Edição 335 | 28 Junho 2010

Sociologia do Espírito, Economia Política da Comunicação e luta epistemológica

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César Bolaño

Coluna do CEPOS - Grupo de Pesquisa

Nos últimos tempos, estou empenhado em recuperar o pensamento de Celso Furtado para o campo da Economia Política da Comunicação, mais especificamente o seu conceito de Cultura fortemente influenciado pela obra de Karl Mannheim, o célebre autor de Ideologia e Utopia. No primeiro dos três ensaios que constituem a Sociologia da Cultura, obra posterior, produzida também na década de 1930, preocupado com uma definição unificada da sociologia – entendida como ciência das formas associativas – e da sociologia das ideias, o autor define o que chama de “sociologia do espírito” – situando-a na longa tradição da filosofia e da sociologia alemãs – “como contrapartida da ciência da sociedade”, incluindo a sociologia do conhecimento e a sociologia da cultura: “a sociedade é o denominador comum entre interação, ideação e comunicação, a sociologia do espírito é o estudo de funções mentais no contexto da ação”.

A comunicação encontra-se, portanto no centro da análise da cultura.  Mais: o objeto da sociologia do espírito não é outro senão “a dimensão social da comunicação de significados”.  Ainda segundo Mannheim, o primado da infraestrutura sobre a superestrutura nada tem a ver com aquele da matéria sobre as ideias. Na verdade, “ambos os tipos de ação implicam ideação e comunicação”.

Mais uma vez, a comunicação está no centro da definição de sociedade e, neste caso, da relação entre economia e cultura. É importante lembrar isto porque, embora Furtado tenha uma sofisticada teoria da cultura, determinante da sua economia política, o conceito de comunicação não está, salvo melhor juízo, explicitado. Os reconhecidos elos entre sua teoria e a contribuição de Mannheim alertam para esta profícua interação entre Economia Política, Comunicação e a Sociologia da Cultura e do Conhecimento. Dada a importância da obra de Mannheim para a Epistemologia, a Economia Política da Comunicação (EPC) poderá encontrar aí uma interessante fonte de inspiração e de legitimidade no interior do campo da Comunicação no seu conjunto, como um rico programa internacional de pesquisa (no sentido de Lakatos) que é.

A contribuição de Furtado em particular – um ícone do pensamento social latino-americano – é chave nesse sentido. Há duas estratégias político-epistemológicas em disputa hoje nas chamadas Ciências da Comunicação: a crítica, no interior da qual se inclui a EPC, e outra que se aferrará cada vez mais a uma espécie de positivismo de segunda mão, transformado em pièce de resistence da reação, digamos, escolástica ao avanço do pensamento crítico. Do ponto de vista da EPC brasileira e latino-americana, a recuperação do grande pensamento social do subcontinente – em diálogo com outras escolas, mas especialmente com outros enfoques críticos produzidos no hemisfério sul – é crucial. A corrente dominante, ao contrário, procurará, em geral, o conforto da adesão servil às modas intelectuais vindas do norte.

Há, por certo, importantes diferenças entre a EPC brasileira e a sociologia do espírito de Mannheim, mas ambas dividem uma herança comum que está no cerne da Fenomenologia do Espírito de Hegel, a qual fornece “um denominador comum a certos problemas epistemológicos: as ideias têm um significado social que não é revelado por sua análise frontal e imanente”.  Segundo o autor, o que permanece vivo em Hegel (e isso valeria também para Marx) é “sua aguda consciência de situações, e não a tradição sectária que seguiu seu rastro”.

É esse realismo epistemológico não sectário, justamente, o que distingue a análise que a EPC faz do fenômeno, por exemplo, das TIC, das elucubrações que constituem a maior parte da produção pós-modernista que inunda o campo da Comunicação na matéria. Permito-me referir-me a minha própria interpretação do problema, centrada no conceito de “subsunção do trabalho intelectual”, definido sobre a base de uma leitura d’O Capital e outros trabalhos do próprio Marx, como os Grundrisse, ou o Capítulo VI Inédito (uma definição marxiana, diriam).

A leitura posterior do trabalho soi disant marxista dos pós-modernistas espinozianos Negri e Hardt sobre o mesmo tema não provocou em mim a identificação e estímulo intelectual que me causou a leitura do segundo ensaio do citado livro de Mannheim – essencialmente weberiano – sobre a intelligentsia. Não se trata de interpretar o “intelecto geral” de Marx à maneira exotérica da “inteligência coletiva”, (como na perspectiva liberal de Lévy, da antropologia do cyberespaço), mas sim de entender como se estabelece a hegemonia e, portanto, a função da intelligentsia, numa situação de subsunção do trabalho intelectual.

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