Edição 343 | 13 Setembro 2010

IHU Repórter

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Graziela Wolfart

Uma pessoa disciplinada, que sabe estabelecer metas, e dotado de uma sensibilidade rara nos dias de hoje. Este é o professor Alfredo Culleton, que atua no PPG em Filosofia e no PPG em Direito da Unisinos. Na entrevista que segue ele conta um pouco da sua história de vida, falando sobre os fatos mais marcantes e que contribuíram para a formação do ser humano que hoje ele é. Saiba mais sobre este argentino de família irlandesa que aprendeu sabiamente a viver cada dia de uma vez. Confira:

Origens – Nasci em Buenos Aires, em uma família de irlandeses. Somos entre três irmãos homens, sendo que eu sou o mais velho. Meu pai tinha campo e minha mãe era professora. Vivemos no campo até quando eu tinha uns dez anos. Depois fomos para a cidade e moramos em Buenos Aires até eu ter uns 20 anos. Pertencíamos a uma comunidade de irlandeses, que são comunidades católicas, casam entre si, têm colégios, clubes e padres irlandeses. Na Argentina tem uma comunidade grande de imigrantes irlandeses. Eles se instalaram em regiões onde pudessem criar ovelhas, plantar batatas e brigar um pouco.

Infância – Minha mãe era uma grande leitora. Então, tínhamos muitos livros à disposição em casa. Como não tinha energia elétrica, se lia muito. Nós também brincávamos andando a cavalo e com as ovelhas. Eram tempos difíceis na Argentina. Em junho de 1955, por exemplo, o governo peronista promoveu um ataque contra a Igreja católica como símbolo do antiperonismo e queimou uma infinidade de templos em todo o país, inclusive a Catedral de Buenos Aires promovendo saques e seqüestros. A minha família participou da defesa armada da Igreja San Patrício de Mercedes, que foi preservada. Foi um sucesso. Os homens guerreando e as mulheres rezando, uma festa.    

Massacre e marco na vida – Em 1976 aconteceu um massacre na Argentina, quando são mortas pelos militares cerca de 30 mil pessoas, entre elas uma comunidade inteira de irlandeses, de padres e seminaristas. Mataram cinco deles em uma noite. E eles eram muito próximos de nós. Isso foi um fato marcante. Minha vida se divide em antes e depois disso, em função dos parentes e amigos envolvidos. Muitos jovens tiveram que sair do país. Um grupo deles entrou na comunidade dos palotinos, que era a ordem a qual pertencia esses religiosos mortos, e foi para o seminário. Eu estava neste grupo. Saímos do país porque já não se podia estudar lá. Então, para preservar a vida dos estudantes fomos para Santa Maria, uma cidade no interior do Rio Grande do Sul. Era uma cidade universitária, de médio porte, suficientemente próxima da Argentina e suficientemente longe no sentido de estar protegida pela fronteira.

Formação inicial – Minha formação inicial foi feita em colégios católicos irlandeses. Na época havia escolas de homens e mulheres. No segundo grau já havia escolas mistas. No seminário estudei Filosofia e Teologia, mas os cursos não foram validados. Então concluí e validei minha graduação em Filosofia na Unijuí, anos mais tarde. 

Experiências únicas – Vivi no seminário durante cinco anos. Foi uma experiência ótima de convívio, espiritualidade, formação, amizade e de inserção popular. Participei nos primeiros assentamentos de trabalhadores rurais sem terra, na Fazenda Annoni  e Tupanciretã. Lembro do convívio com Adão Pretto , da formação e da fundação do Partido dos Trabalhadores e da composição dessa frente ampla que abrangia desde o sindicalismo até a Igreja filha do Vaticano II, de Puebla e Medellín. Lembro do Partido Revolucionário Comunista, o PRC, do qual vêm Tarso Genro , Marcos Rolim , José Fortunati  e José Genoino. Em Santa Maria tínhamos Dom Ivo Lorscheiter , que era presidente da CNBB na época, que me lembra da Campanha da Fraternidade e de uma Igreja que tinha muita vitalidade, com trabalho em comunidades de base e na universidade. Foi uma experiência riquíssima e belíssima. Depois fui para Lima, no Peru, trabalhar na casa Bartolomeu Las Casas, com Gustavo Gutiérrez . E então fui trabalhar na periferia de Buenos Aires, em uma diocese que se chamava Quilmes, com ocupações urbanas.

Mudança de perfil - Em 1990 saí novamente da Argentina e vim para Porto Alegre, onde fiz mestrado em Filosofia Moral e Política na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e construí um novo perfil para minha vida. Passei a me dedicar à docência. Comecei dando aulas na Ulbra, em Torres, depois fui para o La Salle, em Canoas, e em seguida para a Unisinos, onde estou desde 1996. Em 2003 concluí o doutorado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e depois fiz o pós-doutorado no Medieval Institute da Universidade de Notre Dame, nos Estados Unidos.

Família – Sou casado com a Odete, que é engenheira, e que conheci no movimento estudantil, na militância política e nos movimentos de Igreja. Temos dois filhos, o Tomás, de 16 anos, e o Mateus, de 13. Ser pai é ótimo, muito bom. Me divirto muito com eles. Não deixei de fazer nada do que já fazia. Gosto de brincar “de casinha” e de família. Minha esposa trabalha dez horas por dia fora de casa, então sempre fui mais caseiro e cuidei de gerenciar a administração doméstica. Como muito prazer organizo as lidas domésticas. Ensino a meus filhos a ter amigos, a ser querido com os outros, a se surpreender com a vida. E, claro, a importância da leitura. Leio para eles desde que tinham três meses de idade. Não interessa se entendem ou não. Entender é apenas uma parte da leitura. Ler é uma coisa e entender é outra. E não precisa necessariamente entender o que se lê. A leitura é um alimento de afeto e de ideias que vai circulando entre as pessoas.

Amigos – Quem encontra um amigo encontra um tesouro, diz o livro da Sabedoria. É o mistério que salva. A filosofia é amizade. Jesus gostava de ser chamado amigo e não mestre. A alma só descansa na presença do amigo. Amigos são tudo.

Autor – Homero.

Livro – A Bíblia.

Filme Morte e vida severina, de Zelito Viana.

Hobby – Jogo golfe duas ou três vezes por semana. Gosto disso porque posso jogar com os outros ou sozinho e se caminha muito, além de que o ambiente de campo aberto é algo que me faz bem. Também gosto muito de acampar, navegar e de fazer longas caminhadas. Por algum tempo tive barco no Rio Guaíba, uma delícia.

Religião – Sou católico e tento ensinar isso a meus filhos. Vivo tanto quanto possível dentro dos parâmetros da tradição católica e cristã, da partilha do pão, da casa aberta, da acolhida a quem precisa. O fato de eu ser estrangeiro também me deixa com uma sensibilidade maior para quem é peregrino.

Política no Brasil – Tem alguns mecanismos que estão viciados. O sistema de representação está viciado e exige uma reforma política que fuja do aspecto individual. Se faz necessária uma discussão interna nos partidos, com propostas e programas. Temos hoje campanhas bilionárias, caríssimas e individuais, sem programas políticos. O partido não é mais o espaço da discussão e da formulação de programas, mas acaba sendo o espaço da legitimação do poder, onde as pessoas conseguem se eleger.

Um sonho – Aprendi a viver um dia de cada vez. Cada dia tem seus desafios. Já não busco grandes sonhos. Meu cotidiano é digno se estiver à altura da minha proposta de ser sempre um pouco mais amoroso, mais atento e mais sensível aos sentimentos dos outros.

Unisinos – Uma instituição que soube se adequar às exigências dos tempos, que deixou de exercer o papel de dar suporte profissional ao Vale dos Sinos para se tornar um centro de produção do conhecimento, uma verdadeira universidade de pesquisa, que pensa os grandes temas que afetam a sociedade e que compete à altura com as melhores universidades do país.

IHU – O Instituto faz o papel de integrar uma espiritualidade que não pode ser vivida nos diferentes departamentos e programas de pós-graduação da universidade, mas que falta, todo mundo necessita e que o IHU tem. Às vezes as pessoas se apropriam mais disso, outras vezes menos, mas sabem que o IHU é este espaço de reflexão mais humana e integrada.

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