Edição 347 | 18 Outubro 2010

Direito à justiça, memória e reparação: a condição humana nos estados de exceção

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Castor Bartolomé Ruiz

Foi publicado recentemente e lançado oficialmente durante o XI Simpósio Internacional IHU – o (des)governo biopolítico da vida humana, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU no último mês de setembro, o livro Direito à justiça, memória e reparação: a condição humana nos estados de exceção. Organizado pelo professor Castor Bartolomé Ruiz, da Unisinos, a obra reúne artigos que são frutos do V Simpósio da Cátedra Unesco-Unisinos de direitos humanos e violência, governo e governança, realizado em maio de 2010. O livro foi construído em formato digital, com uma versão multimídia na qual foram conjugados os vídeos das conferências do Simpósio, assim como outras fotografias e vídeos oportunos para os textos dos autores. O endereço para download é http://www.unisinos.br/catedra/direitos_humanos/ A IHU On-Line convidou o professor Castor a comentar a obra. Castor Bartolomé Ruiz é professor no PPG em Filosofia da Unisinos e coordenador da Cátedra Unesco-Unisinos de Direitos Humanos e Violência, Governo e Governança. Confira o artigo.

A obra Direito à justiça, memória e reparação: a condição humana nos estados de exceção é um trabalho coletivo, multidisciplinar pelas diversas óticas que abordam a temática e transdisciplinar porque todos os pesquisadores se propõem a refletir de forma crítica sobre o mesmo tema: uma teoria da justiça que leve em conta a condição das vítimas e tenha como objetivo a reparação da injustiça sofrida. A obra surgiu como fruto amadurecido do V Simpósio da Cátedra Unesco-Unisinos de direitos humanos e violência, governo e governança, celebrada em maio de 2010. A obra analisa criticamente como, desde o direito, a violência se legitima como necessária para preservação da ordem. Os estados de exceção se utilizaram deste artifício jurídico-político para legitimar-se, ocultando o objetivo real deles: o controle da vida humana.  Nesta hipótese, para proteger a ordem invoca-se a necessária violência do direito, a única violência legítima. Porém, para as vítimas, a violência é sempre ilegítima porque é através dela que sua dignidade humana é negada. As vítimas julgam a violência do direito a partir da perspectiva ética, e por isso toda violência é condenável. A obra se propõe a fazer uma leitura crítica deste paradoxo tão comum nos regimes autoritários contemporâneos. Neles, a condição humana, despojada de direitos fundamentais, fica exposta ao arbítrio de novas vontades soberanas que se legitimam, paradoxalmente, como necessárias para a segurança da vida.
Num outro viés complementar, a obra analisa a importância da memória como condição necessária para fazer justiça às vítimas. Há uma tensão entre a condição das vítimas que condena toda violência e o direito que tende a justificá-la como meio legitimo para preservação da ordem. A crítica da violência detecta, desde a condição ética das vítimas, que naquela há um potencial mimético que uma vez desencadeado contamina a toda sociedade. A única forma de neutralizar a potência contaminante da mímese violenta é a memória. A memória da violência, feita pelas suas vítimas, tem o poder de neutralizar sua potência mimética. A violência recordada inibe sua repetição, a violência esquecida propicia sua reprodução.

Neste contexto a obra destaca a importância das vítimas como critério para pensarmos o justo da justiça. A vítima existe como um produto perverso da injustiça. Sem injustiça não há vítima, sem vítima não há injustiça. O que define a injustiça é a alteridade humana negada. Eis porque o justo da justiça não poderá ficar reduzido à aplicação correta dos procedimentos, como pretende a justiça procedimental. Neste caso, a condição das vítimas fica constrangida, pelo procedimento, a um lugar secundário ou simplesmente ignorada. O desafio que a obra se propõe é pensar uma justiça que tenha como objetivo reparar a injustiça cometida contra as vítimas. Nesta hipótese, o justo da justiça remitirá sempre à reparação da alteridade humana negada ou violentada na vítima. Uma justiça que não repare, no possível, a injustiça sofrida pela vítima, perde a condição de justa. Uma justiça que, ao identificar a injustiça como transgressão da ordem e a lei, se limite a reparar a ordem, sem levar em conta a condição das vítimas, será, no mínimo, uma justiça falha.
A obra tem um caráter acadêmico. Os textos nela apresentados são provenientes de pesquisadores especialistas na área. Contudo, ela se apresenta no formato digital oferecendo ao leitor uma variedade de recursos a serem explorados. Além dos textos escritos, se oferecem os vídeos das conferencias realizadas no V Simpósio da Cátedra Unesco - Unisinos de Direitos Humanos e violência, governo e governança. Ainda no livro digital, estão incorporados um conjunto de reportagens fotográficas e imagens que interagem com os textos acadêmicos complementando sua reflexão. Destacamos o caráter de deslocalização territorial da temática da violência abordada na obra, que abrange, nas suas análises, os contextos brasileiro, latino-americano e europeu. Na dimensão latino-americana da obra, cabe destacar a homenagem que se faz à Ignacio Ellacuria , jesuíta, reitor da Universidade Centro Americana de El Salvador, assassinado junto com outros seis companheiros e duas trabalhadoras por oficiais durante a ditadura daquele país. Conseguimos resgatar o que talvez tenha sido seu último trabalho publicado em vida, uma reflexão sobre os direitos humanos como direitos dos oprimidos junto a um vídeo contendo um resumo de sua vida e morte.

Desafiamos o leitor e à leitora a mergulhar nos labirintos desta obra com a garantia de que não sairá imune da sua leitura, ficará irremediavelmente afetado, responsabilizado pela interpelação, comprometido pelas conclusões.

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