Edição 353 | 06 Dezembro 2010

Estamos no começo de um longo caminho a percorrer

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Por Graziela Wolfart

Ao destacar alguns aspectos da obra Retratos do Brasil Homossexual, Horácio Costa reflete sobre a questão da homofobia no Brasil hoje

Está sendo lançado o livro Retratos do Brasil Homossexual. – Fronteiras, Subjetividades e Desejos (São Paulo: Edusp, 2010). A IHU On-Line entrevistou por e-mail um dos organizadores da obra, o professor Horácio Costa, da Universidade de São Paulo – USP. Segundo ele, um dos objetivos do livro é reunir um expressivo número de ensaios escritos majoritariamente por acadêmicos brasileiros, de diferentes procedências, assim como por intelectuais hispano-americanos e brasileiros, sobre o tópico LGBTT e da homocultura no Brasil de hoje, passados 80 anos daquele Retrato do Brasil de Paulo Prado, um dos livros fundacionais do pensamento sociológico no país, livro que, a não ser subsidiariamente, menciona os ‘sodomitas’ nessa visão panorâmica do povo brasileiro. Para Costa, no Brasil somos exemplarmente hipócritas, em termos históricos: filhos de mentalidades tridentinas que elegeram a instituição de dois pesos e duas medidas como forma de relacionar-se com o real desde o século XVI.

José Horácio de Almeida Nascimento Costa é graduado em Arquitetura e Urbanismo pela USP. Na New York University, realizou mestrado em Artes, e na Yale University, o mestrado e doutorado em Filosofia. É, atualmente, professor da USP e autor de diversas obras de poesia, entre as quais Satori (São Paulo: Iluminuras, 1989), Quadragésimo (São Paulo: Ateliê Editorial, 1999) e Fracta (São Paulo: Perspectiva, 2004).

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Qual o principal objetivo da obra Retratos do Brasil Homossexual?

Horácio Costa -
Reunir um expressivo número de ensaios escritos majoritariamente por acadêmicos brasileiros, de diferentes procedências, assim como por intelectuais hispano-americanos e brasileiros, sobre o tópico LGBTT e da homocultura no Brasil de hoje, passados 80 anos daquele Retrato do Brasil de Paulo Prado , um dos livros fundacionais do pensamento sociológico no país, livro que, a não ser subsidiariamente, menciona os sodomitas nessa visão panorâmica do povo brasileiro.
 

IHU On-Line - Como poderia ser definida a subjetividade do homossexual brasileiro?

Horácio Costa -
Impossível de responder. Ou, por oposição: como se definiria a subjetividade do heterossexual brasileiro? E ainda: será a subjetividade dos políticos e dos oligarcas tão igualitariamente espalhados do Oiapoque ao Chuí tão subjetiva quanto a dos homossexuais que lutam por seus direitos civis? E mais: a subjetividade dos que acreditam em impedimentos morais e/ou religiosos é tão subjetiva quanto a das mulheres que têm que frequentar clínicas de aborto clandestinas?


IHU On-Line - Como entender que o país com a maior Parada Gay do mundo ainda tenha um índice tão alto de ódio contra homossexuais?

Horácio Costa -
Somos exemplarmente hipócritas, em termos históricos: filhos de mentalidades tridentinas que elegeram a instituição de dois pesos e duas medidas como forma de relacionar-se com o real desde o século XVI. Ainda, e um pouco em função disso, pois temos valores retóricos de encobrimento e desvio da realidade realmente fabulosos: se eu não falar sobre ela, a questão não existe (foi assim com a escravatura, não?). Ou seja, no que concerne ao problema da homofobia; estamos no mesmo patamar de (alta voltagem de) hipocrisia como com relação a outras questões que afetam a nossa vida em sociedade. Só que, antes, não se falava dele. Agora os homossexuais brasileiros estão levando este debate ao grande cenário nacional, e há algumas respostas positivas e algumas negativas outras: algo já aconteceu no processo, mas sinto que estamos no começo de um longo caminho a percorrer. Esse debate, juntamente com outros conexos, resultará em benefício para a sociedade como um todo, e não apenas para o segmento LGBTT, já que se insere nessa corrente de verdadeirização e renovação moral da forma mentis como um todo.


IHU On-Line - Que relações podem ser estabelecidas entre homocultura e Direitos Humanos?

Horácio Costa -
A homocultura é um conceito em devir frente aos direitos humanos que tem mais de 200 anos de estabelecimento na França. Portanto, diríamos que aquela é subsidiária destes, assim como muitos direitos assentes, após serem conquistados nesse lapso de tempo, sob a rubrica humanos, em diferentes sociedades ocidentais. O exercício da homossexualidade, ou da preferência sexual, deve ser garantido não apenas na intimidade física dos cidadãos, como, em princípio, já o é, mas também em suas manifestações mais etéreas e/ou subjetivas, onde reconhecemos a homocultura. Daí para a formalização em aras da legislação, da pluralidade, e da diferença das minorias homossexuais e conexas, um passo: nenhum direito garantido por princípio à maioria dos brasileiros nos deve ser negado. Como disse no meu discurso de abertura da IV Associação Brasileira de Estudos da Homocultura  - ABEH, um Estado que nos negue tal possibilidade democrática é um Estado provedor de infelicidade, um Estado infelicitante, e daí moralmente comprometido. A garantia de tais direitos aos homossexuais se insere, de fato, na renovação moral do Estado brasileiro, que a nação tem exigido de muitas maneiras. Sem essa garantia, o Brasil jamais estará livre das distorções que o caracterizaram ao longo da história.


Leia mais...

>> Horácio Costa já concedeu outra entrevista à IHU On-Line:
* A memória homossexual como campo de reivindicação política. Entrevista publicada nas Notícias do Dia do sítio do IHU, em 28-05-2009

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