Edição 334 | 21 Junho 2010

“Aqui, no Rio Grande do Sul, não existe amor pela seleção brasileira. Aqui se ama o Grêmio e se ama o Internacional”

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Graziela Wolfart e Patricia Fachin

Para o jornalista esportivo gaúcho Fabiano Baldasso, a rivalidade da dupla Gre-Nal deve ser preservada, sem clima amistoso entre Grêmio e Internacional. “Tem que ser cada um do seu lado, sem violência, mas de vez em quando com alguma provocação”, defende

“Somos um estado de dualidades: maragatos e chimangos, PT e anti-PT. Sempre fomos assim. Temos dois lados no Rio Grande do Sul. Ou estamos de um ou estamos de outro. No caso da dupla Gre-Nal, isso é absolutamente representativo. Dentro dessas dualidades importantes, a rivalidade da dupla Gre-Nal é a principal do Rio Grande do Sul. Aqui, no estado, ou se torce para Inter ou para Grêmio, e quem disser algo diferente disso está mentindo. (...) A maior rivalidade do futebol brasileiro certamente é a do futebol gaúcho”. A afirmação é do jornalista esportivo gaúcho Fabiano Baldasso, na entrevista que concedeu, por telefone, à IHU On-Line. Ele confessa que tem “muito orgulho de ser jornalista esportivo no Rio Grande do Sul. Pelo que é a dupla Gre-Nal e pelas suas conquistas, e, especialmente, pela própria característica da imprensa gaúcha, que é forte, que cobra bastante, e tem a ver com a forte rivalidade que temos aqui”.

Repórter e apresentador, graduado em Jornalismo pela Unisinos, Fabiano Baldasso é jornalista esportivo da Band/RS desde 2009. Na Rádio Bandeirantes, apresenta os programas "Atualidades Esportivas" e "Jogo Aberto", e é coordenador de esportes. Na TV, participa do "Jogo Aberto RS". Antes, trabalhou na Rádio Gaúcha, onde ingressou, em 1996, como estagiário e, dois anos depois, passou a repórter, além de apresentar os programas "Sábado Esporte" e "Pré-Jornada".

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Qual a peculiaridade do futebol gaúcho atual? Como a cultura do povo gaúcho se relaciona com sua forma de viver o futebol?

Fabiano Baldasso – Para caracterizar diferenças do futebol gaúcho em relação a, por exemplo, o futebol que é praticado no resto do país, não só no que acontece dentro do campo, mas na sua organização, temos que estabelecer algumas ressalvas. Não sou daqueles que acha que, no Rio Grande do Sul, se faz um futebol totalmente diferente de outras regiões do país. É um pouco de presunção do gaúcho pensar dessa forma. O Inter e o Grêmio precisam de bons jogadores para executar um bom futebol, como qualquer outro time. No Rio Grande do Sul, temos uma paixão maior pelos nossos clubes. Basta ver que, até mesmo em período de Copa do Mundo, a atenção dos torcedores do estado continua muito mais voltada para o Grêmio e para o Internacional do que propriamente para a seleção. Isso é uma particularidade e uma diferença que aumenta a responsabilidade da dupla Gre-Nal. Aquela discussão de que o futebol gaúcho é mais aguerrido se perdeu um pouco com o tempo. Temos grandes times que foram vencedores, que eram times bem organizados, com bons jogadores. Basta ver que um dos jogadores mais habilidosos surgidos no Brasil nos últimos 30 anos - que não tem nada a ver com pancadaria, com raça, mas tem a ver com qualidade – é Ronaldinho Gaúcho . Então, as particularidades do futebol gaúcho são restritivas. 

IHU On-Line - Quais os principais pontos que marcam a trajetória histórica do futebol gaúcho?

Fabiano Baldasso – Existem vários pontos importantes na história do futebol gaúcho que o tornam especial. Não cito apenas a dupla Gre-Nal. Se fizermos uma recuperação histórica, veremos que o Cruzeiro de Porto Alegre, que subiu para a primeira divisão esta semana, sendo um time que fez uma excursão na década de 50 pela Europa e empatou com o Real Madrid, teremos um confronto absolutamente emblemático em 1972, no Beira Rio, em que a seleção brasileira empatou com a seleção gaúcha em 3 x 3, com o estádio lotado, e todos curiosamente não estavam torcendo para a seleção brasileira, e sim para a seleção gaúcha. Tanto que esta estava encaminhando uma vitória e foi feito um acordo no intervalo para que a seleção gaúcha deixasse empatar o jogo. Esse é um momento emblemático no que diz respeito à nossa paixão pelo futebol no Rio Grande do Sul. E daí temos a história de títulos da dupla Gre-Nal. Temos o Internacional “conquistando” o Brasil em 1975, a primeira conquista de maior expressão no futebol gaúcho; tem o título invicto do Inter em 1979, no campeonato brasileiro, que nunca mais, certamente, vai se repetir; tem o Grêmio conquistando o mundo em 1983, e isso abriu para o futebol gaúcho e brasileiro uma força maior na própria Libertadores da América, tanto que o Internacional lutou muito nos anos seguintes para conquistar essa Libertadores, que só veio conquistar em 2006; tem o time do Felipão , do Grêmio de 1995, que era tido por muitos como um time violento, mas que, na verdade, era um time de muita qualidade e só por isso foi campeão das competições em que participou. Temos figuras do futebol gaúcho que são emblemáticas, como o Ronaldinho Gaúcho, o Falcão , que inclusive não é gaúcho, é catarinense, mas é representativo do futebol gaúcho como um jogador de absoluta finesse no futebol, que jogava de cabeça erguida e é tido como exemplo por muitos até hoje. 

IHU On-Line - Como definir a rivalidade entre Grêmio e Internacional? O que caracteriza esse duelo futebolístico e como isso acaba passando para outros setores da sociedade, que transcendem o cenário esportivo?

Fabiano Baldasso – Totalmente transcende o cenário esportivo. Somos um estado de dualidades: maragatos e chimangos, PT e anti-PT. Sempre fomos assim. Temos dois lados no Rio Grande do Sul. Ou estamos de um ou estamos de outro. No caso da dupla Gre-Nal, isso é absolutamente representativo. Dentro dessas dualidades importantes, a rivalidade da dupla Gre-Nal é a principal do Rio Grande do Sul. Aqui, no estado, ou se torce para Inter ou para Grêmio, e quem disser algo diferente disso está mentindo. Existem vários jornalistas esportivos que dizem torcer para o Cruzeiro ou que nunca tiveram time. Que nada. Todos, um dia, tiveram time, todos, um dia, torceram para o Inter ou para o Grêmio. Tanto que, aqui no estado, qualquer jornalista esportivo que frequenta estádio de futebol decidir abrir o time para o qual torce não consegue mais trabalhar do outro lado. Isso só nós temos. A maior rivalidade do futebol brasileiro certamente é a do futebol gaúcho. Temos outros estados com a dualidade, mas não é uma rivalidade tão forte. Por exemplo, em Minas Gerais, temos o Atlético Mineiro e o Cruzeiro, que são duas grandes equipes, os dois maiores clubes do estado. Mas, esses tempos, um deles ganhou de cinco a zero do outro e foi tratado como um resultado expressivo, mas, no outro dia, estava esquecido. Aqui, no Rio Grande do Sul, se dá cinco a zero para o Inter ou para o Grêmio num clássico Gre-Nal, no outro dia, cai a direção, cai o técnico e caem os jogadores do time que perdeu; acontece uma hecatombe no Rio Grande do Sul. A rivalidade da dupla Gre-Nal deve ser preservada. E aqui não falo de violência. Porque nós temos alguns setores de torcidas organizadas que acham que rivalidade é isso, e não é. Mas também acho que não se deve ter um clima absolutamente amistoso entre Grêmio e Internacional. Tem que ser cada um do seu lado, sem violência, mas, de vez em quando, com alguma provocação. Essa história de que o Grêmio está decidindo um campeonato, então eu que sou colorado vou torcer para o Grêmio porque é o futebol do Rio Grande do Sul é algo que não existe, e quando existir aqui no estado acaba a rivalidade.  

IHU On-Line - Quais as principais marcas deixadas em você nas coberturas de tantos Gre-Nais?

Fabiano Baldasso – Existem várias. Sou jornalista esportivo desde 1996. Sem dúvida, a primeira principal marca de um clássico Gre-Nal que eu cobri foi o jogo dos cinco a dois, em 1997, em que o Internacional venceu o Grêmio por uma goleada no estádio Olímpico. Existem outros Gre-Nais importantes, em que o Grêmio ganhou. Lembro de uma sequência forte do Internacional de vitórias em clássicos. No ano de 2003, em que o Grêmio corria o risco de cair para a segunda divisão, e o Inter tinha um time fantástico naquele ano, e o Grêmio conseguiu vencer o clássico Gre-Nal com gol do Christian . Foi um momento emblemático, mostrando que, no Gre-Nal, as forças se igualam. Já estive em coberturas de títulos importantes da dupla Gre-Nal e que foram marcantes, como a conquista do Grêmio da Copa do Brasil de 1997, ou do Internacional na Libertadores e no Mundial de 2006. Tenho muito orgulho de ser jornalista esportivo no Rio Grande do Sul. Pelo que é a dupla Gre-Nal e pelas suas conquistas, e especialmente pela própria característica da imprensa gaúcha, que é forte, que cobra bastante, e tem a ver com a forte rivalidade que temos aqui.   

IHU On-Line - Como entender a paixão do brasileiro pelo futebol?

Fabiano Baldasso – É porque gostar de futebol é de graça. Assistir futebol não é. Mas bater uma bola com os amigos é de graça. O povo brasileiro, que sempre foi sofrido, teve uma espécie de escape no esporte. E o nosso esporte foi o futebol desde sempre. Os ingleses que inventaram o futebol não o amam tanto quanto o brasileiro. Isso acabou se tornando uma bola de neve, porque foram surgindo grandes jogadores, que serviram de exemplo para crianças, que quiseram se tornar grandes jogadores também e, com isso, temos uma renovação interminável no futebol brasileiro. E como conquistamos títulos importantes em nível internacional, nosso futebol continua sendo exemplo para essa meninada que segue apaixonada pelo esporte. Ser brasileiro e ser amante do futebol são coisas que se confundem pelo que significa o futebol para nossa nação.

IHU On-Line - Em que medida o futebol contribui para a formação da identidade nacional?

Fabiano Baldasso – Totalmente. Lembro que, em 1994, foi feita uma pesquisa sobre a felicidade do povo brasileiro. Depois de vários anos em que o brasileiro não se colocava como um povo feliz, naquele ano de 1994, em que o Brasil tinha reconquistado o título mundial com a Copa do Mundo, o brasileiro se considerou um povo feliz. Se o futebol tem a capacidade de fazer com que qualquer brasileiro, de qualquer canto do país, possa dizer “neste ano eu fui feliz porque a minha seleção foi campeã do mundo”, ele já se justifica. Aí alguém pode dizer que isso é para fugir dos problemas, é um escape. Isso não me interessa. Se a pessoa se considera feliz por causa do futebol é porque o futebol já se justifica por isso. Outra coisa: futebol é uma fonte de empregos. Quantas pessoas, no Brasil, são envolvidas com futebol? Temos aquela imagem da meia dúzia de jogadores dos grandes clubes que ganham R$ 200 mil ou R$ 300 mil. Mas quantos salários mínimos ganham muitos e muitos jogadores de futebol por qualquer canto do país e se sustentam pelo futebol? E não é só o jogador. É o cara que cuida do gramado, é o que cuida das finanças do clube. Em todos os cantos, existe alguém envolvido com o futebol, ganhando dinheiro com o esporte e, muitas vezes, sustentando-se com ele. O futebol é refletido em todo e qualquer canto deste país, em toda e qualquer sociedade, seja a mais pobre, a classe média, ou a rica.

IHU On-Line - Quais as principais diferenças na relação do torcedor brasileiro com a seleção (principalmente agora, em época de Copa do Mundo) e com seus times do coração? 

Fabiano Baldasso – Temos algo, no Rio Grande do Sul, que está embutido na cabeça de muitas pessoas - eu até nem concordo com isso - que é a história da República do Pampa. Existe um sentimento, aqui no estado, de que nós somos diferentes do resto do Brasil, que somos uma pátria diferente dentro de outra pátria, por isso, a relação com a seleção brasileira é complemente diferente do resto do país. Aqui, no Rio Grande do Sul, não existe amor pela seleção brasileira. Aqui se ama o Grêmio ou se ama o Internacional. É possível que a maioria torça, de alguma forma, para a seleção durante a Copa do Mundo, mas também é possível que muitos não torçam para a seleção brasileira, ou até “sequem” a seleção por considerarem que o Grêmio e o Internacional são muito mais importantes. E, no resto do país, vamos percebendo algumas diferenças. Por exemplo, no Rio de Janeiro, neste momento, em meio à Copa do Mundo, há ruas fechadas, pintadas de verde e amarelo, com as pessoas parando para torcer para a seleção brasileira. No nordeste, acontece da mesma forma. Quanto mais para o sul se chega, isso vai diminuindo. Mas também, em Santa Catarina e Paraná, se torce bastante para a seleção brasileira. Agora, no Rio Grande do Sul, se torce pouco.

IHU On-Line – Qual sua avaliação de Dunga na condução da seleção brasileira?

Fabiano Baldasso – Eu sou gaúcho, e o Dunga  não está me representando na seleção brasileira. Porque se ser gaúcho é ser mal-educado, eu não quero ser representando dessa forma. Dunga tem algumas coisas positivas e muitas coisas negativas no comando técnico da seleção brasileira. E estou falando isso em meio a uma Copa do Mundo, em que ele pode ser campeão. Não vou mudar minha opinião nem se ele for campeão do mundo. Vejo no Dunga um técnico inexperiente, que está fazendo um trabalho de razoável para bom e que está buscando o título. Dunga não entende que existem algumas situações na vida em que precisamos ser políticos. Ele não tem essa intenção e considera uma qualidade não ser político. Eu considero um defeito. Quem é técnico da seleção brasileira, no momento em que está dando uma entrevista, como treinador, deixa de ser simplesmente um profissional de futebol. Ele passa a ser o embaixador do Brasil no planeta Terra. E isso Dunga não conseguiu entender. Essa briga do Dunga com a imprensa não serve para ele e fica feio, porque se foi o tempo em que o Dunga apenas ficava bravo quando sofria críticas que considerava injustas. Dunga simplesmente abriu uma guerra contra a imprensa. E o torcedor não quer saber disso. Ele está pouco preocupado se Dunga está prejudicando a imprensa ou vice-versa. Ele extrapolou todos os limites. Foi mal-educado, grosseiro, desrespeitou a figura dos jornalistas. Ele não estava preparado para ser técnico da seleção brasileira justamente por não estar preparado para sofrer pressão. Técnico da seleção brasileira vai sofrer pressão e ser criticado 24 horas por dia. Se não estiver preparado para isso, vai fazer outra coisa na vida: vai ser caixa de banco, que é uma profissão admirável, mas que não sofre pressão nenhuma. Acho que o Dunga podia pensar nisso para a sequência.

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