Edição 336 | 06 Julho 2010

Lembranças de Dona Militana: a maior romanceira do Brasil

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Patricia Fachin

Dona Militana, a maior romanceira do Brasil, aprendeu a cantar com o pai, enquanto trabalhava no roçado, na comunidade do Oiteiro, no Rio Grande do Norte, onde vivia com a família. Segundo o professor Deífilo Gurgel, ela era “uma pessoa consciente do seu valor e quando ‘dava uma palavra’, tinha de mantê-la até o fim”

Deífilo Gurgel estuda e documenta o folclore nordestino há mais de três décadas. Poeta, escritor e professor, ele descobriu a maior romanceira do Brasil, Dona Militana, no Rio Grande do Norte, na década de 90, ao realizar uma pesquisa sobre romanceiros do país. Reconhecida, inclusive, pelo governo federal, ela recebeu a medalha de mérito cultural brasileiro.

Na entrevista a seguir, concedida, com exclusividade, à IHU On-Line, por telefone, ele conta que Militana era uma lavradora do Rio Grande do Norte e sabia cantar “um romance que ninguém conhecia no Brasil, nem em Portugal”. Segundo ele, em Natal, muitas pessoas cantam romances ibéricos, mas não na quantidade conhecida por Dona Militana. “Viajei por todo o nordeste e não consegui encontrar outra pessoa que soubesse cantar todas essas versões”, enfatiza. A maioria das letras dos romances cantados por Dona Militana já haviam sido registrados em livros, mas ninguém nunca havia musicado esse material. Por esse motivo, destaca, “ela é de uma importância transcendental e merece todas as homenagens que foram prestadas em vida e continuam sendo prestadas depois da morte”.

Dona Militana Salustino do Nascimento nasceu no sítio Oiteiros, na comunidade de Santo Antônio dos Barreiros, em 19 de março de 1925. Ela gravou na memória os cantos executados pelo pai. São romances originários de uma cultura medieval e ibérica, que narram os feitos de bravos guerreiros e contam histórias de reis, princesas, duques e duquesas. Além de romances, Militana canta modinhas, coco, xácaras, moirão, toadas de boi, aboios e fandangos. Dona Militana faleceu no dia 19-6-2010, aos 85 anos.

Deífilo Gurgel nasceu em 1926, em Areia Branca/RN. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito de Natal, exerceu as funções de diretor do Departamento de Cultura da Secretaria Municipal de Educação e Cultura - SMEC, de Natal; diretor de Promoções Culturais da Fundação José Augusto - FJA; professor de Folclore Brasileiro na Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN. Poeta e jornalista, Deífilo Gurgel publicou várias obras relacionadas ao folclore. Citamos Danças Folclóricas do Rio Grande do Norte (1995, 5ª ed.); Manual do Boi Calemba (1985); João Redondo; Teatro de Bonecos do Nordeste (1986) e Romanceiro de Alcaçuz (1993).

Consta que Deífilo, poeta na adolescência, somente aos 40 anos "descobriu" o folclore, passando a dedicar-se integralmente ao assunto. Residindo em Natal desde 1944, em suas pesquisas, ele tem se aprofundado nas raízes históricas do povo potiguar, o que resultou em descobertas inéditas, como as de 1985, quando coletou exemplos do romanceiro popular ainda não registrados por qualquer outro pesquisador brasileiro, merecendo menção o "Cavalo Moleque Fogoso", de Fabião das Queimadas. Confira a entrevista.

IHU On-Line – O senhor é tido como a pessoa que “descobriu” Dona Militana, na década de 90. Como foi esse encontro?
Deífilo Gurgel – Em 1975, entrevistei o pai dela, seu Atanásio Salustino do Nascimento, e pedi para ele cantar para mim todas as jornadas de um fandango que ele possuía e, que, aquela altura, já estava desativado. O fandango do nordeste é diferente do fandango do Rio Grande do Sul. No Rio Grande do Norte, ele é um auto popular. Os dançarinos vestem o traje típico de marujo, dançam formando duas alas e cantam as jornadas. Essa apresentação demora em torno de duas horas. No sul, é uma dança folclórica dançada por um grupo de pessoas formando uma roda.
Passou-se o tempo e, em 1985, iniciei, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, uma pesquisa sobre romanceiros ibéricos e brasileiros. Durante 10 anos, viajei pelo estado do Rio Grande do Norte, coletando versões de romances ibéricos, recebidos de Portugal, e romances brasileiros, criados na área da pecuária e do cangaço. Em 1981, quando a pesquisa estava em plena realização, me lembrei de que quando entrevistei seu Atanásio, ele cantou alguns romances. Então, fui procurá-lo e fiquei sabendo que já havia falecido, mas suas filhas disseram que Maria José - nome pelo qual Dona Militana era conhecida na época -, entendia de romances. O povo do Rio Grande do Norte é muito inibido, então, precisei conversar com ela para convencê-la a cantar alguns romances e, por fim, cantou 33 versões de romances ibéricos e brasileiros para eu gravar.
Nessas minhas viagens, conhecia informantes romanceiras e ficava felicíssimo quando uma delas cantava 10 romances. Mas conseguir 33 versões com uma única pessoa foi a glória. Fiquei contente com a descoberta dela e, a partir daí, sempre mantivemos as melhores relações de amizade.

IHU On-Line – O senhor disse que Dona Militana teve dois nomes. Pode contar essa história?
Deífilo Gurgel – A mãe dela pediu a uma comadre para registrar a menina no cartório e deu o nome de Maria José. A comadre da mãe de Dona Militana achou que Maria José era um nome muito comum e a registrou como Militana Salustino do Nascimento.
Quando a entrevistei pela primeira vez, conheci o irmão dela, que tinha o apelido de São Bento. Na ocasião, perguntei o nome completo dela e estava certo de que iria responder: “Maria José Militana Salustino do Nascimento”. Mas ela disse: “é Militana Salustino do Nascimento”. O irmão dela, imediatamente disse: “Nossa! Seu nome é esse, mas como eu nunca soube, se sou seu irmão e convivi com você desde menino?” Aí ela explicou o que tinha ocorrido. O pessoal só a conhecia por Maria José, e ela aceitava esse nome. Quando a Fundação Cultural Hélio Galvão começou a trabalhar com dona Maria José e descobriram o nome dela, certamente acharam que era mais bonito esse nome medieval de Militana. Aí, eu tive de me render a ela e deixar o nome Maria José de lado.

IHU On-Line – Como foi essa experiência de trabalhar com Dona Militana na gravação desses 33 romances? Ela era muito tímida?
Deífilo Gurgel – Não foi muito fácil porque, às vezes, ela dizia que não sabia os romances. Naquela época em que eu a entrevistei para gravar o cd, o povo quase não cantava mais esses romances. Ela começou cantando isso, talvez, como cantiga de trabalho. Ela e o pai dela eram lavradores e trabalhavam no roçado que eles tinham na comunidade do Oiteiro. Enquanto Atanásio plantava, cantava os romances, e a filha aprendeu. Ele tinha uma voz maravilhosa e sabia muito mais do que Militana. Eu não tive a oportunidade de gravar esses romances com ele. Consegui apenas gravar o fandango, que tem 24 jornadas. Recentemente, enviei essas fitas para o Ministério da Cultura, e eles regravaram tudo.
Militana não tinha um temperamento muito dócil. Era uma pessoa consciente do seu valor e, quando “dava uma palavra”, tinha de mantê-la até o fim. Houve um episódio interessante quando fomos a Aracaju fazer uma apresentação sobre romanceiros do Rio Grande do Norte: estavam demorando para servir o jantar, e uma romanceira da Paraíba perguntou se Dona Militana gostaria de jantar em seguida, e ela respondeu: “Não estou pedindo nada para a senhora. Não precisa, não.” Ela era assim; não tinha panos mornos - como costumamos dizer -, o que ela tinha a dizer, dizia logo na cara da pessoa. Nesse mesmo dia, pessoas do mundo todo assistiram a apresentação dela, ficaram encantados e a aplaudiram de pé. Em seguida, ela gravou um cd chamado Romances e Cantadores.  

IHU On-Line – Que atividades Dona Militana exercia antes de ser considerada uma romanceira famosa?
Deífilo Gurgel – Não sei. Na época em que a conheci, ela deveria receber a pensão que o governo paga para as pessoas idosas, que o povo chama de aposento ao invés de chamar de aposentadoria. Essas são uma das coisas que se vê por aqui. O carnê para receber a aposentadoria, eles chamam de carneiro. O povo é uma beleza e tem umas coisas ótimas.

IHU On-Line - Qual a importância e o significado de Dona Militana para o folclore e para a cultura brasileira?
Deífilo Gurgel – Uma importância incrível. Ela cantava romances palacianos, romances religiosos e romances plebeus, de Portugal. Também cantava um romance religioso chamado O Milagre do Trigo. Quando ela cantou esse romance, vi que se tratava de algo muito importante e, imediatamente, telefonei para amigos que pesquisam romanceiros no Brasil. Conversei com Bráulio do Nascimento, Jackson da Silva Lima e outros. Perguntei se eles conheciam esse romance. O único que conhecia, em parte, era Bráulio do Nascimento, mas ele conhecia o texto em forma de conto popular e não na forma poetizada, versejada e musicada.
Em seguida, participei de um seminário sobre cultura medieval, e lá encontrei com o professor J. J. Dias Marques, da Universidade do Algarve. Ele não conhecia esse romance em Português, mas me disse que, na biblioteca do Algarve, existiam algumas versões em castelhano e, posteriormente, me enviou o material. Então, quer dizer, uma pobre lavradora do Rio Grande do Norte sabia um romance que ninguém conhecia no Brasil, nem em Portugal. Na região litorânea de Natal, muitas pessoas sabem cantar os romances ibéricos, mas não na quantidade conhecida por ela. Viajei por todo o nordeste e não consegui encontrar outra pessoa que soubesse cantar todas essas versões. 
Cascudo  realizou uma pesquisa anterior, publicada no livro Flor de Romances Trágicos, contando a vida de cangaceiros, e transcrevendo romances desse pessoal, mas ele registrou apenas a letra. Dona Maria José sabia tudo: a letra, a música. Por isso ela é de uma importância transcendental e merece todas as homenagens que foram prestadas em vida e continuam sendo prestadas depois da morte.
Ela é a maior romanceira do Brasil. Tive a oportunidade de conferir que é a informante que cantou o maior número de romances, e pelo fato de cantar romances inéditos no Brasil, e de o governo federal ter reconhecido a importância dela e ter concedido a ela a medalha do mérito cultural brasileiro, não podemos deixar de dizer que era e continua sendo a maior romanceira do Brasil.   

IHU On-Line – Além dos romances, ela conhecia outros aspectos da cultura popular?
Deífilo Gurgel – Em certa ocasião, perguntei se ela conhecia histórias de trancoso, contos de fada, e ela disse que sabia um bocado de histórias. Mas, infelizmente, a morte chegou primeiro do que eu, e ela foi embora levando tudo isso.    

IHU On-Line - Que legado Dona Militana deixa para a cultura popular brasileira?
Deífilo Gurgel – Deixa um legado muito grande. Nesta pesquisa que fiz sobre os romanceiros, encontrei uma romanceira chamada Juvina Monteiro. Ela cantou 23 romances para mim, e a voz dela é mais bonita que a de Dona Militana. Tenho esse material gravado e datilografado porque pretendo publicar um livro. Tenho 84 anos, mas antes da minha viagem definitiva, pretendo deixar publicado esse trabalho com romanceiros do Rio Grande do Norte. Além dessas duas romanceiras, coletei material com outros romanceiros como Raimundo Fabião, neto de uma figura lendária de nosso estado, chamado Fabião das Queimadas.

IHU On-Line - O senhor conviveu com outro grande folclorista brasileiro: Luís da Câmara Cascudo. Que lembranças têm do contato com Cascudo?
Deífilo Gurgel – Cascudo era uma pessoa encantadora. Fui aluno de Direito dele, e o que ele menos ensinava era algo sobre Direito. Nas aulas, falava sobre o folclore e a história de Natal sem nenhum desmerecimento porque ele sabia essa história de ponta a ponta. Quando terminei o curso de Direito e fui ser professor de folclore brasileiro na universidade, sempre levava meus alunos na casa dele para conhecê-lo e ouvi-lo dar uma aula. Os alunos saiam encantados com Cascudo. Ele era um homem fabuloso, educado, gentil e cultíssimo. 

IHU On-Line - Qual foi a contribuição do Prefeito Djalma Maranhão na valorização dos movimentos culturais em Natal?
Deífilo Gurgel – Muito grande. Apesar de eu não ter tido muita aproximação com Djalma Maranhão, ele me tratava com muita cordialidade. Tenho uma admiração muito grande por ele, é tanto que, em um livro que escrevi, dediquei um capítulo para grandes figuras do folclore do Rio Grande do Norte e entre elas está Djalma Maranhão. Sempre que há a oportunidade de eu falar sobre ele, teço os maiores elogios, não só pelo apoio que ele deu à cultura, mas pelo desenvolvimento que ele deu à educação do Rio Grande do Norte. Na administração dele, foi desenvolvido um projeto chamado “De pé no chão também se aprende a ler”. Esse projeto teve uma importância muito grande para a população pobre da cidade, que tinha muita facilidade para aprender. As crianças aprendiam não só a ler, mas também sobre a cultura do Rio Grande do Norte. Djalma foi um administrador fabuloso. A população de Natal tem por ele a maior admiração. Uma multidão acompanhou o sepultamento dele, apesar de ter sido cassado pela Revolução.

IHU On-Line - Que influência teve o encontro com o Bumba Meu Boi na sua formação de folclorista?
Deífilo Gurgel – A minha formação de folclorista é interessante. Eu não gostava de folclore, não tinha aversão, mas não me interessava absolutamente. Nasci numa cidade do Rio Grande do Norte, que fica próxima do Ceará, e morei lá até os 12 anos. É uma das cidades mais distantes dos Centros Culturais. Lá eu via o Bumba Meu Boi e achava uma brincadeira pobre, não tinha a riqueza de outros Bumba Meu Boi.
Na época em que Djalma Maranhão foi prefeito da capital, por volta da década de 60, ele fazia promoções natalinas com apresentação de grupos folclóricos na rua, montava presépios e árvores de Natal. Quando eu terminava meu trabalho e passava no centro da cidade, via aquelas apresentações e pensava: “Precisa ter muita paciência, muito saco – com licença da má palavra -, para as pessoas ficarem horas e horas vendo a chateação desses grupos, essa lenga-lenga.” Pensava isso porque, normalmente, as cantigas de fandango e chegança são lentas.
No ano de 1970, fui nomeado Secretário de Cultura da Prefeitura Municipal de Natal. Por conta disso, retomamos os festivais folclóricos de Natal. No setor que eu dirigia, tinha um velho batalhador do folclore do Rio Grande do Norte chamado Joaquim Caldas Moreira. Ele tinha trabalhado com Djalma Maranhão e conhecia o pessoal dos grupos folclóricos. Certo dia, fui com ele visitar o Bumba Meu Boi. Quando chegamos, o boi já estava dançando na praça. Vi os postes com luminárias de mercúrio focando em cima dos enfeitados do grupo – como o povo chama -, com aquelas fitas esvoaçantes, com os espelhos refletindo a luz dos postes e, aí, não teve jeito, me apaixonei de uma vez por todas pelo folclore e, principalmente, pelas danças. A dança deles é muito viva. Quando fui ser professor na universidade, estudei o folclore e publiquei livros sobre o assunto. O meu principal livro se chama Espaço e tempo do folclore potiguar (Natal: Prefeitura Municipal/FUNCART, 1999), no qual dou uma panorâmica do folclore brasileiro e, detalhadamente, do folclore do Rio Grande do Norte.    

IHU On-Line – O folclore é muito valorizado no Rio Grande do Norte?
Deífilo Gurgel – Infelizmente, não. É um folclore rico, bonito, mas não tem ainda o valor que deveria ter. Um cineasta gravou umas imagens de Dona Militana e reclamou dos cineastas do Rio Grande do Norte pelo fato de eles nunca terem demonstrado interesse em gravar imagens dela.
Não sei se o governo do Maranhão prestigia o folclore maranhense, mas o povo prestigia. Quando os bois do Maranhão saem para dançar, a multidão acompanha. No Rio Grande do Norte, não há esse interesse. Quando veem um Boi, o pessoal até trata com menosprezo. Atualmente, por conta da universidade, o folclore está sendo um pouco mais valorizado.
O folclore do Rio Grande do Norte tem duas coisas fabulosas que não são levadas na devida consideração: uma é o nascimento de Câmara Cascudo no estado, que é considerado, por muitos, como o maior folclorista brasileiro; a segunda é a atitude que Câmara Cascudo teve de convidar Mário de Andrade para visitar o Rio Grande do Norte, em 1929. Ele ficou no estado durante um mês e quinze dias, num tempo em que não havia gravador e, documento em letra e em música, os nossos quatro autos populares: boi, chegança, fandango e cocos. É uma pesquisa que está publicada numa obra dele chamada Danças Dramáticas do Brasil, organizado por Oneyda de Alvarenga .

IHU On-Line - Como avalia a situação dos estudos sobre folclore no Brasil, atualmente? Que estado brasileiro mais valoriza o folclore?
Deífilo Gurgel – Em São Paulo, na cidade de Olímpia, realiza-se anualmente um festival de folclore. Eles publicam, inclusive, um anuário do folclore brasileiro. Essa é uma contribuição muito boa para o folclore, mas, infelizmente, os grupos que se apresentam são pára-folclóricos, ou seja, não são folclóricos autênticos.

O estado que tem preservado melhor as suas manifestações folclóricas é Sergipe. Infelizmente eu não tenho viajado para lá em função da minha idade e também pelo medo que sinto em viajar de avião. Nesses lugares distantes, tem de ir de avião, se não, leva um mês. Por isso, não poderia dar um panorama exato de como estão os estudos e a situação atual do folclore pelo Brasil.
A Fundação Cultural do Rio Grande do Norte está planejando, para o mês de agosto, um festival de folclore. Existem alguns grupos autênticos de Bumba Meu Boi, em diversas cidades; o fandango e a chegança são dois grupos espetaculares. A dança é longa, mas vale à pena enfrentar o enfado e assistir do princípio ao fim. 

O deputado Fernando Mineiro (PT) tem dado muita importância ao folclore e apresentou um projeto de lei para beneficiar grupos e mestres folclóricos. O projeto considera todo o universo folclórico como patrimônio vivo. Essa iniciativa está começando. Vamos aguardar os resultados.

 

Dona Militana: o canto que vem de Oiteiro
O texto é de Haroldo Gomes, parceiro do IHU, em Natal, RN, e publicado nas Notícias do Dia 24-06-2010, disponível para download em http://migre.me/UHyU.

O romance popular é um breve poema, em versos simples, baseado em episódios dramáticos ou fatos históricos, destinado a ser cantado e transmitido oralmente. Parente bem próximo da literatura de cordel.

Pois bem. Militana Salustino do Nascimento (1925 -2010), conhecida como Dona Militana, natural de São Gonçalo do Amarante/RN, foi uma das principais representantes desse gênero literário no Brasil. Ouviu, gravou. “Meu pai cantava e eu escutava por trás do algodoal, foi assim que aprendi”, diz Militana à Revista Preá nº 22, publicação da Fundação José Augusto.

Costumava dizer: “tenho mais de 55 romances aqui no quengo”.

Militana cantou romances, modinhas, coco, xácaras, moirão, toadas e boi, aboios e fandangos. Na década de 90 do século passado, o folclorista Deífilo Gurgel tornou pública sua musicalidade. E Militana saiu do anonimato, ganhou o mundo. Logo se tornou figura requisitada em grandes eventos culturais de cunho nacional ao lado de artistas como Elba Ramalho e Antonio Nóbrega. Nunca se soube ao certo de onde vinha a arte de suas palavras:

“Vim de uma cultura dos pés rachados do sol. Eu tinha que pular nas sombras para aliviar a quentura do roçado. E hoje sou ‘inventadeira’ das coisas. Para mim, a vida é um grande moinho, cheio de coisas novas”.

Recebeu até a Comenda Máxima da Cultura Popular, em Brasília, em 2005, das mãos do presidente Lula.

Porém, o canto de Militana não a livrou de uma vida repleta de graves problemas financeiros, sem ter sequer um plano de saúde. Em 2009, apenas, é que a Prefeitura de São Gonçalo do Amarante veio lhe conceder uma “pensão vitalícia”. No último sábado (19/06/2010), Dona Militana faleceu.

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