição número 198, Revista IHU On-Line, de 02-10-2007

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