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Graziela Wolfart e Patricia Fachin
O economista Fernando Sarti é enfático em relação ao melhor modelo de desenvolvimento para o Brasil. Na sua visão, o país precisa investir em industrialização. “O investimento industrial não é significativo do ponto de vista keynesiano, multiplicador. Não é ele que faz crescer a economia, mas é fundamental para assegurar que teremos oferta de bens de consumo para fazer frente à demanda crescente e não fazer com que essa demanda seja atendida crescentemente por importações”. Por sua vez, continua ele, “as exportações de commodities vão cumprir um papel específico que cabe a elas. Não se espera delas que gerem dinamismo. Não são elas que vão puxar a economia brasileira. Elas vão cumprir o papel de assegurar o superávit comercial para a balança brasileira. O que está provocando uma valorização cambial hoje não é o superávit nesses setores, mas é a nossa conta financeira, que está associada a um diferencial de demanda e de taxas de juros que temos aqui no país”. Na entrevista que segue, concedida por telefone para a IHU On-Line, Sarti confessa que não consegue pensar em desenvolvimento no futuro, com um modelo socioeconômico sustentável, sem o crescimento. “O desenvolvimento irá aparecer como uma etapa complementar superior à manutenção do crescimento. Sem crescimento o desenvolvimento social está em risco”.
Fernando Sarti é graduado e mestre em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp com a dissertação Evolução das estruturas de produção e de exportações da indústria brasileira nos anos 80. Ele também cursou doutorado na mesma instituição com a tese Internacionalização comercial e produtiva no Mercosul nos anos 90. Atualmente, é professor do Instituto de Economia da Unicamp.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Que projeto de desenvolvimento o Brasil deve seguir nos próximos anos: industrialização e progresso tecnológico, exportação de commodities, ou um modelo de desenvolvimento socioeconômico sustentável, baseado na baixa emissão de carbono?
Fernando Sarti – Nenhum desses são excludentes. É possível pensar um projeto que, de alguma maneira, tenha sinergia entre essas estratégias. As condições de desenvolvimento ainda não estão asseguradas. Uma questão chave deste e dos próximos governos é assegurar uma taxa de crescimento relativamente alta. Sem o crescimento, boa parte das conquistas sociais obtidas até agora ficaria sob risco. Em particular, refiro-me à geração de emprego e como isso gerou o crescimento da massa salarial e do poder aquisitivo da classe D e E. As pessoas começaram a ter uma melhoria de bem-estar a partir do consumo e se endividaram comprando casa, bens de consumo. A sustentação desse novo patamar de bem-estar pressupõe a manutenção de uma taxa de crescimento em torno de 5%, pelo menos, para manter o nível de emprego. Esse é o grande desafio para “fazer uma ponte” entre crescimento e desenvolvimento. Não consigo pensar em desenvolvimento no futuro, com um modelo socioeconômico sustentável, sem o crescimento. O desenvolvimento irá aparecer como uma etapa complementar superior à manutenção do crescimento. Sem crescimento o desenvolvimento social está em risco.
IHU On-Line – Como assegurar a taxa de crescimento?
Fernando Sarti – Primeiro, isso passa por uma ampliação significativa da formação bruta de capital fixo na economia brasileira, ou seja, da taxa de investimento. A taxa de investimento da economia brasileira terá de crescer a um patamar muito superior ao crescimento da demanda doméstica brasileira. Temos de sair de uma taxa de investimento que está em 18%, elevando-a para 20, 22% e, em 10 anos, a 25%. O aumento dessa taxa de investimento é a condição sine qua non para a manutenção de um crescimento sustentável nos médio e longo prazos. Vejo dois desafios para isso: uma questão fundamental hoje é o financiamento e a outra, os riscos e oportunidades associados à valorização cambial e à crescente competição com o produto importado. Ambas as questões devem ser enfrentadas imediatamente se o país não quiser comprometer a taxa de investimento futura. O financiamento de longo prazo é feito pelos bancos públicos: BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal. É desses bancos que vêm os investimentos da economia. Ao que tudo indica, estamos caminhando numa direção de certa saturação dessas fontes públicas de financiamento. O BNDES chegou num limite, já está operando com 150 bilhões, e a Caixa Econômica está usando o Fundo de Garantia. De alguma maneira, teremos de pensar em novas fontes de financiamento. Uma alternativa para isso é a melhoria do mercado de capitais no Brasil: não apenas o mercado acionário, mas o mercado de dívidas, de papéis, ou seja, a colocação, por parte das empresas privadas, tentando levantar recursos junto ao público para financiar as suas atividades. A consolidação e o crescimento do mercado de capitais parece ser uma questão fundamental.
Investimento internacional
A terceira fonte seria o uso desses investidores internacionais, sobretudo do ponto de vista dos fundos de previdência, que podem capitalizar as empresas. O Brasil tem que aumentar paulatinamente a taxa de investimento e fortalecer essas novas fontes. Desse ponto de vista, teremos de ser mais ousados e pensar em inovações que não estão colocadas hoje: é fundamental repensar a questão do fundo soberano como um instrumento importante de financiamento das estratégias das empresas. Por outro lado, há a questão das expectativas para o investimento. As decisões de investimento estão colocadas sob risco a partir do momento em que o país atende a demanda existente hoje no Brasil com produtos importados. Dá para se trabalhar na economia brasileira com a ideia de que temos fontes de demandas estáveis, para se pensar no crescimento para os próximos anos. Aqui penso, sobretudo, nos investimentos de infraestrutura e no pré-sal. O problema é que, quando realizo investimentos nessa área, estes geram a necessidade de demanda de compras. O grande risco é que, tendo essa demanda relativamente forte e assegurada, uma parcela cada vez maior dessas compras comece a vazar para fora. Isso será tão mais verdadeiro quanto mais tivermos uma valorização do câmbio e quanto mais formos permissivos com relação às importações. Dessa forma, jogamos fora a grande oportunidade de fortalecer a oferta brasileira, que passaria por um boom de investimento.
IHU On-Line – Então o Brasil precisa investir em industrialização?
Fernando Sarti - Precisa investir em industrialização. O investimento industrial não é significativo do ponto de vista keynesiano, multiplicador. Não é ele que faz crescer a economia, mas é fundamental para assegurar que teremos oferta de bens de consumo para fazer frente à demanda crescente e não fazer com que essa demanda seja atendida crescentemente por importações. No mundo inteiro, hoje, se luta por uma variável chave que se chama demanda. A demanda desapareceu. Nós temos atualmente, no Brasil, esse ativo-chave que é a demanda e temos que explorá-lo da melhor forma, fazendo com que essa demanda doméstica se configure em decisões consistentes de investimentos, inclusive na própria indústria. Esse crescimento pode ser social e sustentável, com essa dimensão ambiental. Dá para se pensar nessa direção de trabalhar com uma matriz energética mais limpa também. A industrialização e o desenvolvimento sustentável não são trilhas separadas. Por sua vez, as exportações de commodities vão cumprir um papel específico que cabe a elas. Não se espera delas que gerem dinamismo. Não são elas que vão puxar a economia brasileira. Elas vão cumprir o papel de assegurar o superávit comercial para a balança brasileira. O que está provocando uma valorização cambial hoje não é o superávit nesses setores, mas é a nossa conta financeira, que está associada a um diferencial de demanda e de taxas de juros que temos aqui no país.
IHU On-Line - O Brasil é conhecido como o celeiro do mundo. Esse modelo de desenvolvimento baseado em exportação de commodities ainda é relevante para o país hoje?
Fernando Sarti – Não estamos criando um padrão de crescimento dependente das exportações de commodities. A contribuição desse setor de atividade é para a geração sustentável de superávit comercial. Desenvolvimento é um processo que vai acontecer naturalmente. Temos que assumir que esse processo não se dá via mercado, mas tem que ser coordenado e dirigido pelo Estado e pressupõe necessariamente política industrial.
IHU On-Line - O crescimento econômico do Brasil está propiciando também, desenvolvimento social e econômico para a população?
Fernando Sarti – É inegável que o consumo neste país aumentou. Espero que agora que as pessoas sentiram o gosto disso não queiram perder e sejam, cada vez mais, cidadãs participantes do processo, no sentido de assegurar que os direitos adquiridos se mantenham. O crescimento realmente já propiciou uma melhoria no desenvolvimento social. Mas ainda há muito que se avançar. Por exemplo, a questão do saneamento. Sabemos o quanto isso penaliza a qualidade de vida das populações D e E. O nível de saneamento no Brasil é vergonhoso. Outro ponto aqui é a questão da educação, que também é uma vergonha nos níveis primário e secundário. A mesma coisa vale para a saúde que, no Brasil, é uma calamidade. Só que tudo isso nós conseguiremos se tivermos crescimento. Não consigo ver desenvolvimento social sem crescimento. O crescimento sozinho também não resolve, mas é condição necessária para se ir nessa direção.
IHU On-Line - Muitos economistas defenderam que o bom desempenho econômico do governo Lula foi favorecido pelo momento econômico internacional. No governo Dilma, a situação deve se repetir, ou a nova presidente governará em um novo contexto internacional?
Fernando Sarti – Esse é um diagnóstico um pouco ingrato. Se pararmos para pensar que o governo atual teve que administrar a maior crise econômica que passamos depois da crise de 1930, dizer que as condições externas favoreceram o Brasil é brincadeira. Num primeiro momento, até tivemos condições externas favoráveis e o Brasil aproveitou essas condições. Mas também adotou mudanças importantes em termos de diretrizes e de políticas que permitiram o crescimento. Essas mudanças foram fundamentais para enfrentar a crise. Passamos por uma crise muito menor em 1998 em que a forma de enfrentamento trouxe impactos negativos para a economia, o que essa crise não trouxe. Não concordo com o argumento de que o país cresceu em função das condições externas favoráveis. O Brasil teve uma política inteligente e garantiu uma certa estabilidade cambial.
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>> Fernando Sarti já concedeu outra entrevista à IHU On-Line. Confira:
* Internacionalização favorece industrialização, publicada na IHU On-Line número 338, de 09-08-2010