Edição 346 | 04 Outubro 2010

O ser humano como o limite das nanotecnologias

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Márcia Junges

Cada país deve estabelecer seus marcos regulatórios para as pesquisas em nano escala, avalia Wilson Engelmann. A falta de tais leis não deve excluir o homem como medida mais elevada da aplicabilidade das descobertas dessa nova ciência

Algo novo e revolucionário, os resultados da nanotecnologia não se encaixam nos conceitos do Direito até o momento, e não há marcos regulatórios definidos. Assim, essa é uma discussão aberta em escala mundial, com debates em cada um dos países. Por essa razão, é fundamental que cada uma das nações crie seus marcos regulatórios, “a fim de respeitar características e problemas próprios”. As conclusões são do advogado Wilson Engelmann, professor do curso de Direito da Unisinos, na entrevista que concedeu por e-mail à IHU On-Line. “Esse parece ser o maior desafio: as normas internas deverão conversar com os marcos regulatórios externos, pois as nanotecnologias estão espalhadas pelo globo e não respeitam as fronteiras territoriais dos Estados”, completa. A potencialização do surgimento de “novos direitos” é outro aspecto debatido na entrevista. Embasado no pensamento de John Finnis, Engelmann alerta que o fato de até o momento não haver marcos regulatórios para as pesquisas em nano escala, “não significa que vale tudo. O ser humano de carne e osso, como diz Finnis, é o limite. É nele que se deverá pensar como sendo o destinatário dos resultados positivos e negativos das nanotecnologias, quando se avalia a continuidade ou a interrupção das pesquisas”.

Engelmann, que é professor e pesquisador do PPG em Direito da Unisinos, está à frente da organização do seminário Nanotecnologias: um desafio para o século XXI, que acontece entre 18 e 21 de outubro, no Auditório Padre Bruno Hammes, na Unisinos, promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Direito. O evento faz parte de uma atividade do Grupo de Pesquisa Jusnano, vinculado à Unisinos e à Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz, do Rio de Janeiro, que busca lançar e aprofundar a discussão nos âmbitos acadêmico, empresarial, político e social, com o intuito de estabelecer aspectos que os auxiliem no estabelecimento de marcos regulatórios para o emprego dessa tecnologia. Graduado, especialista, mestre e doutor em Direito pela Unisinos, Engelmann defendeu a tese Os Princípios da Lei Natural e as exigências metodológicas da razoabilidade prática desenvolvidas por John Finnis: em busca de uma justificação ética para a hermenêutica de cunho filosófico. É autor das obras Direito natural, ética e hermenêutica (Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007), Para entender o princípio da igualdade (São Leopoldo: Editora Sinodal, 2008) e Crítica ao positivismo jurídico: princípios, regras e o conceito de Direito (Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2001).

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Por que é importante discutir e planejar marcos regulatórios sobre as nanotecnologias?

Wilson Engelmann - As nanotecnologias representam um tema fundamental no desenvolvimento científico e tecnológico, hoje, do país e do mundo. As nanotecnologias expressam um conjunto de diferentes tecnologias que trabalham com a escala que vai de 1 a 100 nanômetros. A possibilidade de trabalhar nesta escala é uma das descobertas mais geniais dos últimos tempos, pois permite manipular a matéria no nível atômico, proporcionando a montagem de coisas que seriam impossíveis em outra escala. O contexto de novidade que as nanotecnologias possibilitam se espalha por diversas áreas como fármacos, cosméticos, artigos de vestuário, material esportivo, alimentos, em várias indústrias como a química, metalurgia, entre outras. Como se trata de algo realmente novo e revolucionário, pois não se pode enquadrar os resultados das nanotecnologias nos quadros e conceitos até o momento, não há marcos regulatórios. Assim, a discussão está aberta em escala mundial, mas cada país também faz a sua discussão interna. Nessa matéria, será muito importante cada país criar os seus próprios marcos regulatórios, a fim de respeitar características e problemas próprios. No entanto, e esse parece que é o maior desafio, as normas internas deverão conversar com os marcos regulatórios externos, pois as nanotecnologias estão espalhadas pelo globo e não respeitam as fronteiras territoriais dos Estados. Além disso, é importante regulamentar a matéria, pois ela tem implicações em diversas áreas jurídicas, como: direito civil, responsabilidade civil, direito do consumidor, direito do trabalho, direito penal e direito ambiental.

IHU On-Line - Quais são as grandes questões pertinentes à área jurídica sobre as nanotecnologias?

Wilson Engelmann - Uma das grandes questões para a área jurídica é o desenvolvimento de marcos regulatórios que não limitem ou inviabilizem as pesquisas científicas. O Direito não deve ser visto como se estivesse ingressando no cenário das nanotecnologias para limitar a criatividade científica. Pelo contrário, e não é esse o papel do Direito. O seu ingresso no cenário das nanotecnologias é uma questão muito mais ampla e se vincula ao próprio ingresso das ciências humanas no roteiro do desenvolvimento científico desencadeado pelas nanotecnologias. Por enquanto, apenas as ciências “duras” estão trabalhando com as nanotecnologias. Já as ciências humanas, e dentre elas o Direito, estão começando a se dar conta da revolução científica e pedindo ingresso nesse cenário. Isso é muito importante, pois, do contrário, o mundo será construído (e essa é uma das promessas das nanotecnologias: a construção de um novo mundo) apenas pelo viés das ciências “duras”. Portanto, a primeira questão para o Direito é dar-se conta da necessidade de abrir-se para a existência das nanotecnologias e iniciar uma discussão séria sobre a melhor fórmula jurídica para desenvolver os marcos regulatórios. Uma coisa já se sabe: as nanotecnologias estão potencializando o surgimento de novos direitos, sem nenhum respaldo jurídico direto no sistema jurídico vigente. Essa é uma segunda preocupação: estabelecer marcos jurídicos que possam proteger os novos direitos.

IHU On-Line - Que impasses e soluções se delineiam sobre essas questões jurídicas?

Wilson Engelmann - Os desafios lançados à área jurídica pelas nanotecnologias provocam uma revisão da Teoria das Fontes do Direito. Vale perguntar: será que a lei é a melhor alternativa para expressar os marcos regulatórios? No Direito ainda vigora o paradigma legalista. Muitos ainda vislumbram na lei uma resposta aos problemas que surgem na sociedade. Aí será necessária uma profunda revisão na estruturação do Direito, abrindo-se o espaço para que as fontes do Direito – além da lei, a jurisprudência, os princípios, costumes, doutrina, contratos, entre outras – possam ser valorizadas na construção de respostas jurídicas aos novos problemas que decorrerão dos novos direitos. A construção dessa nova estrutura do Direito deverá ser permeada pela transdisciplinaridade. Aliás, as nanotecnologias representam um campo de produção do conhecimento, pelo viés transdisciplinar, sem precedentes na história da produção do conhecimento em geral e do jurídico em particular. É preciso aproveitar esse momento e conferir ao Direito normas jurídicas que tenham a necessária abertura e flexibilidade – sendo as cláusulas gerais um exemplo privilegiado. Esse tema vem sendo estudado com profundidade pelo meu bolsista de iniciação científica PIBITI/CNPq André Stringhi Flores. Portanto, nesse momento da história do Direito, como em nenhum outro, abre-se o espaço para a criação no/do Direito. Deve ser abandonada a mera reprodução do conhecimento. Esse é um desafio que deverá desacomodar todos aqueles que estão preocupados em construir um Direito em sintonia com as transformações projetadas na sociedade e pelos humanos.

IHU On-Line - Partindo do pensamento de Johnn Finnis, quais são os maiores desafios e impasses que se apresentam em termos éticos no campo das nanotecnologias?

Wilson Engelmann - John Finnis  é um jusnaturalista contemporâneo que desenhou uma (re) leitura do direito natural, atualizando a perspectiva clássica – especialmente Aristóteles  e São Tomás de Aquino  –, dando-lhe contornos atuais mais concretos. Por meio da razão prática, que é aquela preocupada com o agir humano e com o desenho de normas para essa ação, Finnis se apresenta como uma proposta ética, que se aproxima dos direitos humanos, para a fundamentações filosófica dos marcos regulatórios para as nanotecnologias. Mas qual ética? A partir de Finnis, não uma ética utópica ou teórica, mas uma ética prática, preocupada em estabelecer linhas-limite de atuação para o humano. Portanto, mesmo que não haja marcos normativos para os resultados das pesquisas em nano escala, isso não significa que vale tudo. O ser humano de carne e osso, como diz Finnis, é o limite. É nele que se deverá pensar, como sendo o destinatário dos resultados positivos e negativos das nanotecnologias, quando se avalia a continuidade ou a interrupção das pesquisas.

IHU On-Line - Como esse evento do Jusnano ajuda a lançar luzes sobre o tema das nanotecnologias? Nesse sentido, que temas são fundamentais nos debates que serão promovidos?

Wilson Engelmann - O Grupo de Pesquisa Jusnano já promove discussões entre pesquisadores e alunos de diversos cursos da Unisinos (Direito, Filosofia, Engenharia de Alimentos, Física, Biologia, Saúde Coletiva) sobre os impactos das nanotecnologias desde 2008. Neste ano decidiu-se promover o seminário Nanotecnologias: um desafio para o Século XXI, a fim de se aumentar o conjunto de pessoas que possam participar destas discussões. É um evento que tem o apoio financeiro da Capes, Fapergs além de outros parceiros que foram convidados. A partir da programação, se verifica que os temas são transdisciplinares, pois estão contempladas várias áreas que trabalham com as nanotecnologias, incluindo o próprio Direito. Portanto, o foco não é apenas jurídico. Os temas fundamentais são as possibilidades e perspectivas das nanotecnologias no Brasil, notadamente em Pesquisa e Desenvolvimento e incentivos fiscais; suas projeções nas pesquisas acadêmicas, as interfaces com as indústrias, promovendo a concretização de “Hélice Tríplice” projetada por Henry Etzkowitz, riscos ambientais, nanotoxicologia, questões tributárias e contábeis pertinentes.

IHU On-Line - Gostaria de acrescentar algum outro aspecto não questionado?

Wilson Engelmann - Além da vinculação do seminário com o Grupo de Pesquisa Jusnano (credenciado junto ao CNPq), o tema do evento é objeto de dois projetos de pesquisa desenvolvidos pelo Prof. Dr. Wilson Engelmann (professor do Programa de Pós-Graduação em Direito-Mestrado e Doutorado da Unisinos), com a participação dos bolsistas de iniciação científica: a) PIBITI/CNPq: André Stringhi Flores; b) Fapergs: Bruna Ely e c) PIBIC/CNPq: Guilherme Cherutti. Com essa minha equipe de dedicados colaboradores e pesquisadores, ou seja, muito mais do que bolsistas, trabalhamos nos seguintes projetos: 1) Os direitos humanos e o “fascínio da criatividade”: em busca de justificativas éticas para a regulamentação das pesquisas e dos resultados com o emprego das nanotecnologias (Unisinos); 2) Nanotecnologias aplicadas aos alimentos e aos biocombustíveis: reconhecendo os elementos essenciais para o desenvolvimento de indicadores de risco e de marcos regulatórios que resguardem a saúde e o ambiente (Rede Nanobiotec-Brasil/Capes). Este último projeto é desenvolvido junto com a Fundação Osvaldo Cruz (Rio de Janeiro) e mais 6 outras instituições de ensino superior.

Leia mais...

>> Confira outras entrevistas concedidas por Wilson Engelmann à IHU On-Line.
 
* As nanotecnologias. Uma reflexão ética a partir de John Finnis. Notícias do Dia 12-01-2008;
* Wilson Engelmann. IHU Repórter. Edição número 334, revista IHU On-Line, de 21-09-2010.

>> Confira outras entrevistas relacionadas ao tema da nanotecnologia concedidas à IHU On-Line.
 
* O mundo desconhecido das nanotecnologias. Edição número 120, revista IHU On-Line, de 25-10-2004;
* Nanotecnologias: possibilidades incríveis e riscos altíssimos. Edição número 259, revista IHU On-Line, de 26-05-2008;
* Somos ciborgues? Nanotecnologias e as consequências na sociedade. Entrevista com Marko Monteiro, Notícias do Dia 19-02-2008;
* Levante o dedo quem tem zero de ciborgue. Entrevista com Ático Chassot, Notícias do Dia 26-08-2007.

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