Edição 334 | 21 Junho 2010

“O Brasil não é tão poderoso quanto o futebol nacional”

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Graziela Wolfart

Para o jornalista Nando Gross, o primeiro esporte nacional é o futebol, o segundo é aquele onde algum brasileiro tem chances de vitória 

Em entrevista concedida, por e-mail, para a IHU On-Line, o jornalista Nando Gross defende que o futebol contribui no sentido de dar a todos os brasileiros uma maior autoestima. “Quando a seleção brasileira está jogando, todos se envolvem, até mesmo quem não gosta de futebol. É um processo de união nacional em torno de uma causa. No dia-a-dia, o futebol é sempre motivo para um bom papo ou, infelizmente, para muitas brigas”. No entanto, ele alerta: “tentar utilizar o futebol para fins de ‘identidade nacional’ é sempre algo perigoso, cheira a manipulação e ‘fábrica de ilusões’. O Brasil não é tão poderoso quanto o futebol nacional”. E dispara: “no futebol valem os mesmos valores morais e éticos do que em qualquer outra ocasião”.

Luis Fernando Moretti Gross é formado em Jornalismo pela PUCRS e é comentarista esportivo da Rádio Gaúcha de Porto Alegre, RS.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - No seu blog, você deixa claro que o assunto preferido no Brasil é futebol. O que justifica a preferência, em geral, do brasileiro por esse esporte?

Nando Gross - O futebol é o primeiro esporte de vários países, especialmente no continente europeu. Os brasileiros sempre foram apaixonados por futebol, mas isto aumentou na medida em que nossos jogadores conseguiram se impor nas copas de 1958 e 1962. O brasileiro torce por quem tem chances de vitória. Como, no futebol, somos o que existe de melhor, a popularidade aumenta ainda mais. Na Fórmula-1, quando temos alguém para realmente vencer, todos torcem euforicamente, não é por nada que Ayrton Senna  conquistou o coração de todos. Foi assim no tênis, com Guga ; no vôlei, desde que passamos a ter um time vencedor; na natação, mais recentemente com César Cielo ; enfim: o primeiro esporte nacional é o futebol, o segundo é aquele onde algum brasileiro tem chances de vitória.

IHU On-Line - Como caracterizar a "paranoia Grenal"?

Nando Gross - A rivalidade é saudável, a paranoia não. Os clubes perdem patrocinadores e dinheiro com isso. Quando um deles faz alguma promoção, é obrigado a convidar o rival, caso contrário, ninguém quer patrocinar, com medo de represálias. Sem falar no processo de “idiotização” que o fanatismo impõe em algumas pessoas, que passam a agir de forma agressiva e perdem por completo o “contato com a terra”. Vejo pessoas que se comportam, no ambiente do futebol, de uma forma como jamais fariam em outros ambientes. O termo paranoia já deixa claro o quanto isto é ruim.

IHU On-Line - Qual a peculiaridade do futebol gaúcho atual? Como a cultura do povo gaúcho se relaciona com a forma dos rio-grandenses viverem o futebol?

Nando Gross - Os gaúchos curtem o futebol da mesma forma que todos os brasileiros, não há grandes diferenças. Podemos apenas salientar que, por termos um estado dividido pela paixão entre dois clubes, a rivalidade é maior porque é um contra o outro. Grêmio e Inter têm pouquíssimos jogadores nascidos no Rio Grande do Sul em seus elencos. O estilo gaúcho depende do treinador em questão e das características dos jogadores em atividade.

IHU On-Line - Em uma entrevista recente, o ex-jogador Sócrates associou a condução de Dunga na seleção com o fato de ele ser gaúcho, e fez uma conexão entre o conservadorismo do time e as origens do técnico. Isso tem fundamento?

Nando Gross - Pobre do filósofo Sócrates , o ex-jogador nada tem em comum com ele. Teríamos de discutir o que é conservadorismo. Seriam conservadores os gaúchos que se insurgiram contra o império na Guerra dos Farrapos , ou na campanha da legalidade, ou quando sediaram o Fórum Social Mundial  para combater a turma de Davos? Os gaúchos foram os primeiros a experimentar um governo do PT, e o primeiro estado a aceitar o atual presidente Lula. Mas toda generalização é burra, é um erro achar que todo o gaúcho é isto ou aquilo. Sócrates não faz a menor ideia do que disse, não saberia desenvolver o assunto. Até para criticar o técnico da seleção, ele se atrapalha com as palavras. Jogou bem futebol, mas ficamos por aí, não dá para levar muito a sério o que ele fala.

IHU On-Line - Os gaúchos são os mais reacionários ou são vistos de maneira diferente pelos outros? 

Nando Gross - Os gaúchos são brasileiros como todos os demais, com suas características e estilos próprios de quem convive com o frio e na ponta do país. Porto Alegre é uma capital de vanguarda e não tem nada de reacionária. Os baianos são diferentes dos cariocas, que são diferentes dos paulistas, que são diferentes dos mineiros, que são diferentes dos baianos. O Brasil é um país continental, com diversas culturas, e, por isso, ele é tão fascinante.

IHU On-Line - Em que medida o futebol contribui para a formação da identidade nacional?

Nando Gross - Contribui no sentido de dar a todos uma maior autoestima. Quando a seleção brasileira está jogando, todos se envolvem, até mesmo quem não gosta de futebol. É um processo de união nacional em torno de uma causa. No dia-a-dia, o futebol é sempre motivo para um bom papo ou, infelizmente, para muitas brigas. Mas ele contribui na medida do esporte, não é o fundamental. Tentar utilizar o futebol para fins de "identidade nacional" é sempre algo perigoso, cheira a manipulação e "fábrica de ilusões". O Brasil não é tão poderoso quanto o futebol nacional.

IHU On-Line - Podemos afirmar que o futebol contribui para determinar o caráter e a ação das pessoas?

Nando Gross - Com certeza. Já achei que conhecia algumas pessoas, e, quando me deparei com elas envolvidas numa causa futebolística, fiquei surpreso. A paixão clubística leva pessoas de bem a agirem como verdadeiros animais muitas vezes. Já perdi alguns amigos simplesmente porque não tinha a mesma opinião que eles. O futebol passa às pessoas uma sensação de impunidade, tipo: no futebol vale tudo, é hora de extravasar. Não é assim, no futebol valem os mesmos valores morais e éticos do que em qualquer outra ocasião.

IHU On-Line - Quais os desafios de ser comentarista no futebol gaúcho?

Nando Gross - O maior desafio é a "paranoia" Gre-Nal. Qualquer opinião sua que desagrade um torcedor, o mais comum é se ouvir: está dizendo isso porque é gremista ou colorado. É sempre esta simplificação. Além disso, por termos apenas dois clubes de massa, o torcedor cobra que você fale sempre sobre este assunto. Na Gaúcha, comando o Sala de Domingo, programa de debates à uma hora da tarde. Costumamos sair da dupla e falar de futebol em geral. Sempre há quem reclame. Mas quem vai comentar futebol precisa ter a clara medida de que está se metendo em algo muito delicado. Criticar o time de alguém é como falar de um parente muito próximo, aquela história, você pode criticar seu filho ou sua mãe, mas não gosta que ninguém critique. Não é diferente no futebol, e é preciso saber lidar com isto.

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