Edição 354 | 20 Dezembro 2010

Mercado de trabalho gaúcho retoma crescimento após duas décadas

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Patricia Fachin

A existência do salário mínimo regional poderá reforçar o processo de redução das desigualdades no Rio Grande do Sul, assegura o economista Raul Luís Assumpção Bastos

O mercado de trabalho gaúcho está retomando o movimento desde os anos 2000. Depois de duas décadas marcadas pela perda do dinamismo em função da crise da dívida externa dos anos 1980 e em consequência da abertura comercial em 1990, a reestruturação do mercado é percebida por meio do aumento do emprego formal e a redução da incidência do desemprego.

Para o economista Raul Luís Assumpção Bastos, esse novo cenário está associado a “uma performance macroeconômica mais favorável nos anos 2000. (...) Iniciativas em termos de regulação das relações de trabalho, como o aumento da fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego e a criação de uma jurisprudência relativa à formalização dos contratos de trabalho em firmas terceirizadas, também jogaram a favor do processo de melhora da qualidade do emprego”, menciona, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line.

Apesar das melhorias, o mercado de trabalho gaúcho “pode ser caracterizado como heterogêneo, pois nele continua sendo expressiva a proporção de ocupados (cerca de 50,0% em 2007) que não corresponde ao emprego com carteira de trabalho assinada, que é a forma de inserção na estrutura ocupacional de melhor qualidade”, pondera.

Doutor em Ciências Econômicas pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, atualmente Raul Luís Assumpção Bastos é economista da Fundação de Economia e Estatística – FEE. Ele é autor do recente estudo intitulado Mudanças Estruturais no Mercado de Trabalho do Rio Grande do Sul: 1981-2007, publicado no livro Três Décadas de Economia Gaúcha.

Confira a entrevista.


IHU On-Line - A partir de seu estudo, que análise faz do mercado de trabalho no Rio Grande do Sul, nos últimos 30 anos?

Raul Luís Assumpção Bastos -
Em termos de grandes movimentos, o mercado de trabalho do Rio Grande do Sul evidenciou perda de dinamismo nos anos 1980, em face da crise da dívida externa e do esgotamento do desenvolvimento econômico por substituição de importações; os anos 1990, em um contexto de abertura comercial, reestruturação produtiva e baixo crescimento, foram de grande deterioração do mercado de trabalho, com elevação acentuada do desemprego e uma quase ausência de geração de emprego com carteira de trabalho assinada - tal processo foi reconhecido como de precarização do mercado de trabalho; já os anos 2000 foram de retomada do movimento de estruturação do mercado de trabalho, com um desempenho muito melhor em termos de geração de emprego formal e com uma importante redução da incidência do desemprego.


IHU On-Line - Qual o desempenho dos setores primário, secundário e terciário no estado nesse período?

Raul Luís Assumpção Bastos -
O desempenho do setor primário foi predominantemente negativo ao longo de todo período enfocado, com redução absoluta do número de ocupados e perda de participação relativa no estoque total de ocupados do Rio Grande do Sul. Não obstante, é importante ter presente que, ao final do período analisado, o setor primário ainda detinha cerca de 24,0% da ocupação total, o que confere uma importância para a este setor na estrutura ocupacional totalmente distinta daquela existente nos países desenvolvidos, nos quais é ínfima a ocupação do setor.
O setor secundário evidenciou moderado ritmo de crescimento da ocupação nos anos 1980. Mas nos anos 1990 teve um desempenho negativo, particularmente na indústria de transformação, com redução absoluta de postos de trabalho; já nos anos 2000, ele retomou a sua capacidade de expansão do nível ocupacional, pelo menos até o ano final coberto pelo estudo, que foi o de 2007. Neste último ano, o setor secundário havia atingido 26,9% da ocupação total do estado, superando o setor primário.

Quanto ao setor terciário, ele apresentou um desempenho positivo do nível ocupacional nos anos 1980. Nos anos 1990, ocorreu uma redução do ritmo de absorção de mão de obra pelo setor, ainda que não com a mesma intensidade verificada nos outros dois grandes setores. Nos anos 2000, houve uma retomada da sua capacidade de geração de oportunidades ocupacionais. Com base nesses movimentos, em 2007 ele representava cerca de 49,0% da ocupação total do Rio Grande do Sul.


IHU On-Line - Que aspectos foram responsáveis pela estagnação do emprego no estado?

Raul Luís Assumpção Bastos -
A estagnação do emprego propriamente dita ocorreu nos anos 1990. Ela deveu-se a uma conjugação de fatores: abertura comercial, reestruturação produtiva e baixo ritmo de crescimento econômico. Esses fatores implicaram estagnação da capacidade de geração de oportunidades ocupacionais no estado e uma importante elevação do desemprego. De acordo com diversos estudos, houve, neste período, um processo de precarização do mercado de trabalho do Rio Grande do Sul.


IHU On-Line - Que fatores favoreceram a retomada do movimento de estruturação do mercado de trabalho gaúcho a partir dos anos 2000?

Raul Luís Assumpção Bastos -
O estudo se estendeu até o ano de 2007, não compreendendo o período da crise econômica que ocorreu a partir do último trimestre de 2008. Neste sentido, a melhora no mercado de trabalho esteve associada a uma performance macroeconômica mais favorável nos anos 2000, que trouxe consigo expansão do emprego com registros formais e redução do desemprego. Iniciativas em termos de regulação das relações de trabalho, como o aumento da fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego e a criação de uma jurisprudência relativa à formalização dos contratos de trabalho em firmas terceirizadas, também jogaram a favor do processo de melhora da qualidade do emprego. A própria retomada da geração de emprego na indústria de transformação, que se constitui em uma atividade que se caracteriza por maior formalização das relações de trabalho, é também um fator explicativo do desempenho positivo do emprego com carteira de trabalho assinada na economia do Rio Grande do Sul.


IHU On-Line - A partir da análise do emprego no Rio Grande do Sul nos últimos 30 anos, que avaliação é possível fazer em relação ao mercado de trabalho atualmente? Como se caracteriza o mercado de trabalho gaúcho?

Raul Luís Assumpção Bastos –
O mercado de trabalho gaúcho retomou o movimento de estruturação nos anos 2000. Entretanto, ainda sim, trata-se de um mercado de trabalho que pode ser caracterizado como heterogêneo, pois nele continua sendo expressiva a proporção de ocupados (cerca de 50,0% em 2007) que não corresponde ao emprego com carteira de trabalho assinada, que é a forma de inserção na estrutura ocupacional de melhor qualidade, pois a posse da carteira de trabalho dá acesso ao sistema de proteção social.


IHU On-Line - Quais os avanços e os desafios no que se refere ao mercado de trabalho gaúcho?

Raul Luís Assumpção Bastos -
Os aspectos mais positivos dos anos 2000 foram a retomada da geração de emprego formal e a redução do desemprego. Os principais desafios que se colocam para o mercado de trabalho gaúcho são a continuidade da expansão do emprego formal, a concomitante queda do desemprego e a redução nas desigualdades de rendimentos. Para este último aspecto tem contribuído a política de recuperação do salário mínimo real implementada no país; no caso específico do Rio Grande do Sul, a existência do salário mínimo regional poderá também reforçar o processo de redução das desigualdades de rendimentos no Estado.

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