Edição 351 | 22 Novembro 2010

Padre Ávila: ponte entre a mensagem da Igreja e a realidade social

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Graziela Wolfart

Ao recordar o convívio que teve com Fernando Bastos de Ávila, o jornalista Luiz Paulo Horta descreve-o como pessoa de uma riqueza humana e de uma simpatia enormes

Ainda impressionado com a leitura da última obra do padre Fernando Bastos de Ávila, intitulada A alma de um Padre. Testemunho de uma vida (Bauru: Edusc e Academia Brasileira de Letras, 2005), o jornalista Luiz Paulo Horta concedeu a entrevista que segue por telefone à IHU On-Line recordando os aspectos mais importantes da trajetória do jesuíta recentemente falecido. Ele cita sua contribuição para a área da Sociologia e relata aspectos do convívio pessoal que teve com padre Ávila, que, para ele, “foi um grande sociólogo”, que entendia o ciclo marxista como “um desafio ao pensamento e à ética cristã”.

Luiz Paulo Horta, jornalista, faz crítica musical erudita para o jornal O Globo. Em 1983 publicou seu primeiro livro, Caderno de Música, e em seguida editou o Dicionário de Música Zahar. Foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 21 de agosto de 2008, ocupando a cadeira 23, cujo patrono é José de Alencar e sucedendo à escritora Zélia Gattai. O primeiro ocupante da cadeira 23 foi Machado de Assis idealizador e primeiro presidente da Academia.


Confira a entrevista.


IHU On-Line - Qual a principal herança intelectual do padre Fernando Bastos de Ávila?

Luiz Paulo Horta – São várias. Eu conheci o padre Ávila nos anos 1960, quando comecei a estudar na PUC-Rio. Naquele tempo ele já seguia uma carreira importante na Sociologia, pois foi um grande sociólogo. Lembro-me bem que usávamos como livros-textos estudos que ele fazia sobre a relação entre marxismo e cristianismo. Naquele momento, o ciclo marxista estava no auge e o padre Ávila entendia isso como um desafio ao pensamento e à ética cristã e escreveu mais de um livro sobre o tema. Dentro do contexto da Sociologia, essa foi uma contribuição muito forte. Ele teve um papel importante na fundação do Ibrades, que foi muito perseguido pelos militares, o que lhe causou um desgosto enorme. Mas sempre e já nessa época tinha uma posição de grande prestígio. Depois eu saí da PUC, fui estudar Jornalismo e acabamos nos distanciando um pouco. Fomos nos reaproximar no ano 2000, quando a PUC criou o prêmio Pe. Ávila de Fé e Cultura e eu recebi esse prêmio pela prática da ética dentro do jornalismo. Ele até brincava comigo, dizendo que queria que eu o sucedesse na Academia Brasileira de Letras e eu dizia que a esse preço eu não queria. Depois, em um livro que ele escreveu mais tarde, que é A Alma de um Padre, ele anotou que “Luiz Paulo Horta recebeu o prêmio Padre Ávila e merecia um prêmio maior”. Mais tarde eu de fato fui eleito para a Academia Brasileira de Letras, felizmente não na vaga do padre Ávila, que estava bem vivo e nos encontrávamos na Academia, curiosamente sentados lado a lado. Nesse tempo, ele já tinha uma deficiência de audição e uma certa debilidade física. Eu servia como uma espécie de tradutor das sessões para ele das coisas que se falavam.

A alma de um padre
A segunda contribuição dele que eu gostaria de destacar é a publicação do seu último livro, que é muito comovente. Chama-se A Alma de um Padre. É um livro de uma sinceridade rara, inclusive provocou um certo incômodo dentro da Companhia de Jesus, porque ele é muito franco. Esse livro é importante sob dois aspectos: primeiro pela questão da vocação. Ele teve uma vocação que não era algo muito orgânico. Chegou ao sacerdócio, em grande parte, atendendo ao desejo da sua mãe, que era uma pessoa muito religiosa. Então, uma das coisas que se vê nesse livro, é um debate muito patético sobre a questão da vocação de uma pessoa que poderia ter seguido outros caminhos. Aparece, por exemplo, a questão da relação de um celibatário com uma mulher, que é algo muito forte. Então, tem esse lado de uma confissão pessoal, que é emocionante. Outro aspecto desse livro é que é curioso que, mesmo com essas dúvidas e angústias, ele se tornou uma pessoa perfeitamente realizada como padre, como jesuíta. As pessoas adoravam os sermões do padre Ávila. O livro é também o retrato da formação jesuítica e como ela era num determinado período. Provavelmente hoje não é mais assim. No tempo do padre Ávila, nos anos 1930 e 1940, era uma formação muito áspera e difícil, até com a finalidade de forçar caráteres fortes, na linha de Santo Inácio de Loyola, formando quase soldados de Cristo, com uma ética rigorosa. E ele, mesmo com todas essas crises que mencionei, incorpora essa vocação, não renega em nenhum momento o que fez. Além da questão pessoal da vocação de um padre, temos esse retrato muito raro da interioridade da formação jesuítica, que é um dos capítulos mais fascinantes da história ocidental. A presença da Companhia de Jesus tem uma importância extraordinária aqui no Brasil como grandes educadores. Pela primeira vez, vi contada com toda a franqueza e sinceridade a história da formação de um sacerdote jesuíta. Esse livro é pouco conhecido, foi lançado muito discretamente, mas é belíssimo.

IHU On-Line - Qual a contribuição de padre Ávila na Academia Brasileira de Letras? Como ele era entre os acadêmicos?

Luiz Paulo Horta – Ele era uma pessoa de uma riqueza humana e de uma simpatia enormes. Com exceção do tempo final, em que já estava realmente muito debilitado, ele podia conversar com uma verve enorme e muita espontaneidade. Era um ser comunicativo, um professor nato. Eu nunca tive aula com o padre Ávila, mas quem teve tem uma lembrança muito forte dessa experiência. Era uma pessoa que realmente enriquecia os temas, porque às vezes há uma tendência de se tornar muito acadêmico e formal ao tratar de determinados temas. O padre Ávila gesticulava muito, estava sempre sorridente e, no final dessa carreira, foi ficando muito emotivo, até como consequência da debilidade física crescente. Quando ia fazer um sermão mais pessoal ele chorava.

IHU On-Line - Como o senhor avalia o trabalho de assessoria do padre Ávila para a CNBB no sentido da reflexão sobre a conjuntura política e social do país?

Luiz Paulo Horta – Esse foi um outro aspecto muito importante, porque a CNBB é uma criação de Dom Hélder, nos anos 1950, e logo em seguida veio o Concílio Vaticano II, que inaugurou uma nova fase na vida da Igreja, de uma proximidade maior com a sociedade. E o padre Ávila entrou fazendo essa ponte, porque sempre tinha padres especialistas na doutrina cristã. Essa também foi a fase das grandes encíclicas sociais. O padre Ávila estava em uma posição privilegiada, pela sua condição de sociólogo, de fazer essa ponte entre a mensagem da Igreja e a realidade social. Muitos documentos importantes da CNBB foram redigidos por ele. Foi uma fase muito marcante na carreira dele e na história da Igreja no Brasil.

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