Edição 352 | 29 Novembro 2010

Os movimentos sociais e o lulismo

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Graziela Wolfart e Patricia Fachin

Lulismo é uma “prática particular de gerenciamento do Estado e de governabilidade política, algo a meio caminho entre os populismos clássicos e as socialdemocracias de tom pragmático”, define o sociólogo Carlos A. Gadea

“O lulismo modificou não só a estrutura dos movimentos sociais, mas também o sistema político em seu conjunto”, constata Carlos A. Gadea. Segundo ele, nos últimos anos, o governo manteve uma relação “ambígua” com os movimentos sociais, “‘engolindo-os’ na maquinaria institucional ou subordinando-os às políticas de compensação na participação direta ou indireta no próprio aparelho do Estado”. Nos últimos oito anos, eles “reduziram a marcha e muitos se incorporaram como por efeito de osmose ao que seria o lulismo, restando neles o esvaziamento das suas bases e o aparelhamento dos seus dirigentes. Abandonaram o anti-institucionalismo em prol de somar-se aos destinos políticos do governo”. Na entrevista que segue, concedida por e-mail à IHU On-Line, o sociólogo menciona que, apesar de os movimentos sociais terem perdido força, surgirão outros, “quem sabe muitos vinculados a iniciativas que, justamente, possam dar um ar mais democrático à participação política e menos dependente das figuras políticas articuladoras e intermediadoras entre a sociedade e o Estado”.


Carlos A. Gadea é doutor em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Atualmente, é professor do PPG em Ciências Sociais da Unisinos.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - O que podemos entender pelo fenômeno do lulismo e que modificações ele provocou na estrutura dos movimentos sociais?

Carlos A. Gadea - O lulismo não é só o resultado político e cultural dos governos do presidente Lula durante os oito anos da sua gestão. Muito menos é um movimento político gerado dentro do PT. É, simplesmente, uma prática particular de gerenciamento do Estado e de governabilidade política, algo a meio caminho entre os populismos clássicos e as socialdemocracias de tom pragmático. Aglutina-se ao redor de uma imagem carismática que outorga à cultura política um ar de certo personalismo caudilhista. O lulismo é o resultado da possibilidade política produzida num contexto determinado do país, em que a negociação intra e interpartidária e políticas sociais que possibilitaram o aceso ao consumo a amplas camadas da população teve como corolário uma modificação política tão substancial que é possível falar hoje de um momento histórico pós-Lula. Exemplo disso é a ambígua relação que teve com os movimentos sociais, de certa maneira “engolindo-os” na maquinaria institucional ou subordinando-os às políticas de compensação na participação direta ou indireta no próprio aparelho do Estado. O lulismo modificou não só a estrutura dos movimentos sociais, mas também o sistema político em seu conjunto.

IHU On-Line - O que podemos entender a partir da articulação entre movimentos sociais e Estado?

Carlos A. Gadea - Aquilo que possibilita a governabilidade política a despeito de desradicalizar os movimentos sociais, ao incorporá-los de diversas maneiras na vida institucional do país. Muitos movimentos viraram organizações, meras estruturas formais que em definitivo se tornaram atores sociais intermediadores da ação do Estado e do governo com a heterogênea sociedade brasileira.
 
IHU On-Line - Segundo o sociólogo Rudá Ricci, movimentos sociais como o MST tem tempo de vida contado no Brasil, aproximadamente cinco anos. O senhor concorda? Por quê?

Carlos A. Gadea - Entendo o espírito da resposta do Ricci. Ele estava se referindo a esse processo de institucionalização dos movimentos sociais e, nesse sentido, da incapacidade de poder ser autônomos aos desígnios do Estado e do sistema político em geral. Ao virarem organizações, o que se entende por movimento social desaparece, conceitualmente falando. Aí Ricci está certo. Com relação ao MST, é claro que já não é mais um movimento social e sim uma organização que mantém uma relação muito particular com o lulismo, de amores e desavenças também. Agora, não sei se é possível falar em datas e, inclusive, se é possível falar na incapacidade, visto o modelo político instaurado, da emergência de movimentos sociais ou ações coletivas diversas no cenário sociopolítico do país. Acho que aí há uma supervalorização do lulismo.

IHU On-Line - Como está a estrutura dos movimentos sociais após oito anos de lulismo?

Carlos A. Gadea - Os movimentos sociais, assim como algumas centrais sindicais de trabalhadores, tiveram que reavaliar seu agir e começar a ver de outros olhos o processo político que estava surgindo. De fato, aquele setor político mais próximo às suas demandas havia chegado ao poder. Daí, os movimentos sociais reduziram a marcha e muitos se incorporaram como por efeito de osmose ao que seria o lulismo, restando neles o esvaziamento das suas bases e o aparelhamento dos seus dirigentes. Abandonaram o anti-institucionalismo em prol de somar-se aos destinos políticos do governo. Isso é evidente, e resta saber as consequências políticas imediatas que isso levou para o próximo governo do PT sob a presidência de Dilma. Manterá a mesma relação que Lula?

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