Edição 360 | 09 Mai 2011

Salário mínimo é a melhor política social brasileira

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Patricia Fachin

Brasil não tem um Estado de Bem-Estar Social comparável ao modelo europeu porque não teve uma relação sindicatos/partidos social-democratas, como ocorreu no fim do fascismo, assinala o sociólogo Rudá Ricci

Enquanto tenta encontrar um modelo de políticas sociais a ser seguido, que garanta acesso à saúde, educação e previdência, o Brasil investe acertadamente no aumento real do salário mínimo, o qual, segundo o sociólogo Rudá Ricci, é a política social mais eficiente no momento e a responsável pela contenção da pobreza no país.

Em entrevista à IHU On-Line por e-mail, Ricci explica que as políticas de transferência de renda estão consolidadas, mas não são sustentáveis financeiramente, “porque o pacto desenvolvimentista lulista se baseou na conciliação de interesses”. A adoção de programas de distribuição de renda como o Bolsa Família ainda não são suficientes para mudar a trajetória histórica de má distribuição de renda no Brasil. “Este é o impasse do lulismo”, lamenta. A superação deste dilema, segundo Ricci, está na adoção da “tributação progressiva, atingindo a manifestação de riqueza”.

Rudá Ricci participa do 5º Seminário Nacional de Políticas Sociais, em Porto Alegre, no dia 12 de maio, apresentando o painel As políticas sociais e a democratização da democracia. Que fazer? A programação completa está disponível na página eletrônica do IHU (www.ihu.unisinos.br).

Rudá Ricci é graduado em Ciências Sociais pela PUC-SP. É mestre em Ciência Política e o doutor em Ciências Sociais pela Unicamp. Atua como consultor no Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal e do Instituto de Desenvolvimento. É diretor do Instituto Cultiva e professor da Universidade Vale do Rio Verde e da PUC Minas. É autor de Lulismo: da Era dos Movimentos Sociais à Ascensão da Nova Classe Média Brasileira.

Confira a entrevista.


IHU On-Line - Como vê as políticas sociais brasileiras? O que elas revelam sobre o Brasil?

Rudá Ricci -
Nós iniciamos o governo Lula com a retomada da discussão sobre a focalização das políticas. Quem liderava esta discussão era o Ministério da Fazenda, tendo à frente o então ministro Palocci. No final da gestão Lula já havia uma mudança de 180 graus nesta concepção. Isto demonstra como esta área sofreu idas e vindas. O fato é que temos políticas de transferência de renda bem consolidadas, embora não sustentáveis financeiramente, porque o pacto desenvolvimentista lulista se baseou na conciliação de interesses. Em outras palavras, as gestões Lula não alteraram a política tributária regressiva, onde os mais ricos pagam menos, o que acabou gerando financiamento da transferência de renda entre assalariados, em especial, sugando recursos da classe B. Nas políticas sociais tradicionais - como educação, saúde, previdência -, ainda estamos tateando num modelo a ser seguido. Na gestão Lula, para dar um exemplo, tivemos um embate para implantar a administração do SUS via OSCIPs. Felizmente as tentativas governamentais foram frustradas. Na educação, apenas com a aprovação do Plano Nacional da Educação - PNE, possivelmente em outubro deste ano, teremos uma política estratégica mais definida. Com a Lei de Responsabilidade Educacional, o PNE será efetivamente seguido.


IHU On-Line - Como o senhor avalia o discurso da presidenta Dilma em relação à erradicação da pobreza e da miséria no país? As políticas sociais atuais indicam para este caminho de superação e seguridade social?

Rudá Ricci -
O que está debelando a pobreza no país é o aumento real do salário mínimo. Os estudos da FGV-RJ são conclusivos a respeito. O problema é político. A inclusão pelo consumo sempre foi motivador de emergência de pensamento conservador, como ocorreu nos EUA, nos anos 1950. A nova classe C é centrada na família, ressentida em função de seu passado, cínica politicamente (já que desconfia das autoridades públicas e de todos os instrumentos de representação social), teme perder o status que atingiu recentemente. É algo muito distinto da inclusão pela política, que era a tônica do discurso petista na sua origem.


IHU On-Line - Por que no Brasil ainda não foi possível estabelecer um Estado de Bem-Estar Social?

Rudá Ricci -
Não temos um Estado de Bem-Estar Social de tipo europeu porque não tivemos a relação sindicatos/partidos social-democratas que ocorreu com o fim do fascismo. Mas o lulismo esboçou um Welfare State e é esta a origem de sua imensa popularidade. Um modelo fordista, apoiado na concentração do orçamento público (ao redor de 60% de todo orçamento público do país se concentra na União), no financiamento do alto empresariado pelo BNDES, nas políticas de transferência de renda, no financiamento das entidades de representação de massas e na coalizão presidencialista (que vem eliminando os espaços da oposição). É hora de atentarmos para esta inovação. Procuramos a comparação com o exterior, mas a novidade está justamente aqui.


IHU On-Line – Pode explicar melhor essa ideia de que a novidade está justamente aqui? Quais são os limites disso?

Rudá Ricci -
A novidade é que temos um fordismo peculiar, tupiniquim. O modelo fordista-keynesiano se baseia num pacto desenvolvimentista apoiado no ápice no fomento e orientação do Estado, que se abre para o subsídio dos gastos populares e no financiamento das empresas de ponta. Neste caso, a lógica é criação de um poderoso mercado consumidor que cria a plataforma para exportação de produtos nacionais de alta tecnologia. Foi exatamente o que ocorreu nos EUA a partir do New Deal, em 1933, e se disseminou pelo mundo logo após a Segunda Guerra. Os limites desta estrutura é que este pacto não possibilita fluidez ou rearranjos em virtude de problemas externos. Foi exatamente esta rigidez que gerou a crise dos anos 1970 em função da alta do preço do barril de petróleo. Em 1974, o preço do petróleo subiu 11 vezes ao longo do ano. Em 1975, inauguramos no Brasil o pró-álcool. A diferença é que agora temos o pré-sal. Mas os riscos existem.


IHU On-Line - Uma das principais causas da desigualdade social no Brasil é a má distribuição de renda. Como, nesse sentido, as políticas sociais podem garantir a seguridade social se a renda continua sendo mal distribuída?

Rudá Ricci -
Este é o impasse do lulismo. Ou adotamos a tributação progressiva, atingindo a manifestação de riqueza, ou continuamos com este dilema. O fato é que o lulismo é uma conciliação de interesses entre classes e grupos de interesse. Somente com forte afluxo de recursos externos ele se mantém em pé. Caso contrário, algo deste pacto desenvolvimentista terá que ser quebrado: ou corte de crédito para os gastos populares (em especial, da classe C) ou a tributação progressiva. Quem sabe o uso do Fundo Social do Pré-Sal. Mas como está, dificilmente resistirá até o final da gestão Dilma.


IHU On-Line - Qual é a política social brasileira mais eficiente atualmente? Por quê?

Rudá Ricci -
É o aumento real do salário mínimo. O restante parece viver ainda uma formatação mais clara, de cunho estratégico. Não me parece que se tenha uma definição consolidada.


IHU On-Line – Qual é o papel do trabalho e de melhores salários como para garantir a seguridade social neste contexto atual? Podemos dizer que o trabalho continua sendo um instrumento essencial?

Rudá Ricci -
É claro. Mesmo porque, o modelo fordista se baseia no trabalho e no financiamento do trabalho. Veja o caso do uso dos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT como poupança para investimentos públicos. A aposentadoria e pensões alimentam os municípios com mais baixo Índice de Desenvolvimento Humano - IDH do Brasil.


IHU On-Line - Por que, ao longo da história brasileira, se investiu em políticas sociais em vez de se investir em mudanças estruturais?

Rudá Ricci -
Em virtude de uma estrutura estatal totalmente dominada por interesses privados, o que ainda ocorre. A tomada do Ministério do Trabalho pelas centrais sindicais e a posse de Jorge Gerdau como coordenador do Comitê de Gestão do governo federal são elementos que esboçam os contornos deste curso neocorporativo atual. Trata-se de um agiornamento do que ocorre desde sempre no interior do Estado brasileiro. Os interesses se acomodam e não conseguimos formular políticas gerais, estratégicas.


IHU On-Line - Que avaliação faz dos primeiros meses do governo Dilma? O ajuste fiscal anunciado no início do governo pode prejudicar as políticas sociais do país?

Rudá Ricci -
Ainda não está claro qual o real ajuste fiscal que será promovido. Veja o caso das emendas parlamentares e cortes de obras em municípios. Após muita pressão inicial, o governo federal já anuncia que os cortes ocorrerão em julho (inicialmente teriam sido feitos em abril) ou dezembro! Ora, todos sabemos que a motivação eleitoral de 2012 envolve toda base aliada do governo federal. Vamos aguardar para ter uma noção mais clara deste possível corte.


IHU On-Line - Como a política econômica do governo se relaciona com as políticas públicas sociais?

Rudá Ricci -
É um conflito dos mais tensos. A situação é ainda mais interessante porque o Ministro da Fazenda é apontado como o avalista dos gastos (inclusive de promoção do consumo popular) no final do governo Lula e que provocaria parte dos cortes anunciados pelo governo Dilma. Enfim, já expus que o modelo lulista é uma trama de tipo neogetulista, neocorporativa. Ao tocar numa peça, altera todo balanço da engrenagem. E se anunciou corte de gastos para conter a inflação. Percebe que há vários discursos no interior do governo? Do desenvolvimentismo a uma espécie de Estado Gerencial acanhado?


IHU On-Line - A política econômica embasada no consumo tem que implicações na busca da igualdade e da seguridade social?

Rudá Ricci –
É uma lógica desenvolvimentista baseada no fortalecimento do mercado interno (lógica fordista, diga-se de passagem) que sempre esteve no discurso petista. A questão é que esta inclusão pelo consumo gerou uma forte mudança na composição dos segmentos formadores de opinião (de classe B para classe C) e um estoque de eleitores a ser mantido ou conquistado. O texto recente de FHC sugere este tema, mas a pesquisa do Datafolha, que se seguiu ao artigo, revelou que o PT é o partido preferido pelos emergentes. Enfim, o que estou procurando sugerir é que a intenção inicial acabou por se transmutar em interesse político. O financiamento do consumo da nova classe C é, hoje, um fator essencial para o crescimento do PT, inclusive nos territórios dominados até aqui pela oposição, como São Paulo e Minas Gerais.


IHU On-Line - Como o senhor compreende o reajuste do salário mínimo no início do ano?

Rudá Ricci -
A questão central é como mantemos e damos sustentabilidade para este aumento real do salário mínimo, assim como as aposentadorias. Porque este ano já tivemos uma ilustração das contradições internas do modelo lulista, quando o governo federal tentava diminuir o ciclo de consumo de massas e as centrais sindicais pressionavam pelo que consideram um direito histórico. O próprio governo se debateu com suas contradições.


IHU On-Line - Alguns economistas defendem que surgiu uma nova classe média no Brasil, a qual tem mais poder de compra. O acesso a bens de consumo nos levará ao desenvolvimento?

Rudá Ricci -
Este foi o caminho adotado pelo New Deal. Estamos apenas atualizando este modelito desenvolvimentista. O petismo prometia a inclusão pela política e pelo direito. Mas o lulismo construiu a inclusão pelo consumo, atrelada à tutela estatal. A projeção que se faz é que em 2014, se continuarmos com a mesma velocidade de inclusão (ascensão social e crescimento da classe C), seremos o quinto mercado consumidor do mundo, abaixo apenas dos EUA, China, Alemanha e Japão. Imagine o que esta projeção atrai de investimentos externos no Brasil! A questão, então, é que cresceremos economicamente. Mas politicamente podemos estar criando um gigantismo estatal e a tutela política da nossa sociedade.


IHU On-Line - Como o Brasil tenta fazer a inclusão social e garantir democratização da democracia?

Rudá Ricci -
O lulismo abandonou a tarefa de democratizar nossa democracia. Ao contrário, vem cerceando os espaços da oposição e diminuindo os espaços de competição partidária. Abandonou todas as iniciativas de controle social, mesmo as que iniciou timidamente em 2003 (caso das audiências públicas do Plano Plurianual ou o Talher do programa Fome Zero). O pragmatismo político e o centralismo falaram mais alto.


Leia mais...

Rudá Ricci
já concedeu outra entrevista à IHU On-Line. O material está disponível na página eletrônica do IHU (www.ihu.unisinos.br).

• Um fordismo tupiniquim que concilia interesses. Entrevista publicada na edição 362, de 29-11-2010

• “Com o fim da era dos movimentos sociais, foi-se a energia moral da ousadia”. Entrevista publicada em 30-11-2009

• O PT a reboque do lulismo. Entrevista publicada em 10-9-2009

• “Um Brasil mais mosaico do que nunca”. Uma análise das eleições a partir de Minas Gerais. Entrevista publicada em 1-11-2008

• “A CUT vai caminhando para ser a antiga CGT do século XXI”. Entrevista publicada em 2-9-2008

• “Lula não é uma liderança de esquerda”. Entrevista publicada em 20-9-2006

• Os desafios dos movimentos sociais hoje. Entrevista publicada na IHU On-Line número 325, de 19-04-2010

• “As eleições manifestam a emergência de um movimento ultraconservador no Brasil”. Entrevista publicada nas Notícias do Dia de 05-11-2010

• Movimentos Sociais numa gestão Dilma ou Serra. Artigo publicado nas Notícias do Dia do sítio do IHU em 30-03-2010

• O lulismo e a esquerda latino-americana. Artigo publicado nas Notícias do Dia do sítio do IHU em 24-03-2010

• Comunitarismo e Democracia no Brasil. Artigo publicado nas Notícias do Dia do sítio do IHU em 20-03-2010

• Movimentos Sociais em discussão. Rudá Ricci responde a Valter Pomar. Artigo publicado nas Notícias do Dia do sítio do IHU em 13-12-2009

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