Edição 361 | 16 Mai 2011

“A tendência é de ver a liderança como um processo sistêmico, e não linear”

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Patrícia Fachin

Na avaliação da psicóloga Patrícia Fagundes, o dinamismo e a impaciência que marcam a geração Y “são expressões que traduzem” os avanços telemáticos da sociedade contemporânea

O conceito de liderança individual deve mudar a partir da inserção da geração Y no mercado de trabalho. Isso porque, segundo a psicóloga e professora de Gestão, Patrícia Fagundes, os novos trabalhadores compreendem o mundo de forma mais dinâmica, conectado e “com fontes de informação que extrapolam as tradicionais figuras de autoridade como pais e professores”. Para futuro, explica, “a tendência é de que tenhamos líderes que compreendam a liderança menos como uma posição, e mais como um processo”.

Na entrevista que segue, concedida por e-mail à IHU On-Line, Patrícia menciona que as dificuldades de relação entre as gerações X e Y sé dão no ambiente profissional e tem a ver com “o significado de trabalho” para ambos. “É comum que os Xs sejam workholics, e que tenham se acostumado com dicotomias do tipo vida profissional = trabalho duro; vida pessoal = lazer. Não passa pela cabeça dos Ys esta separação. Arrisco a dizer que para os Ys, trabalho tem que equivaler a algo do tipo “prazer remunerado”, ou algo próximo a isto”.

Graduada em Psicologia pela Unisinos, mestre em Administração de Empresas e doutora em Psicologia pela PUCRS, Patrícia Fagundes é professora-pesquisadora do Mestrado Profissional em Gestão e Negócios,
da Unisinos e dos cursos de Administração. Entre as obras publicadas está A dimensão coletiva da liderança, divulgada nos Cadernos IHU Ideias, de 13-07-2009, edição 120. Disponível em http://migre.me/4yiWS.

Confira a entrevista.



IHU On-Line - Como descreve a geração Y?

Patrícia Fagundes - Não há uma concordância quanto ao ano de nascimento dos “Ys”, variando as referências entre 1978 e 1984. Mas o que difere a geração Net de suas antecessoras é principalmente o fato de esta ser a primeira geração a crescer cercada pela mídia digital, tendo contato e interação, ainda na infância, com a tecnologia digital (jogos, internet, celulares). Assim, o fator determinante para a caracterização de um “sujeito Y” é o contexto telemático com que, desde cedo, ele interage. Obviamente, este é um fator que interdepende de todo um contexto socioeconômico-cultural que não pode ser esquecido nesta identificação e compreensão da geração Y. A despeito destas especificidades de cada contexto, é possível identificar características convergentes aos Ys, tais como: a) capacidade de criar e empreender; b) capacidade de manter relacionamentos sociais e de trabalho em equipe, embora reivindiquem autonomia em suas opiniões e atuação; c) inclinação para ações e resultados mais imediatos, constantemente demandando e fornecendo feedbacks.

Podem estar fisicamente “individualizados” (ele e o computador), mas não são individualistas: estão conectados ao coletivo, o tempo todo, pela “rede”. Tendem evidenciam preocupação com a ética e a inclusão.
A intensidade e nuances de manifestação de tais características precisam, portanto, ser compreendidas dinamicamente e em relação ao contexto socioeconômico-cultural em questão.

IHU On-Line - Quais são os valores desta geração no que se refere ao trabalho?
Patrícia Fagundes - Cito alguns:
a) Liberdade na condução de suas buscas de sentido e, consequentemente, na construção de suas carreiras. Uma pesquisa brasileira sobre “Geração Y e Carreira” aponta este resultado: “a necessidade das pessoas assumirem o comando de sua evolução profissional, independentemente das fronteiras de uma organização. (...) A autogestão da carreira é evidenciada” (VASCONCELOS et al., p. 11, 2009).

b) A valorização da educação formal como fator-chave do sucesso profissional (MARTIN, 2005).

c) Pouca obediência do poder advindo da hierarquia, mas valorização do poder exercido pelo conhecimento/perícia e pela referência/carisma – isto os faz serem “seguidores”.

d) Vida pessoal é considerada nas escolhas e processos decisórios da vida profissional. Esta geração não assume o papel workholic característico da geração X.

IHU On-Line - Quais os limites da geração Y? Embora sejam caracterizados como dinâmicos, também são impacientes no sentido de não consolidarem carreira em uma empresa?

Patrícia Fagundes – Parece-me que os principais limites estão associados à baixa capacidade de contemplação e reflexão. Não que estes fatores não possam ser desenvolvidos, mas, via de regra, exigem um esforço maior quando a tendência é o imediatismo e a objetividade. Um aspecto que não pode estar desarticulado nesta discussão é o fator do amadurecimento do ciclo de vida. Isto é, em um certo nível o dinamismo e a impaciência sempre são maiores nas gerações mais novas quando comparadas às gerações anteriores. Um dia desses, estava lendo um artigo que discutia as transformações nas relações de trabalho, comparando os baby boomers aos “Xs”. Inegavelmente, o tempo nos transforma e, no mínimo, nos torna menos fóbicos à capacidade de ser paciencioso. Contudo, este dinamismo e impaciência que sim, marcam os “Ys”, são expressões que traduzem, principalmente, os avanços telemáticos e os discutidos movimentos da globalização socioeconômico-cultural neste espaço-tempo que eles protagonizam. Neste sentido, Schikmann e Coimbra (2001) referem que, nos anos 1960, as grandes diferenças entre gerações eram de valores e, hoje, o abismo é tecnológico. Penso, contudo, pelo abismo tecnológico, a discussão dos valores muitas vezes torna-se oclusa, pouco discutida – e talvez por isto cause a impressão de que pouco existe.

IHU On-Line - Como se dá a relação, no mundo do trabalho, entre as gerações X e Y? Como a questão da liderança perpassa por essa relação? A dimensão individual de liderança tende a mudar?

Patrícia Fagundes - Começando pelo último questionamento: sim, se considerarmos a dimensão individual da liderança como indivíduo-líder, a tendência é de que tenhamos líderes que compreendam a liderança menos como uma posição, e mais como um processo. Pela forma como internalizaram o mundo - mais dinâmico, mais conectado, com fontes de informação que extrapolam as tradicionais figuras de autoridade (pais, professores), a tendência é de ver a liderança como um processo sistêmico, e não linear – o que e, em tese, é muito propício para a prática do conceito de “rede de liderança”. Neste caso, os papéis de líder e liderados se alternam (formal ou informalmente), dependendo do contexto. Reforço que a natureza de poder pessoal (conhecimento, carisma) é mais valorizada pelos Ys; parece-me que eles não chegam a confrontar o poder outorgado; apenas não o legitimam. E como não possuem, via de regra, apego ao vínculo institucional, o mais comum é se afastarem quando não se sentem devidamente desafiados, reconhecidos e valorizados – daí surgem os problemas de retenção dos talentos Ys.

Uma das dificuldades vivenciadas na relação entre X e Y no trabalho tem a ver com o significado de “trabalho”, o que se desdobra na noção de desempenho e resultado: é comum que os Xs sejam workaholics, e que tenham se acostumado com dicotomias do tipo vida profissional = trabalho duro; vida pessoal = lazer. Não passa pela cabeça dos Ys esta separação. Arrisco a dizer que, para os Ys, trabalho tem que equivaler a algo do tipo “prazer remunerado”, ou algo próximo a isto.

IHU On-Line - Que aprendizagens são possíveis na transição das gerações X e Y? Quais os maiores desafios do encontro dessas gerações na gestão de pessoas?

Patrícia Fagundes - Sem a pretensão de responder completamente a uma pergunta tão complexa, sinalizo quatro movimentos preliminares e essenciais, em minha opinião: primeiro, o reconhecimento do diferente e a vivência (e não apenas o discurso) de abertura ao que ele representa (valores, tempos, prioridades); segundo, a disponibilidade de perceber dialogicamente estas diferenças sem o dicotômico e ingênuo juízo de valor (bom/ruim, certo/errado), nem o solene e narcísico ignorar das mesmas (“mas é possível existir outro jeito que não seja o meu?”); terceiro, a humildade para chegar ao outro, com a soberania de “ser o que se é”, seja entre iguais ou diferentes, inovando, criando, permitindo que coisas novas possam emergir do encontro das singularidades, sem que necessariamente elas rumem à síntese; quarto, se construímos aprendizagens nos três movimentos que referi anteriormente, chegamos mais plenos ao exercício do respeito a nós mesmos e aos outros sujeitos – ao que efetivamente somos/são, sejam quais forem as diferenças que expressem.

A meu ver, se temos estas aprendizagens internalizadas nas dimensões individuais e coletivas (por exemplo, em cada trabalhador e na cultura de uma organização), as políticas de gestão de pessoas são representações deste processo. Sejam estratégias de retenção de talentos, de inclusão ou de avaliação de desempenho, podem ser formalizadas com maior adesão se pessoas e organizações se inter-relacionarem, conhecendo suas realidades, reconhecendo suas diferenças (de tempos, lugares, responsabilidades) e buscando construir conexões viáveis, que partam do que há em comum, para transformarem o que é passível de transformação até contemplar o que se sustenta entre as inigualáveis diferenças.

IHU On-Line - A geração Y irá mudar a maneira de as empresas conduzirem as relações de trabalho e a estrutura trabalhista tradicional?

Patrícia Fagundes – Sim. Reforçando o que posicionei anteriormente, acredito que a médio prazo (se não a curto prazo) a estrutura trabalhista deverá ser repensada e adequada ao tempo de resposta, de autonomia e de prioridades que a geração Y vem demandando e, em decorrência, transformando “antigas certezas” no mundo do trabalho e na sociedade em geral.

IHU On-Line - Que aspectos devem mudar na rotina de trabalho em função da geração Y? O mercado irá se transformar para se adaptar a essa geração?

Patrícia Fagundes - Um aspecto que necessariamente precisa ser repensado, com a emergência da geração Y no mundo do trabalho, é a burocracia organizacional, principalmente quanto às validações hierárquicas, ao decorrente tempo de resposta, e os tradicionais mecanismos de controle, como o cartão-ponto. Não se trata de extinguir a burocracia (pois, dependendo da natureza da organização, ela é um elemento necessário e regulador), mas o próprio ritmo dos Ys deve lhe impor mudanças e adaptações. No mínimo, a tecnologia digital vai se intensificar, estando mais presente mesmo em organizações aparentemente menos permeáveis a estas inovações. A exemplo disso, podemos citar o próprio poder judiciário.

IHU On-Line - Como se dá o processo de gestão de pessoas a partir da inserção dos Ys no mercado de trabalho? Que aspectos devem ser levados em conta?

Patrícia Fagundes - Deve-se levar em conta o próprio “perfil” que caracteriza esta geração. Não podemos, por exemplo, gerir empreendedores sob a métrica da obediência. É preciso dar-lhes espaço, autonomia, desafios, feedback; é preciso integrar-se à sua conectividade, como forma de comunicação e interrelação. Ao mesmo tempo, é fundamental problematizar algumas “respostas rápidas” (típicamente Y), desenvolvendo nestes trabalhadores, tão rápidos na ação, a capacidade de contemplar, de refletir, de ouvir, de respeitar o tempo do outro. Sim, porque esta geração cada vez mais ocupará lugares de liderança. E, portanto, deverão identificar novos potenciais, desenvolver novos líderes. Aliás, questiono-me a respeito de se a geração Y será percebida pela geração Z. Esta é uma conversa para outro momento.

>> Patrícia Fagundes já concedeu outra entrevista à IHU On-Line.
* Liderança e gestão de grupos no IHU ideias. Publicada na edição 290. Acesse no link http://migre.me/4ePSB.

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