Edição 346 | 04 Outubro 2010

A morte de Chabrol em jornais da França e do Brasil

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Augusto de Sá Oliveira

Houve um tempo em que o cinema brasileiro – o Cinema Novo – e o cinema francês – a Nouvelle Vague – dialogaram intensamente. Do lado americano do Atlântico, cineastas como Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos, Ruy Guerra, e do lado europeu do Atlântico, figuras como Jean-Luc Godard, François Truffaut, Erik Rhomer e Claude Chabrol, foram pródigos em criticar o cinema mainstream, em realizar filmes que rompiam com o status quo do cinema e da sociedade, em criar movimentos estéticos e políticos, em provocar polêmicas, em açular a burguesia.

Por Augusto de Sá Oliveira*

Houve um tempo em que o cinema brasileiro – o Cinema Novo – e o cinema francês – a Nouvelle Vague – dialogaram intensamente. Do lado americano do Atlântico, cineastas como Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos, Ruy Guerra, e do lado europeu do Atlântico, figuras como Jean-Luc Godard, François Truffaut, Erik Rhomer e Claude Chabrol, foram pródigos em criticar o cinema mainstream, em realizar filmes que rompiam com o status quo do cinema e da sociedade, em criar movimentos estéticos e políticos, em provocar polêmicas, em açular a burguesia.

No domingo, dia 12 de setembro deste ano, Chabrol morreu em Paris, sua cidade natal, aos 80 anos. A França iniciou a semana consternada e neste texto, revisito a cobertura do falecimento do cineasta. Chabrol morre tranquilamente, ao final de uma longa vida produtiva, como uma unanimidade nacional, deixando a vida para entrar para história do cinema mundial, ao menos do cinema ocidental ou, no mínimo, do cinema francês, com amplo reconhecimento.

Este fato a que me reporto acima é comprovado pela ampla repercussão da morte de Chabrol nos jornais. Não é intenção deste artigo inventariar os jornais franceses, mas apenas tomar alguns, como exemplo do que afirmo sobre a repercussão da morte de Chabrol, bem como cotejar com alguns jornais brasileiros, a fim de constatar como repercutiu no Brasil o mesmo fato.
O DNA (Dernieres Nouvelles D’Alsace), de Strasbourg, de onde escrevo, trouxe como principal matéria de capa uma foto atual de Chabrol, tranquilamente fumando seu charuto, e o título Morte de Claude Chabrol: o cinema francês está de luto. Abaixo da foto, Chabrol é tratado como um dos criadores da Nouvelle Vague (NV). A página 02 é totalmente dedicada a ele, chamado de crítico incansável da burguesia, palavra que na França continua existindo e fazendo sentido, ao contrário do Brasil, onde agora só se fala e escreve sobre “tanto negócio e tanto negociante”. Atribui-se ao cineasta o primeiro filme da Nouvelle Vague, Nas garras do vício (Le Beau Serge), de 1958, antes, portanto, de Acossado (A bout de souffle/1959), de Godard. O veículo afirma ainda que os historiadores do cinema consideram que Chabrol é superior a Truffaut e a Godard.
O jornal Libération radicalizou. Chabrol foi a única matéria da capa, contendo uma foto sua, recente, fumando cachimbo, onde é tratado como pioneiro da Nouvelle Vague e bon vivant. Da página 2 à 7, o jornal é totalmente dedicado a Chabrol, inclusive o editorial (p. 02). O editorial parte da comparação feita pelo cineasta sobre o fato de a estupidez ser mais fascinante do que a inteligência (porque esta é limitada enquanto a primeira, não!) para comentar a posição de Chabrol no cenário do cinema francês como um dos raros diretores capazes de encher as salas com seu nome e continuar ao mesmo tempo assumindo uma insolência anárquica. Sob o título de A França perde o seu espelho, o jornalista Olivier Séguret afirma que, para o bem e para o mal, “Chabrol é a França”. E assim segue o jornal, qualificando-o de crítico insatisfeito, cinéfilo insaciável, lembrando o seu tempo de jovem crítico de cinema na revista Cahiers de Cinéma e admirador de Hitchcock, além da referência a Balzac, chamado de seu autor de cabeceira.
O jornal A Tarde, de Salvador, no seu Caderno 2 (Caderno de Cultura), dedicou a página 8 à morte  de Chabrol. Uma frase, no mínimo curiosa, aparece nesta página e é atribuída ao diretor: “Não existe Nouvelle Vague. Só o mar”. Com o artigo Morre Claude Chabrol, “pai” e ícone da Nouvelle Vague francesa, o jornalista Vitor Pamplona descreve a trajetória do cineasta, a sua condição de “pai” da NV com Nas garras do vício, seus principais filmes e a sua admiração pela obra de Hitchcock e a influência deste sobre o primeiro. Nada que destoe dos jornais franceses aqui citados. O outro artigo é do professor e crítico de cinema André Setaro. Este lançou no primeiro semestre do ano, na Faculdade 2 de Julho, a sua coleção Escritos sobre Cinema – Trilogia de um tempo crítico que, como o título anuncia, são três volumes dedicados aos mais diferentes temas, indo do cinema internacional ao cinema baiano, passando por diretores e escolas. Em um pequeno artigo, Setaro chama a atenção para uma “trajetória irregular” do diretor, para uma fase onde cedeu ao esquema mais comercial. Mas destaca também o seu pertencimento ao triunvirato fundador da NV (com Truffaut e Godard) e a sua condição de mestre da mise-en-scène com uma narrativa econômica e enxuta.
O jornal Folha de São Paulo tratou de forma modesta a morte de Chabrol. A matéria Cineasta Claude Chabrol morre aos 80 anos é atribuída às Agências Internacionais. Esta matéria é “chupada” principalmente do Libération, onde são divulgados depoimentos de personalidades francesas, tais como, o ator Gérard Depardieu, a atriz Isabelle Huppert e o presidente Nicolas Sarkozy. Há também um artigo do “crítico da Folha” André Barcinski intitulado Diretor francês fazia análises demolidoras da burguesia, no qual o articulista começa por se defender de que é difícil resumir em poucas linhas uma obra tão longa e tão variada. Ele nem mesmo tentou. Algumas informações já amplamente divulgadas e algumas ideias atribuídas a Chabrol. Além disto, apenas um pequeno comentário comparando a obra deste com a de Hitchcock.
Parece faltar, sobretudo em um jornal de grande circulação como a Folha de São Paulo, uma crítica independente, uma perspectiva brasileira, um olhar nacional sobre um cineasta estrangeiro. Tudo se resumiu à reprodução do que os franceses, através dos seus jornais, pensam do seu cineasta. E não se pode alegar, ao menos para quem escreve sobre cinema, que Claude Chabrol seja um diretor novato ou desconhecido.

* Professor do curso de Comunicação Social da Faculdade 2 de Julho - F2J, membro do Grupo de Pesquisa Cepos, doutorando no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal da Bahia, desenvolvendo tese na área de Sociologia da Arte, mais especificamente em cinema. Atualmente, estuda na Universidade de Strasbourg, na França, com bolsa sanduíche da Capes e apoio da F2J. Email: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..

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