Edição 341 | 30 Agosto 2010

O RS pode mostrar para o Brasil como é possível repensar a matriz energética

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Graziela Wolfart

Alexandre Krob percebe que há um grande desafio à política energética brasileira: o de ser capaz de encontrar soluções para a crescente demanda energética numa nova matriz de geração de energias

Uma nova matriz energética ideal para Alexandre Krob seria uma matriz “onde as formas de geração sejam menos impactantes, com um aproveitamento muito maior da energia solar, eólica, das marés, com a opção pelas pequenas hidrelétricas gerando energia para ser consumida na região, com um esforço muito grande para reduzir as perdas de transmissão e repotencializar geradores”. E continua: “Se nessa nova era energética ainda houvesse lugar para algumas grandes usinas hidrelétricas, o desafio seria planejá-las e construí-las sem causar graves e irreversíveis impactos sociais e ambientais como vem acontecendo”. Na entrevista que segue, concedida à IHU On-Line por e-mail, Alexandre defende que os “técnicos dos órgãos de energia deveriam estar trabalhando por alternativas energéticas menos impactantes, buscando junto aos cientistas as alternativas tecnológicas que poderiam ser colocadas em prática. Técnicos dos órgãos licenciadores deveriam atuar com grande responsabilidade na análise dos estudos ambientais e firmar posição quanto à necessidade de avaliações integradas de cada bacia. Deveriam também ser firmes quando considerarem que um empreendimento não é ambientalmente ou socialmente viável ao invés de tentar encontrar medidas compensatórias e mitigadoras para tudo, o que não existe. Cientistas deveriam ser mais comprometidos com a aplicação dos resultados do conhecimento na formulação e aplicação de políticas públicas, pois um conhecimento que apenas gera pontuação acadêmica, e não é aplicado numa mudança de postura, tem pouco ou nenhum valor. As ONGs deveriam ser ainda mais combativas adotando nesse processo uma postura política baseada na coerência com os conhecimentos científicos”. E finaliza afirmando que os políticos “deveriam ter maior compromisso com a sociedade como um todo, com os direitos difusos que nos foram garantidos pela Constituição e que, muitas vezes, são deixados de lado para atender aos interesses setoriais de quem vende obras e vende energia”.

Alexandre Krob é vice-presidente do Comitê Estadual da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, coordenador do Colegiado Regional Sul da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (RS/SC/PR/MS) e coordenador técnico do Instituto Curicaca.

Confira a entrevista.


IHU On-Line - Quais os principais desafios que as usinas hidrelétricas apresentam hoje à realidade social e ambiental do Rio Grande do Sul?

Alexandre Krob -
Há um grande desafio, de ordem superior, posto à política energética brasileira. Seria o de ser capaz de encontrar soluções para a crescente demanda energética numa nova matriz de geração de energias. Uma matriz onde as formas de geração sejam menos impactantes, com um aproveitamento muito maior da energia solar, eólica, das marés, com a opção pelas pequenas hidrelétricas gerando energia para ser consumida na região, com um esforço muito grande para reduzir as perdas de transmissão e repotencializar geradores. Se nessa nova era energética ainda houvesse lugar para algumas grandes usinas hidrelétricas, o desafio seria planejá-las e construí-las sem causar graves e irreversíveis impactos sociais e ambientais como vem acontecendo. Para tal, seria necessário mudar, no âmbito concreto, a avaliação das bacias hidrográficas de um mero e simplista cálculo de potencial hidrelétrico para uma avaliação integrada com cunho ambiental e social. Daí seria possível, dentre um conjunto de alternativas locacionais existentes, escolher aqueles efetivamente menos impactantes, limitando a capacidade de carga de cada bacia a um número bem menor de empreendimentos. Evidentemente, isso só é possível com outras formas de energia e com uma política ambiental que vise também a um controle do consumismo e, consequentemente, da demanda energética.

IHU On-Line - Como o Comitê da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica no Rio Grande do Sul se posiciona em relação às usinas hidrelétricas no estado?

Alexandre Krob -
Quando a localização das usinas hidrelétricas está dentro da área da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, necessariamente temos que avaliar o licenciamento desse empreendimento e nos posicionarmos quanto a sua viabilidade e aos impactos gerados para a biodiversidade e a sociodiversidade. Se o empreendimento está conflitando com uma zona núcleo da Reserva, aquelas áreas que são o “coração” do sistema e que concentram o que há de mais importante na biodiversidade e/ou na cultura que interessa ao povo brasileiro e à Unesco, nossa posição é contrária ao empreendimento. Pelo direito que o Sistema Nacional de Unidades de Conservação confere ao sistema de gestão da Reserva, definimos no Rio Grande do Sul que as zonas núcleo são áreas de exclusão para este tipo de empreendimento.

IHU On-Line - Quais as principais ideias apresentadas no documento do Comitê da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica no Rio Grande do Sul sobre a hidrelétrica de Pai Querê?

Alexandre Krob -
Em síntese, o documento manifesta que a hidrelétrica de Pai Querê causará danos irreversíveis à biodiversidade e ao patrimônio cultural da Mata Atlântica, que não são compensáveis ou minimizáveis após o impacto causado pelo licenciamento fraudulento da hidrelétrica de Barra Grande. Expressa que toda a biodiversidade que se encontra para cima, ou a montante de Barra Grande, deve ser conservada; que o não licenciamento de Pai Querê significa impedir a extinção regional de alguns grandes mamíferos e aves de rapina, de algumas espécies endêmicas da flora e evitar a fragmentação definitiva de um corredor ecológico de florestas de galeria que interligam a Mata Atlântica costeira com aquela do Alto Uruguai.

IHU On-Line - Como as hidrelétricas afetam especificamente a biodiversidade da Mata Atlântica no Rio Grande do Sul?

Alexandre Krob -
Assim como em todo o Brasil, a Mata Atlântica no Rio Grande do Sul foi muito desmatada e restaram poucos remanescentes. Sobraram apenas aquelas matas que se encontravam em locais inacessíveis, onde a agricultura não foi capaz de ocupar ou onde os madeireiros não conseguiram chegar. Por isso, grande parte destas matas está nos vales encaixados dos grandes rios, justamente onde há interesse em construir hidrelétricas. São nestas áreas que se refugiaram muitas das espécies da fauna ameaçadas de extinção ou restam pequenas populações de espécies quase extintas da flora.

IHU On-Line - Qual deve ser o papel de técnicos, cientistas, entidades governamentais e ONGs em relação à produção de energia por hidrelétricas?

Alexandre Krob -
Cada um tem o seu papel. Técnicos dos órgãos de energia deveriam estar trabalhando por alternativas energéticas menos impactantes, buscando junto aos cientistas as alternativas tecnológicas que poderiam ser colocadas em prática. Técnicos dos órgãos licenciadores deveriam atuar com grande responsabilidade na análise dos estudos ambientais e firmar posição quanto à necessidade de avaliações integradas de cada bacia. Deveriam também ser firmes quando considerarem que um empreendimento não é ambientalmente ou socialmente viável ao invés de tentar encontrar medidas compensatórias e mitigadoras para tudo, o que não existe. Cientistas deveriam ser mais comprometidos com a aplicação dos resultados do conhecimento na formulação e aplicação de políticas públicas, pois um conhecimento que apenas gera pontuação acadêmica, e que não é aplicado numa mudança de postura, tem pouco ou nenhum valor. As ONGs deveriam ser ainda mais combativas adotando nesse processo uma postura política baseada na coerência com os conhecimentos científicos. A pergunta não incluiu os políticos, mas eu faço isso. Estes deveriam ter maior compromisso com a sociedade como um todo, com os direitos difusos que nos foram garantidos pela Constituição e que, muitas vezes, são deixados de lado para atender aos interesses setoriais de quem vende obras e vende energia.

IHU On-Line - Qual deveria ser o limite de barramentos hidrelétricos numa bacia? Isso é respeitado aqui no Rio Grande do Sul?

Alexandre Krob -
O limite de barramentos em uma bacia só pode ser definido por uma avaliação ambiental integrada desta bacia. Não há interesse do setor hidrelétrico brasileiro, público ou privado, em abrir mão daqueles cálculos simplistas de potencial hidrelétrico feitos há quatro décadas e reavaliar as bacias sob a ótica da sustentabilidade. Dessa forma, os limites não são sequer buscados, com raras exceções, quanto mais respeitados.

IHU On-Line - Como o Rio Grande do Sul pode contribuir para repensar o modelo hidrelétrico e apostar em novas fontes de energia limpa e renovável?

Alexandre Krob -
O Rio Grande do Sul pode contribuir com a sua história de protagonismo ambiental mostrando para o resto do Brasil como é possível repensar a matriz, como é possível inserir critérios ambientais, sociais e culturais no planejamento energético, como é possível praticar a sustentabilidade, tirando-a do discurso vulgar. Recentemente o Rio Grande do Sul mostrou sua capacidade protagonista numa tentativa de fazer um zoneamento ecológico econômico para a silvicultura baseado em uma série de critérios técnicos trazidos por instituições de alto nível. Infelizmente, houve no produto final a predominância de interesses políticos sobre as orientações técnicas, mas a intenção e os passos que foram dados são de grande importância e servem de exemplo recente. Poderia ser feito o mesmo para a matriz energética do estado.

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