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Márcia Junges
Uma verdadeira ruptura com a hegemonia da doutrina de Tomás de Aquino. Esse foi o efeito do pensamento formulado pelo jesuíta espanhol Francisco Suarez, responsável por novas interpretações dos clássicos adequadas às necessidades históricas. A afirmação é do filósofo Alfredo Culleton, em entrevista por e-mail à IHU On-Line. É importante lembrar, também, que, sob um prisma jurídico-político, Suarez “desenvolve uma série de conceitos que serão de grande relevância tanto no processo de ocupação das Américas, como na sua independência”. Entram aí o contrato social, muito antes de sua formulação específica por Thomas Hobbes, “a origem popular do poder, a doutrina do tiranicídio e de um direito internacional”. O tiranicídio, em específico, inspirou muitos processos libertários na América Latina, mesmo antes da Revolução Francesa, aponta Culleton. Outro aspecto importante do pensamento de Suarez é inaugurar o direito subjetivo, presente no direito moderno. Prova disso é o conceito de ius gentium, ou seja, o direito das gentes (ou dos povos), “que consiste num direito transnacional que independe de estar escrito ou não, que é formulado pelas culturas, numa consensualidade progressiva e que deve ser respeitado universalmente”. Este direito é, portanto, a raiz de onde brotam os modernos direitos humanos.
Culleton é graduado em Filosofia, pela Universidade Regional no Noroeste do estado do Rio Grande do Sul – Unijuí, mestre em Filosofia, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, e doutor em Filosofia, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, com a tese Fundamentação ockhamiana do Direito Natural. Atualmente, leciona nos cursos de graduação e mestrado em Filosofia na Unisinos. É colaborador na Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI, e na Universidade de Buenos Aires – UBA, Argentina. Atua como assessor do escritório da Sociedade Internacional para Estudos da Filosofia Medieval – SIEPM.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Qual é a importância de Suarez na Segunda Escolástica?
Alfredo Culleton - O jesuíta espanhol Francisco Suarez (1548-1617) representa uma ruptura com a hegemonia da doutrina de Tomás de Aquino desenvolvida pelos dominicanos e inaugura um alargamento no pensamento com a introdução de novas interpretações dos clássicos adequado às necessidades históricas. Ele vai inaugurar uma nova etapa onde é possível estar de acordo em alguns pontos com Tomás e em desacordo em outros. Este refinamento no seu pensar filosófico o tornaram o pensador mais influente dos seguintes dos séculos de filosofia católica e de alguns importantes filósofos do século XX, como Heidegger.
IHU On-Line - Quais são os conceitos mais relevantes desenvolvidos por ele na formação latino-americana?
Alfredo Culleton - Desde o ponto de vista jurídico-político Suarez desenvolve uma série de conceitos que serão de grande relevância tanto no processo de ocupação das Américas como na sua independência. Nesse sentido destacamos a ideia do contrato social, mesmo antes de Hobbes , a origem popular do poder, a doutrina do tiranicídio e de um direito internacional. A premissa medieval sobre o poder soberano é a origem divina do poder terreno. O tiranicídio consiste no direito que todo povo tem de atentar contra o soberano caso este dê evidentes sinais de estar governando para seu próprio interesse, e não para o do povo. Esta ideia vai ser muito importante no processo libertário latino-americano, mesmo antes da Revolução Francesa.
IHU On-Line - Que conceitos oriundos dessa filosofia podem ser significativos para o direito contemporâneo?
Alfredo Culleton - Aquela ideia de Aristóteles de justiça como “dar a cada um o que é seu” será transformada por Suarez em “certo poder ou faculdade moral que cada um tem sobre o que é seu e sobre aquilo que lhe é devido”. Assim, ele inaugura o direito subjetivo, que será a grande marca no direito moderno. Um outro conceito refinado pelo nosso autor é o de ius gentium, ou direito de gentes, que consiste num direito transnacional que independe de estar escrito ou não, que é formulado pelas culturas, numa consensualidade progressiva e que deve ser respeitado universalmente. Trata-se de uma combinação entre a racionalidade da lei natural e a vontade expressa na lei civil. O direito de gentes confere às vontades consensuadas estatuto de lei, razoabilidade e uma dinamicidade que poderia estar na base dos direitos humanos como os entendemos hoje.
IHU On-Line - Que importância tem a Segunda Escolástica no curso de filosofia da Unisinos em sua origem e atualmente?
Alfredo Culleton - Uma das mais destacadas características do método escolástico foi a Quaestio disputata, que consistia em oferecer uma questão, submeter ela às mais variadas abordagens, talhar uma resposta fundada tanto quanto possível na razão e nos clássicos, e responder às objeções. Esta metodologia se estendeu até bem recentemente na formação dos jesuítas e certamente permeia o espírito do curso de Filosofia da Unisinos. Por sua vez, o acervo bibliográfico na área disponível na Unisinos é um diferencial.
IHU On-Line - Qual é o sentido da Unisinos sediar o 17º colóquio anual da SIEPM?
Alfredo Culleton - Foi um grande esforço trazer pela primeira vez este evento ao hemisfério Sul, ao Brasil, e mais especificamente ao Rio Grande do Sul e à Unisinos. Responsável por isto é o prestigio adquirido internacionalmente pela pesquisa desenvolvida nas nossas instituições acadêmicas através dos seus programas de pós-graduação. Neste caso, o tema que foi proposto nos vincula ainda mais à história latino-americana e à sua contribuição filosófica. De modo especial, a Unisinos tem a vocação para sediar o evento por dois motivos: em primeiro lugar pela tradição jesuítica tão próxima à temática proposta, e pelo inestimável acervo bibliográfico que a Biblioteca Unisinos tem a respeito. Merecem destaque as obras da biblioteca do Cristo Rei, a qual, por gerações, os padres não só adquiriram como preservaram.
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* Em nome de Deus: um retrato de época. Edição número 160, Revista IHU On-Line, de 17-10-2005
* A interculturalidade medieval. Edição número 198, Revista IHU On-Line, de 02-10-2007
* Ninguém aceita a morte por suposição. Edição número 269, Revista IHU On-Line, de 18-08-2008