Edição 350 | 08 Novembro 2010

O ostracismo imposto às discussões sobre regulação da comunicação

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Júlio Arantes Azevedo, Anderson David G. dos Santos e Rafael Cavalcanti Barreto

No Brasil, qualquer discussão sobre controle social da mídia é tratada com sensacionalismo

Por Júlio Arantes Azevedo, Anderson David G. dos Santos e Rafael Cavalcanti Barreto*

Enquanto José Serra e Dilma Rousseff fizeram o possível para evitar problemas com a grande imprensa, as propostas de políticas de comunicação continuam relegadas à invisibilidade, sob a manta midiática da censura.
O processo eleitoral de 2010 teve como um dos principais motes de acusação o quanto cada candidato era a favor da “liberdade da imprensa”. Mas as discussões foram postas na tentativa de empurrar ao candidato adversário a pecha de autoritário. Prova disso é que nenhum dos três candidatos que melhor pontuaram na primeira fase das eleições teve a coragem de assumir uma proposta séria para mudar o contexto oligopólico dos atuais meios de comunicação.


Os pesquisadores críticos de comunicação e os movimentos sociais do setor sabem que a regulação dos meios de comunicação necessita de um debate superior ao que vemos diariamente. Afinal, a maior prova de que há algo errado está no fato de só um lado dos interessados, os donos dos meios de comunicação, ter o direito de falar ou se abster sobre o assunto, de acordo com o seu devido interesse.
Exemplo recente veio com a instituição em alguns estados de Conselhos de Comunicação Social, elemento este, inclusive, que está presente na Constituição Federal promulgada em 1988, como garantidor do cumprimento dos artigos que versam sobre Comunicação, os quais ainda não foram regulamentados pelo Congresso Nacional - a exemplo do que acontece com o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal.


Vale lembrar que as restrições impostas pelos regimes ditatoriais brasileiros do século XX não impuseram qualquer limitação para o desenvolvimento comercial privado da indústria cultural; ao contrário, proporcionaram a conjuntura perfeita para sua instalação, uma vez que, qualquer possibilidade de debate a esse respeito estava interditada pela ação repressora do Estado.
Inclusive o modelo comercial de comunicação de massa, que se desenvolveu no Brasil, teve grande importância para a expansão da acumulação de capital em todos os períodos pós-crise do século XX. Foi assim que, pela via da publicidade, a indústria cultural e o capitalismo monopolista puderam se desenvolver mutuamente e avançar na década de 1960, e iniciar uma nova etapa de acumulação de capital. Ao final do regime militar no país, a indústria cultural brasileira estava plenamente implantada e em fase ascendente.


Por outro lado, é preciso aprofundar o debate no âmbito das organizações políticas e movimentos sociais, a fim de entender os limites que se colocam para uma transformação radical da comunicação social no Brasil – em especial, caso se acredite que uma transformação dessa ordem precederia ou conduziria a uma transformação radical da sociedade.
Observamos que propostas de regulação, como as que foram elaboradas no âmbito do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, não chegariam a limitar a atuação dos grupos dominantes. A atuação do Estado, no sentido de implantar políticas públicas (de tipo distributivo), está restrita pela própria natureza do capitalismo. Não seria permitida a completa efetivação de um modelo de comunicação transformadora, através da representação das tensões e conflitos sociais.


A própria natureza dessa luta “democrática” sugere que seria possível conviver harmonicamente com a mídia burguesa corporativa, contanto que também houvesse espaço para a diversidade e pluralidade; uma comunicação que respondesse às expectativas de todos os setores da sociedade.
O fato é que, mesmo em países em que os mecanismos democraticamente instituídos têm espaço, não há sequer um indício de transformação radical da sociedade. A mesma lógica de acumulação de riquezas e exclusão social se perpetua, tanto dentro dos limites do próprio país, afetando sua própria população, quanto em outras nações periféricas, onde as forças produtivas estão absolutamente atrasadas em relação aos primeiros.


Os mecanismos democraticamente instituídos, que têm como natureza o controle público, não estão livres da lógica do capital, precisam “concorrer” com os conglomerados, disputando audiência, financiamento, parcerias e todos os elementos que garantam a subsistência da estrutura necessária para funcionar. Basta observar as condições de funcionamento que se impõem às rádios e canais comunitários ou mesmo os veículos públicos e estatais brasileiros.


Diante deste quadro, fica evidente o fato de que as políticas públicas são instrumentos de regulação do próprio sistema capitalista. Enquanto tal, elas funcionam indissociavelmente desse marco civilizatório e, por isso, não podem constituir concretamente o ponto de partida para a ruptura com a lógica do Capital. Trata-se, antes, de um aperfeiçoamento do capitalismo, e nem isso conseguimos no Brasil. Cabe, a partir de agora, repensar essa lógica que, nas proposições até agora feitas, aparece invertida. Um modelo de comunicação deve estar submetido a um projeto de sociedade, não o contrário.

 

* Júlio Arantes Azevedo é mestre em linguística formado no Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística da Universidade Federal de Alagoas e participa regularmente das atividades do grupo Cepos; Anderson David G. dos Santos é graduando em Comunicação Social, habilitação em Jornalismo, da Universidade Federal de Alagoas e participa regularmente das atividades do grupo Cepos; Rafael Cavalcanti Barreto é graduando em Comunicação Social, habilitação em Jornalismo, pela Faculdade Integrada Tiradentes e membro do grupo Cepos. Email: .

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