Edição 349 | 01 Novembro 2010

O Universo e seus fractais: a contribuição de Mandelbrot

close

FECHAR

Enviar o link deste por e-mail a um(a) amigo(a).

Márcia Junges

Importantes para compreender inúmeros fenômenos do Universo, os fractais estão em todos os lugares do nosso cotidiano. As descobertas de Benoit Mandelbrot, considerado o pai da teoria dos fractais, são importantes não apenas para a matemática, mas também para as ciências sociais
Benoît Mandelbrot

“Os fractais estão por toda parte. Seu estudo é muito importante para melhor compreender as funções matemáticas que apresentam um perfil serrilhado, como o da costa de um país. São funções representadas por gráficos com perfil fractal”. A explicação é do físico Paulo Mors, na entrevista que concedeu por e-mail à IHU On-Line. Figuras geométricas complexas cuja característica fundamental é a autossimilaridade, os fractais estão presentes em praticamente todos os ramos do conhecimento. “O próprio Universo tem essa característica: a distribuição de galáxias é fractal, possuindo espaços vazios de todos os tamanhos”, assinala Mors. De acordo com ele, esse tipo de geometria tem grande impacto na aplicação de outras ciências, além da matemática, “desde meados do século passado”, graças aos estudos empreendidos pelo matemático polonês Benoît Mandelbrot, falecido em 14-10-2010.

Graduado, mestre e doutor em Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, onde leciona no Instituto de Física, Paulo Mors é pós-doutor pela Universidade de Paris XI. Escreveu a tese Estudo do Hamiltoniano de Hubbard e de sistemas de valência intermediária na Rede de Bethe. È um dos autores de Física geral universitária: mecânica (Porto Alegre: Instituto de Física UFRGS, 2004).

Confira a entrevista.


IHU On-Line - O que são fractais?

Paulo Mors -
Os fractais são figuras geométricas complexas que apresentam como característica principal a autossimilaridade. Digo figuras complexas porque a autossimilaridade também é característica de figuras não fractais, nesse caso chamadas de figuras compactas. Um quadrado é uma figura compacta autossimilar: se recortarmos um pequeno quadrado de dentro de um quadrado maior, teremos uma figura similar, igualmente um quadrado. A diferença está na escala. Mas o quadrado é uma figura geométrica simples, tratada na geometria euclidiana. Já os fractais são objetos mais complexos, rugosos, apresentando uma autossimilaridade mais rica. Um exemplo clássico é o da costa do litoral de um país. Vista de um avião que a sobrevoa, a costa se apresenta como uma linha recortada, cheia de saliências e reentrâncias, de quebradas. Se o avião voar mais baixo, passaremos a perceber quebradas antes não percebidas, ou seja, aquele perfil recortado se repete, em todas as escalas. É por isso que uma medida aerofotogramétrica do comprimento de uma costa, entre dois pontos determinados, dependerá da altura de onde as fotografias forem tiradas. Quanto mais alto estiver o avião que fotografa o acidente geográfico, mais detalhes topográficos deixarão de ser percebidos. Dizemos que a medida do comprimento de uma curva fractal depende do tamanho da “régua” utilizada. A medida do lado de um quadrado não depende do tamanho da régua utilizada.
Já no caso de um fractal, quanto maior a régua (quanto mais alto o avião, no exemplo citado), mais recortes deixarão de ser medidos. Em outras palavras, um objeto fractal apresenta rugosidades em todas as escalas. Uma medida quantitativa da fractalidade de um objeto é a chamada dimensão fractal. Um segmento de reta tem dimensão euclidiana igual a um; um quadrado é de dimensão dois, um cubo tem dimensão três. Esses são objetos compactos. Já a linha da costa de um país terá uma dimensão fractal maior do que um (caso de uma curva suave) e menor do que dois (caso de um objeto que ocupa continuamente toda uma região de um espaço plano). Quanto mais próxima de dois for a dimensão fractal da costa, mais acidentada ela será. Assim, a dimensão fractal de um objeto fractal é diferente de sua dimensão euclidiana. Imagine um queijo da colônia. Ele é um objeto bem compacto: sua dimensão fractal coincide com a euclidiana, que é três. Imagine, agora, um grande pedaço de queijo suíço, com buracos de todos os tamanhos. Esse é um objeto fractal: sua dimensão fractal é maior do que dois e menor do que três. Quanto mais esburacado, mais próxima de dois será sua dimensão fractal. Claro, temos que distinguir os fractais matemáticos dos fractais reais. Posso imaginar um queijo suíço de tamanho infinito, que tenha buracos de todos os tamanhos. Esse é um fractal matemático, ideal. O queijo suíço que eu compro no mercado é um fractal real.


IHU On-Line - Por que é importante estudá-los?

Paulo Mors -
Os fractais estão por toda parte. Seu estudo é muito importante para melhor compreender as funções matemáticas que apresentam um perfil serrilhado, como o da costa de um país. São funções representadas por gráficos com perfil fractal. Em linguagem matemática, dizemos que essas funções fractais têm a característica de serem contínuas sem apresentarem derivada em nenhum ponto. Isto é, o perfil dessas funções resiste a qualquer definição de tangente: em nenhum ponto do perfil de uma função fractal eu posso traçar uma tangente à curva. Funções desse tipo aparecem, hoje, em vários ramos do conhecimento, além da matemática: na física, na biologia, em economia, etc. Além disso, objetos fractais também estão presentes em nosso dia a dia. Coloides e aerossóis, por exemplo, muitas vezes se agregam de forma fractal. Até tumores podem crescer desenvolvendo formato fractal.


IHU On-Line - Qual é a contribuição fundamental de Mandelbrot ao desenvolvimento dessa ciência? O que a descoberta dessa geometria não euclidiana representa para a Física e a compreensão de fenômenos do Universo?

Paulo Mors -
O pioneiro no estudo dos fractais, o criador dessa nova geometria, foi o matemático polonês de origem francesa Benoît Mandelbrot, falecido no último 14 de outubro, aos 85 anos de idade. A maior parte de seu trabalho foi desenvolvida nos Estados Unidos, como pesquisador da IBM. O impacto de seu trabalho em aplicações de outras ciências, além da matemática, tem sido dos mais expressivos, desde meados do século passado. Como matemático, ele começou estudando as funções fractais, unificando e aplicando muitos trabalhos antigos sobre funções especiais não deriváveis em nenhum ponto, e introduzindo a geometria fractal. Logo ficou evidente que essas figuras complexas estão presentes em quase todos os ramos do conhecimento. Até a Antropologia já tem se valido de conceitos da geometria fractal para algumas de suas interpretações das relações humanas. Na Física, em particular, a invariância ante mudanças de escala é o reflexo de uma simetria, e os físicos sempre associam uma simetria a uma lei de conservação, refletindo alguma quantidade que se conserva, no sistema objeto de estudo, ao longo do tempo.


IHU On-Line - Poderia mencionar alguns exemplos de fractais que existem na natureza?

Paulo Mors -
Além dos já citados, podemos ainda mencionar um exemplo clássico sempre lembrado pelos estudiosos: a couve-flor. Se você arranca um pedaço de couve-flor, esse pedaço terá o mesmo formato da couve-flor original, de onde foi retirado. Suas rugosidades se repetem em todas as escalas. Falando de outra forma: a fotografia de uma parte de uma couve-flor não lhe permite perceber se aquilo é a maior parte da couve-flor ou a imagem de uma pequena parte do vegetal. A silhueta das árvores, o horizonte montanhoso, a superfície de um coral, o sistema de canais em rochas porosas, o caminho descrito por uma partícula em movimento browniano, um floco de neve, uma descarga elétrica, são exemplos de fractais, dentro de uma faixa razoável de escalas. O próprio Universo tem essa característica: a distribuição de galáxias é fractal, possuindo espaços vazios de todos os tamanhos.


IHU On-Line - O que é o conjunto de Mandelbrot?

Paulo Mors -
O conjunto de Mandelbrot é um conjunto de pontos no plano complexo cuja borda constitui-se em um fractal. Para entender essa frase, comecemos com um exemplo simples. Imagine que você tenha descoberto um investimento fantástico, que, para cada valor em reais aplicado, retorna, depois de certo tempo, o quadrado desse valor mais um valor constante. Por exemplo, se esse valor constante for de R,00, então, ao aplicar um real, você terá um retorno de 12+1 = dois reais. Se, agora, você reaplicar o retorno, obterá um valor de 22+1 = 5 reais. Prosseguindo, você poderá aumentar seu investimento inicial para 52+1 = 26 reais, 262+1 = 677 reais, e assim sucessivamente. Este é um exemplo de um processo iterativo: cada valor obtido é novamente submetido à regra estabelecida, para se obter um novo valor. Nesse exemplo, se você dispuser do tempo necessário, acabará lucrando qualquer valor que pretender.

Passemos desse exemplo fantasioso para um exercício de matemática financeiramente menos lucrativo. Agora, em vez de reais, o valor a ser “aplicado” é um número complexo. Um número complexo é do tipo z = a + ib, onde a e b são números reais e i é o chamado imaginário puro. O número i é tal que o seu quadrado é igual a menos um: i2 = -1. Os números complexos podem ser representados em um plano, o chamado plano complexo: a cada ponto do plano está associado um número complexo e cada número complexo tem seu lugar reservado nesse plano. Se, agora, você cria um método iterativo que, para cada número complexo inicial, lhe retorna um outro número complexo, você terá, aí, um processo recursivo. No caso de nossa fantástica aplicação financeira, não havia limite para o lucro. No entanto, no plano complexo, é possível imaginar iterações que restrinjam todos os valores obtidos a uma região limitada do plano complexo. Isso vai depender da constante (complexa) adicionada, em cada iteração (um real, no caso de nossa aplicação). Quando tratamos a iteração “novo complexo é igual ao quadrado do complexo anterior mais uma constante”, todas as constantes para as quais o processo iterativo não diverge (não leva a valores cada vez mais altos para as partes real e imaginária do número complexo obtido), começando-se do zero, formam um conjunto que, no plano complexo, tem a forma de uma região limitada por um fractal. Trata-se do conjunto de Mandelbrot.


IHU On-Line - Como se relacionam recursividade e repetitividade na criação dos fractais?

Paulo Mors -
Todos os fractais são repetitivos no sentido de serem invariantes ante uma mudança de escala. A fotografia de uma pequena parte de um objeto fractal (redução de escala), se ampliada, apresenta-se exatamente igual ao todo (caso dos fractais ditos determinísticos) ou estatisticamente igual ao todo (caso dos fractais aleatórios). A recursividade é a propriedade de se poder construir matematicamente um fractal com algoritmos como o já citado para o caso do conjunto de Mandelbrot: um algoritmo recursivo, isto é, iterativo.


IHU On-Line - Que relações existem entre Teoria do Caos, Teoria dos Fractais e Teoria dos Sistemas?

Paulo Mors -
A Teoria de Sistemas trata dos conjuntos constituídos de partes que se inter-relacionam com um determinado objetivo e/ou função. Um sistema é dito complexo quando não se resume simplesmente ao conjunto de elementos que o constituem, apresentando propriedades decorrentes da interação não linear entre as partes. Exemplos de sistemas complexos são a computação científica, o clima, a nanotecnologia, o funcionamento do sistema nervoso central. Quando, em um sistema complexo, seu comportamento varia fortemente com pequenas variações nos processos que o desencadeiam, tem-se um sistema caótico. Isso é muito evidente na meteorologia. Variações muito pequenas de condições climáticas atuais podem provocar grandes alterações futuras; daí, não ser possível se fazer predições meteorológicas com muita antecedência. Sistemas complexos podem, dentro de certas condições, apresentar comportamento caótico. Uma condição necessária para isso é a não linearidade na relação entre as suas partes. A geometria fractal é um instrumento matemático extremamente importante ao se estudar sistemas caóticos. Os gráficos que os matemáticos utilizam para descrever o desenvolvimento de um sistema caótico, chamados atratores, apresentam a forma fractal. Essas figuras, com detalhes que se reproduzem independentemente da escala, retratam a forte dependência da evolução de um sistema caótico como função das condições iniciais.


Leia Mais...

>> O falecimento de Benoît Mandelbrot foi divulgado pelas Notícias do Dia do site do Instituto Humanitas Unisinos – IHU:

• Benoit Mandelbrot e a fractalidade do mundo, publicada em 20-10-2010



Quem foi Mandelbrot?

Benoît B. Mandelbrot
(Varsóvia, 20 de Novembro de 1924 — Cambridge, 14 de outubro de 2010) foi um matemático francês de origem judaico-polonesa. Seu principal trabalho foi a proposta de um novo conceito de geometria que ficou conhecida como geometria fractal. O objetivo desse novo conjunto de objetos foi minimizar as lacunas deixadas pela geometria Euclidiana no que diz respeito às formas existentes na natureza. Essa nova família de formas geométricas ficou conhecida como fractais. Um livro base para o estudo da geometria fractal foi escrito pelo próprio Mandelbrot, chamado The Fractal Geometry of Nature (1977). É autor de, entre outros, Mercados financeiros fora de controle. A Teoria dos Fractais explicando o comportamento dos mercados (Rio de Janeiro: Elsevier, 2004); A geometria fractal da natureza (Lisboa: Gradiva, 1991) e Objectos fractais (Lisboa: Gradiva, 1991).

Últimas edições

  • Edição 552

    Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

    Ver edição
  • Edição 551

    Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

    Ver edição
  • Edição 550

    Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

    Ver edição