Edição 362 | 23 Mai 2011

Um Brasil para os refugiados

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Anelise Zanoni

Por mais que representem um “incômodo” para uma parcela da população, os refugiados devem ter os mesmos direitos e assistência básica de qualquer outro estrangeiro no país, diz Andrés Ramirez, representante do Acnur

Tradicionalmente conhecido por mesclar etnias e culturas desde os primórdios do próprio desenvolvimento, o Brasil desponta como um importante país no abrigo de refugiados. Atualmente, de acordo com Andrés Ramirez, representante do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados – Acnur no Brasil, cerca de 4,5 mil pessoas vivem em solo brasileiro com esse status.

“Uma das principais características do perfil do refúgio no Brasil é o fato de o país abrigar 77 nacionalidades distintas – geralmente esse fator é explicado pela capacidade do país de integrar pessoas de países e culturas totalmente diferentes”, explica Ramirez.

Em entrevista por e-mail à IHU On-Line o especialista explica os direitos e deveres de quem busca asilo no Brasil e deixa claro que o país respeita o princípio de ‘não devolução’, “que é a pedra angular da proteção de refugiados”.

“Os refugiados devem ter os mesmos direitos e a mesma assistência básica de qualquer outro estrangeiro que resida legalmente no país, entre eles direitos civis básicos”, afirma.
Andrés Ramirez é representante do Acnur no Brasil e acompanhou as principais crises humanitárias neste século.

Confira a entrevista.


IHU On-Line - Qual a situação atual do Brasil na recepção de refugiados? Quantos estão sob o abrigo brasileiro?

Andrés Ramirez -
O Brasil vem honrando seus compromissos internacionais na área do refúgio em conformidade com os principais instrumentos internacionais para a proteção dos refugiados, a Convenção de 1951 e seu Protocolo de 1967, dos quais é signatário. Neste sentido, é importante ressaltar que o país respeita o princípio de “não devolução”, que é a pedra angular da proteção de refugiados. Além disso, o país garante que os solicitantes de refúgio tenham acesso ao seu território e ao procedimento de elegibilidade de acordo com os termos estabelecidos pela lei 9474/97.
O país abriga, atualmente, cerca de 4.500 refugiados, dos quais quase quatro mil são reconhecidos por vias tradicionais de elegibilidade e pouco mais de 400 são reconhecidos pelo Programa de Reassentamento. A maioria deles vive é constituída de homens (entre 18 e 50 anos), sendo que as mulheres (entre 18-59 anos) representam 30% deste total.


IHU On-Line – Quais os estados que mais recebem refugiados?

Andrés Ramirez -
Rio de Janeiro e São Paulo são os que mais abrigam refugiados atualmente. Estima-se que na região metropolitana de suas capitais vivam cerca de 2 e 1,5 mil refugiados, respectivamente. O Rio Grande do Sul abriga pouco mais de 200 refugiados reassentados de origem colombiana e palestina.

Os estados de Rio de Janeiro e São Paulo possuem os maiores portos e aeroportos do Brasil, o que facilita a chegada de solicitantes de refúgio a estas localidades. Além disso, eles tendem a permanecer nas grandes cidades do país porque são as que oferecem melhores oportunidades de trabalho e integração.


IHU On-Line - Quais são os direitos e deveres de um refugiado que encontra abrigo no Brasil?

Andrés Ramirez -
Os refugiados devem ter os mesmos direitos e a mesma assistência básica de qualquer outro estrangeiro que resida legalmente no país, entre eles direitos civis básicos (como liberdade de pensamento e de deslocamento e não sujeição à tortura e a tratamentos degradantes) e direitos econômicos e sociais, como assistência médica, direito ao trabalho e educação para as crianças. Os refugiados também têm obrigações, entre elas a de respeitar as leis e os costumes do país de acolhida.

Essas demandas são atendidas pelos países de acolhida sempre que possível. Quando os recursos são insuficientes, o Acnur  proporciona assistência aos refugiados que não possam satisfazer suas necessidades básicas. A assistência pode ser dada sob a forma de donativos financeiros, alimentação, materiais diversos ou de programas de criação de escolas ou centros de saúde para quem viva em campos ou outras comunidades.


IHU On-Line - Este ano comemora-se o 60º aniversário da Convenção da ONU sobre o Estatuto do Refugiado. O que mudou e quais são as perspectivas quando o assunto é abrigo de refugiados?

Andrés Ramirez -
No plano regional tivemos alguns avanços, começando pela Convenção de Cartagena de 1984, a qual contemplou a violação massiva de direitos humanos como condição para solicitação de refúgio. Outro avanço foi o Plano de Ação do México – PMA, assinado em novembro de 2004 por 20 países, incluindo o Brasil. O PMA definiu um conjunto de medidas voltadas para a busca de soluções duradouras para o refúgio na América Latina e inovou ao inserir formalmente o conceito de solidariedade na agenda internacional.

Ainda no plano regional, a Declaração de Brasília, assinada em novembro de 2010 por 18 países, amplia o marco de proteção a refugiados e apátridas no continente americano. Um destaque da Declaração de Brasília inclui o respeito irrestrito, acordado pelos países, ao princípio de não devolução (non-refoulement), incluindo a não rejeição nas fronteiras e a despenalização da entrada ilegal de estrangeiros nos respectivos países. O texto também apoia a contínua incorporação, nas leis nacionais sobre refugiados e deslocados internos, das variáveis de gênero, idade e diversidade.

No âmbito extrarregional, a Convenção para Tratar dos Aspectos Específicos do Problema dos Refugiados na África foi adotada em 1969 pela União Africana. Esse instrumento regional de proteção expande a definição da Convenção dos Refugiados de 1951, incluindo as pessoas que são obrigadas a deixar seus países não apenas por motivos de perseguição, mas também devido a agressões externas, ocupação, domínio estrangeiro e outros graves eventos que alterem a ordem pública.

Ao final do ano, o ACNUR realizará uma reunião global, de nível ministerial, no qual os países deverão apresentar compromissos para fortalecer a proteção e a assistência de refugiados, apátridas e outras populações sob o mandato da agência. Em todo o mundo, o ACNUR trabalha forte com os governos para que os compromissos apresentados sejam relevantes e exequíveis.


IHU On-Line - Os padrões da migração se tornaram cada vez mais complexos nos tempos modernos. Quais são as características dos refugiados que vêm ao Brasil?

Andrés Ramirez -
Uma das principais características do perfil do refúgio no Brasil é o fato de o país abrigar refugiados provenientes de 77 nacionalidades – geralmente esse fator é explicado pela capacidade do país de integrar pessoas de países e culturas totalmente diferentes. Por outro lado, a maioria dos refugiados é de origem africana e as cinco nacionalidades com maior representação na população de refugiados do país é Angola (1.686), Colômbia (628), República Democrática do Congo (453), Libéria (258) e Iraque (203).


IHU On-Line - Muitos refugiados instalados no Brasil, depois de um tempo, retornam para seus países de origem. Qual avaliação o Acnur faz desse procedimento?

Andrés Ramirez -
O retorno para casa por meio da repatriação voluntária é a solução duradoura escolhida pela maioria dos refugiados e é uma iniciativa fortemente apoiada pelo ACNUR. As prioridades da organização em relação ao retorno dos refugiados são promover condições favoráveis à repatriação voluntária, assegurar o exercício de uma escolha livre e informada e mobilizar apoio aos retornados. Na prática, o ACNUR promove e facilita de várias formas a repatriação voluntária, incluindo a organização de visitas ao país de origem por parte dos refugiados para que estes possam verificar as condições de repatriação, divulgação de informação atualizada sobre o país e região de origem dos refugiados e engajamento em atividades de paz e reconciliação, promoção de moradia e restituição de propriedades, além de apoio legal e assistência aos retornados.


IHU On-Line - Alguns jornais retratam frequentes reclamações em relação às condições oferecidas no Brasil para refugiados. Qual avaliação vocês fazem das reclamações dos reassentados e da mídia?

Andrés Ramirez -
Algumas reclamações são importantes para conhecer melhor a realidade dos refugiados e aprimorar nossos programas de assistência. Por outro lado, há reclamações que não procedem. A resposta do ACNUR a elas é feita através de uma análise individual dos casos.


IHU On-Line - Qual o maior entrave para solucionar a questão dos refugiados na América do Sul?

Andrés Ramirez –
É uma pergunta muito ampla. O marco de proteção a refugiados varia de país para país, além do contexto e do perfil dos refugiados. As situações e os problemas enfrentados pelo Brasil são completamente diferentes daquelas existentes na Argentina, Venezuela, Peru ou Equador.

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