Edição 333 | 14 Junho 2010

A expulsão dos Jesuítas do Grão-Pará e Maranhão

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Patricia Fachin

Luiz Fernando Medeiros Rodrigues considera que a expulsão dos jesuítas da América portuguesa, em 1759, afetou de forma direta a um número importante de pessoas, instituições e bens móveis e imóveis e, indiretamente, a todas as instâncias da monarquia portuguesa

Dia 17 de junho acontece a palestra “Conquista recuperada e liberdade restituída: a expulsão dos Jesuítas do Grão-Pará e Maranhão (1759)”. O Prof. Dr. Luiz Fernando Rodrigues, da Unisinos, falará sobre o tema. A atividade é um pré-evento do XII Simpósio Internacional IHU: A Experiência Missioneira, que será realizado na Unisinos de 25 a 28 de outubro deste ano.

Para adiantar o tema aos leitores da IHU On-Line, entrevistamos por e-mail o professor Luiz Fernando, que explica que o atentado ao rei D. José I “inseriu-se na escalada anti-jesuítica que, de certa forma, teve o seu maior conflito com a aplicação do Tratado de Madrid (1750) no sul da América Portuguesa, onde os jesuítas espanhóis mantinham as suas reduções com os índios guarani, e em 1755, após o terremoto que destruiu Lisboa, com os vaticínios do P. Gabriel Malagrida. Neste sentido, entendeu-se que o atentado ao rei fora fruto de uma aliança entre a nobreza ressentida e os jesuítas”. (...) Ao contextualizar historicamente o episódio da expulsão dos Jesuítas do Grão-Pará e Maranhão, Luiz Fernando Rodrigues esclarece que “D. José I e Sebastião José acreditavam que, esmagando a força dos jesuítas, estariam eliminando o principal entrave político interno para um maior controle da economia por parte do Estado, o que possibilitaria a formação de forças políticas mais racionais de fomento manufatureiro. E o Grão-Pará era peça central nesta nova política de fomento. Daí que o extermínio dos jesuítas propiciaria o estabelecimento de um controle do Estado sobre todos os aspectos da sociedade civil, permitindo a construção de uma sociedade cujas atitudes sociais futuras seriam mais adequadas com a visão que Sebastião José tinha das Luzes do século XVIII”. E declara: “as relações político-econômicas entre a América Luso-espanhola e a Europa foram essencialmente marcadas pela ação dos jesuítas”.

Professor do PPG em História da Unisinos, Luiz Fernando Medeiros Rodrigues, SJ, voltou recentemente à universidade, após 23 anos de vida e trabalho em Roma. Ele é o atual curador adjunto do Memorial Jesuíta. Doutor em História Eclesiástica pela Pontifícia Universidade Gregoriana, de Roma, Itália, seus temas de pesquisa são missões e congregações religiosas na América Colonial; fontes missionárias e história indígena na Amazônia; crônicas e cronistas coloniais; e historiografia colonial.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - O senhor pode contextualizar o momento histórico em que ocorre o episódio da expulsão dos jesuítas do Grão-Pará e Maranhão, em 1759?

Luiz Fernando Rodrigues - Ao subir ao trono em 1750, D. José I aliou-se a alguns segmentos da sociedade portuguesa interessados em promover tanto a reforma do Estado quanto da própria sociedade portuguesa. O processo reformador que então se iniciou iria convulsionar o reino Português e suas colônias até a sua morte, em 1777. O conjunto destas ações reformistas foi concebido no gabinete de seu ministro de estado da guerra e dos negócios estrangeiros, Sebastião José de Carvalho e Melo. Em linhas gerais, as ações deflagradas por Sebastião José buscavam, conforme o espírito do assim chamado século das luzes, implantar no reino português modelos econômicos e políticos já desenvolvidos tanto na Inglaterra quanto na Áustria e, através deles, resolver os problemas estruturais de Portugal.

Uma situação crítica para o reino português

Para se entender o alcance e a urgência da implantação destas reformas, deve-se ter presente que o tratado de Methuen – assim denominado, em honra do seu negociador britânico, John Methuen -, celebrado entre Portugal e Inglaterra em 1703, inseria Portugal no contexto da reordenação da ordem da política internacional da época. Neste sentido, a Inglaterra capitalizava a sua economia e isolava politicamente a França e a Espanha, no quadro da guerra de sucessão espanhola. Ora, as consequências da aplicação deste tratado geraram uma situação - que podemos definir – crítica para o reino português, tanto para a metrópole quanto para suas colônias. Inglaterra e Portugal comprometiam-se numa aliança ofensiva e defensiva e estabeleciam um acordo econômico. No conflito europeu, Portugal aliava-se com a Inglaterra; no acordo econômico, a Inglaterra conquistava o mercado português e consolidava a sua indústria, principalmente através do monopólio dos tecidos ingleses em Portugal, isentando-os de impostos, em troca da exclusividade da importação dos vinhos portugueses. A balança comercial era claramente favorável aos ingleses porque o volume do consumo dos manufaturados ingleses em Portugal era muito superior ao do vinho português importado pela Inglaterra, ainda mais, tendo um preço favorável, tendo em vista a popularização da produção. A consequência foi a desestimulação do inteiro setor manufatureiro lusitano, inibindo qualquer iniciativa no sentido de substituição das importações britânicas. Mesmo sem exagerar as vantagens concedidas à Inglaterra, o tratado de Methuen representou, até o reinado de D. José I, o desdobramento de uma política de subordinação da economia lusitana a grupos estrangeiros. Para Portugal, o período sucessivo a sua independência (1640) trouxera consigo graves problemas financeiros e uma guerra com a Holanda pela reconquista das áreas colônias, além do colapso do estado da Índia. De consequência, a parceria com nações estrangeiras, especialmente com a Inglaterra, representava a possibilidade de superação das graves limitações na disponibilidade de capitais. Era a extrema tentativa de dar um novo respiro ao mercantilismo português, tendo em vista as dificuldades de Portugal financiar a sua máquina estatal – burocrática e não ao passo com as necessidades que os tempos exigiam -, administrativa e militar de um império colonial que começava a sofrer a concorrência das nações hostis.

Fortalecer o poder real

Sebastião José fora diplomata em Londres e Viena e teve contato com vários intelectuais iluministas, tornado-se um ardente defensor das ideias de modernização do Estado português. Uma vez membro do gabinete do monarca, passou a aplicar com obstinado rigor e intransigência os princípios da economia e da política ilustrados, de forma nem sempre harmoniosa, convivendo com a arbitrariedade e o terror. Basicamente, tratava-se de fortalecer o poder real a fim de torná-lo de fato o executor de uma política capaz de capitalizar os setores produtivos, e propiciar o desenvolvimento manufatureiro, terminando com a fragmentação e o loteamento do aparelho do Estado. Carvalho e Melo pretendia que suas ações de poder fossem norteadas pela razão humana, capaz de tudo ordenar, inclusive a organização do Estado e da sociedade. Razão que deveria ser interpretada de forma ideal pela figura do soberano. Assim, contra o poder da razão ilustrada, qualquer outra força seria desagregadora e, portanto, desprovida de toda e qualquer legitimidade. Eram estes “interesses nacionais”, racionalmente entendidos, que deveriam nortear toda ação política e, de consequência, também econômica e social.

Um atentado ao rei

É óbvio que semelhantes impostações de governo facilmente gerariam tensões e descontentamentos, sobretudo nos setores mais tradicionais da sociedade portuguesa, tanto leiga, quanto religiosa. Sebastião José não exitará opor-se, até mesmo com o uso da violência, os setores mais tradicionais da sociedade lusitana no sentido de erradicar qualquer força política que pudesse colocar entraves ao alcance dos seus objetivos reformadores.

O motivo para uma ação definitiva advirá de uma estranha tentativa de assassinato do rei D. José I. Em setembro de 1758, quando o rei voltava da casa de sua amante, a esposa do marquês de Távora, sua carruagem foi alvejada. Ferido, o monarca recolheu-se e a rainha assumiu como regente. As investigações, durante o mês de dezembro, apontaram os membros da alta nobreza, os quais foram imediatamente presos; entre eles os integrantes da família dos Távoras (o número total de prisioneiros chegou a mais de mil, a maioria dos quais jamais foi julgada formalmente). Em 12 de janeiro de 1759, o duque de Aveiro e diversos membros da família dos Távoras foram condenados à morte.

O atentado ao rei inseriu-se na escalada anti-jesuítica que, de certa forma, teve o seu maior conflito com a aplicação do Tratado de Madrid (1750) no sul da América Portuguesa, onde os jesuítas espanhóis mantinham as suas reduções com os índios guarani, e em 1755, após o terremoto que destruiu Lisboa, com os vaticínios do P. Gabriel Malagrida. Neste sentido, entendeu-se que o atentado ao rei fora fruto de uma aliança entre a nobreza ressentida e os jesuítas. As confissões sob tortura dos supostos implicados na conspiração reuniram o P. Malagrida e os jesuítas no atentado de regicídio. Malagrida fora missionário na Vice-Província do Grão Pará e Maranhão, onde o irmão de Sebastião José, Francisco Xavier de Mendonça Furtado era governador e acusava os jesuítas de contínuas violações e abusos. O processo contra o P. Malagrida, como réu de lesa-magestade, acusado de cumplicidade da tentativa de regicídio e autor principal do atentado, foi o fio condutor para uma ação definitiva de Sebastião José para eliminar os principais opositores, entre eles, a Companhia de Jesus. D. José I e Sebastião José acreditavam que, esmagando a força dos jesuítas, estariam eliminando o principal entrave político interno para um maior controle da economia por parte do Estado, o que possibilitaria a formação de forças políticas mais racionais de fomento manufatureiro. E o Grão-Pará era peça central nesta nova política de fomento. Daí que o extermínio dos jesuítas propiciaria o estabelecimento de um controle do Estado sobre todos os aspectos da sociedade civil, permitindo a construção de uma sociedade cujas atitudes sociais futuras seriam mais adequadas com a visão que Sebastião José tinha das Luzes do século XVIII.

IHU On-Line - O que era a Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão e como ela influenciava nas missões?  

Luiz Fernando Rodrigues - No esforço de reorganização administrativa do império português, durante o ministério de Sebastião José de Carvalho e Melo, um dos objetivos principais era a nacionalização do comércio esterno português de estímulo à produção e à industrialização manufatureira no reino e da exploração racional das colônias. Esta fase também correspondeu a uma nova gestão no Estado do Maranhão e do Grão-Pará, o qual passou a constituir, em 1751, o Estado do Grão-Pará e Maranhão, tendo como governador o meio irmão de Carvalho, Francisco Xavier de Mendonça Furtado. O norte do Brasil, em especial a região amazônica sempre fora teatro de acirrada disputa entre colonos e religiosos, sobretudo jesuítas, acerca da liberdade dos índios e da mão-de-obra compulsória dos mesmos. Como desdobramento das suas Instruções Régias Públicas e Secretas, Francisco Xavier recebera dois importantes vetores para a sua ação de governo: promover a secularização da administração das aldeias e a declaração da “liberdade” dos índios, com a consequente supressão do poder temporal dos religiosos e a criação de uma companhia geral de comércio para o Grão-Pará. As instruções secretas tratavam sobre os fundamentos a serem seguidos pelo governador ao longo do seu governo. Além da preocupação pela ocupação efetiva do território e também deveria ocupar-se com a sua defesa. Estas duas linhas de governo faziam emergir três questões indissociáveis: a “liberdade dos índios”, a abolição do governo temporal das aldeias dos missionários; e o incentivo à produção e ao comércio da capitania. É no âmbito do fomento ao comércio que se concebe a criação de uma Companhia de Comércio. Segundo as cartas informativas de Francisco Xavier para o rei, os colonos necessitavam dispor de grandes capitais para a importação da escravatura africana, capitais estes que não dispunham. Assim, em 1754, o governador propôs ao monarca a instituição de uma companhia geral de comércio nacional . 

A introdução de escravos negros

Francisco Xavier cogitava uma companhia para a introdução dos escravos negros no Grão-Pará e Maranhão e, num futuro não muito distante, para abastecer de escravos também as minas de Mato Grosso. Era opinião geral que a introdução de escravos negros, aliás, ideia proposta pelo P. Antônio Vieira, prevista no Regimento das Missões de 1680, não fora suficiente para abastecer as necessidades da colônia; muito embora os colonos do Grão-Pará temessem os altos preços das “peças” vindas da África. Mendonça Furtado imaginava que a introdução de negros no mercado resolveria o crucial problema da escassez de mão-de-obra no Grão-Pará, e mudaria definitivamente a situação dos índios, assegurando-lhes liberdade e plena integração no sistema econômico-social da região. Segundo a sua análise, assim sucedera na Brasil, no século XVI. A introdução do africano como mão-de-obra meteria em movimento todo o sistema econômico: os colonos fariam os seus engenhos, enriqueceriam, e poderiam pagar mais dízimos ao monarca. E a capitania, finalmente, poderia ter os recursos necessários para construir as fortalezas necessárias ao longo da linha divisória com os espanhóis. Desta forma, a Companhia passou a ser concebida não apenas para a importação e a introdução da mão-de-obra africana no Grão-Pará, mas também como um empreendimento comercial que deveria envolver todos os setores produtivos da colônia e da metrópole; e como tal, deveria atuar tanto no desenvolvimento da produção colonial por parte dos colonos quanto no processo de nacionalização do comércio português, concorrendo com os produtos e ações das companhias estrangeiras.

A Companhia de Comércio e o papel para o Brasil

No que diz respeito à integração da criação da companhia no projeto de administração de Sebastião José, o ministro do rei articulou a fundação da Companhia de Comércio com a introdução dos negros no Grão-Pará, com a taxação das côngruas dos religiosos e com a liberdade dos índios, a fim de atuarem na mesma direção. Desta maneira, ao mesmo tempo em que se criava uma companhia para fomentar o comércio, retirava-se dos religiosos o controle que exerciam sobre a mão-de-obra indígena e sobre o próprio comércio, entregando-o a civis, revertendo tudo isto em benefícios para a coroa e provocando um círculo virtuoso na economia tanto local quanto mercantil do Atlântico Sul. A companhia foi fundada em 1755, com o poder de monopólio estabelecido em um prazo de vinte anos. Sua estrutura não é muito diferente das demais companhias de comércio da época, com acionistas e corpo administrativo. Todavia, teve um caráter fortemente estatal por força do “Alvará Secreto” de 1757 no qual a Companhia incorporou poderes governamentais. Além disso, como geralmente acontece com o estabelecimento de monopólios, a ação e a corrupção na gerência local da Companhia de Comércio geraram protestos por parte dos colonos. Além disto, na sua ação externa, a Companhia não conseguiu impedir a concorrência na África. Concluindo, creio poder afirmar que entre os historiadores não há um consenso sobre o efetivo papel da Companhia de Comércio no desenvolvimento do norte do Brasil e da sua eficiência no comércio transatlântico.

IHU On-Line - O que provocou a expulsão dos jesuítas do Grão-Pará e Maranhão?

Luiz Fernando Rodrigues - A expulsão dos Jesuítas da América portuguesa em 1759 afetou de forma direta a um número importante de pessoas, instituições e bens móveis e imóveis e, indiretamente, a todas as instâncias da monarquia portuguesa, tendo a ver com a política regalista de D. José I, encabeçada no reino pelo seu ministro, Sebastião José de Carvalho e Melo, e no Grão-Pará, pelo governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado. As causas forma múltiplas e interligadas. Aos 3 de setembro de 1759, D. José I, rei de Portugal, proclamava a lei de extermínio, proscrição e expulsão dos seus reinos e domínios ultramarinos dos regulares da Companhia de Jesus, com o imediato sequestro geral das suas casas e bens. O rei declarava os jesuítas, incorridos no seu desagrado e, portanto, «Notorios Rebeldes, Traidores, Adversarios, e Aggressores». Para os jesuítas do Pará e Maranhão, tratava-se de um clamoroso ato da monarquia que significava um trágico desfecho, numa longa série de atritos entre os religiosos da Vice-Província do Grão-Pará e Maranhão, o bispo do Pará, D. Fr. Miguel de Bulhões, O.P., e o governador Francisco Xavier, a respeito do empenho dos jesuítas para proteger os índios, mantendo-os apartados da sociedade colonial, e a exigência dos colonos de desfrutar sem restrições o trabalho indígena, num processo de integração e domínio territorial da Amazônia portuguesa e de fomento comercial com a metrópole. Como pano de fundo, pode-se individuar uma causa fundamental: a “liberdade” dos índios como condição sine qua non para o estabelecimento da tão deseja implantação de uma nova forma de exploração do trabalho na colônia portuguesa. Portanto, tratava-se da questão do domínio sobre a mão-de-obra indígena. Os religiosos em geral, e os jesuítas em particular, eram constantemente acusados pelos colonos e pelas autoridades locais de se aproveitarem da sua condição de missionários para extrapolar as suas funções espirituais e monopolizarem os índios para empregá-los em atividades de interesses particulares, “arruinando” a economia local. Outro ponto de atrito, estreitamente ligado a este, foi a secularização das aldeias administradas pelos religiosos. A preocupação da coroa com o poder temporal dos religiosos, suas fazendas e cabedais, foi continuamente alimentada pelas denúncias do governador do Grão-Pará, as quais atribuíam ao domínio dos religiosos (leia-se sempre, dos Jesuítas) sobre os índios a principal causa da “ruína” daquela capitania. Conforme suas denúncias, os jesuítas obstruíam com todas as suas forças e de todas as formas possíveis o acesso ao trabalho indígena aos colonos, destruindo suas plantações e lavouras, absorvendo para si próprios o inteiro comércio da capitania; e, de consequência, acumulando bens e capital de forma restrita entre os seus colégios, residências e missões, em detrimento dos demais moradores da capitania e do almoxarifado do Grão-Pará. Para o governador, o poder dos jesuítas baseava-se nas aldeias que administravam e nas fazendas que possuíam, sendo imperioso retirar-lhes a administração das aldeias e a propriedade das fazendas, e entregá-las à administração civil. Desta forma, seriam arrecadados os dízimos suficientes (que os religiosos eram isentos) para cobrir as despesas com as côngruas dos missionários e ainda sobraria o suficiente para a geração de capitais para os cofres reais.

Todavia, a questão da abolição do governo temporal esbarrava numa outra questão igualmente importante: a alegada obstrução dos jesuítas à execução do Tratado de Limites de 1750 no norte do Brasil. De fato, Francisco Xavier abonava a acusa contra os jesuítas enquanto sabotadores e, portanto, responsáveis pelo fracasso das partidas de delimitação das fronteiras no norte da colônia portuguesa na América, além de promoverem escravizações injustas e de realizarem contrabando com os jesuítas espanhóis. As questões econômicas ligadas aos jesuítas e a resistência que fizeram diante das medidas de secularização das missões, na conjuntura de um anti-jesuitísmo europeu e do antenado a D. José, culminaram com a expulsão dos Jesuítas no Estado do Grão Pará e Maranhão.

IHU On-Line - Qual a influência, neste episódio, de Marques de Pombal e da política religiosa de Portugal da época?  

Luiz Fernando Rodrigues - Por muito tempo, a historiografia luso-brasileira considerou a história da Companhia de Jesus no Brasil e em Portugal, entre 1750 e 1777, como a história da “Época pombalina”. Ocupava-se então unicamente com a figura de Sebastião José de Carvalho e Melo, Conde de Oeiras e Marques de Pombal. Todavia, com o desenvolvimento das pesquisas, velhos posicionamentos sobre a expulsão dos jesuítas foram ultrapassados. Hoje, considera-se a efetiva responsabilidade de D. José I e da sua participação nas ações comandadas por Pombal contra os jesuítas.  As medidas políticas de reforma com cunho regalista se inseriram no movimento europeu de atitudes basicamente antijesuíta intimamente ligados com a problemática econômica e social do Brasil e de Portugal. Após a criação da Companhia Geral de Agricultura das Vinhas do Aldo Douro, em 1756, a reação contrária da população da cidade do Porto culminou com o motim popular da quarta-feira de cinzas de 1757. A atribuição de um suposto envolvimento de jesuítas no motim foi causa para primeira e importante medida antijesuíta concreta em Portugal: a demissão de todos os jesuítas ao serviço da corte de Lisboa. Em 21 de setembro de 1757, os jesuítas foram expulsos da corte e foi emitida uma proibição geral de entrada na corte a todos os membros da Companhia de Jesus. Antecipando uma possível reação de Roma, devido à relevância do direito eclesiástico de acusações aduzidas a uma ordem religiosa, o embaixador português em Roma, Francisco de Almada e Mendonça, foi instruído, em 8 de outubro de 1757, para justificar a corte portuguesa perante o Papa bento XIV. A missão era de apresentar uma extensa lista de queixas contra os jesuítas. Na audiência de 9 de março de 1758, Portugal colocava os termos da questão: total extinção da Companhia de Jesus ou uma rigorosa reforma dos jesuítas em Portugal e suas colônias. A partir daí, abre-se uma ofensiva diplomática de Almada e Mendonça, buscando o apoio dos membros do colégio cardinalício, que terminou com a nomeação do cardeal português Francisco Saldanha para reformador e visitador da Província portuguesa da Companhia de Jesus. O breve papal foi datado em 1 de abril de 1758. A visitação à Companhia não fez outra coisa que acirrar ainda mais a repressão às atividades civis e pastorais dos jesuítas, especialmente no Brasil.

Malagrida e o atentado ao rei

Um segundo ato importante contra a Companhia foi a falsa acusa de envolvimento do P. Malagrida no atentado ao monarca. Malagrida, afastado de Lisboa, em degredo, enquanto confessor da velha marquesa de Távora, atraiu suspeitas sobre a sua participação. Regressou, em dezembro ao colégio de Santo Antão de Lisboa, onde, na noite de 12 de janeiro de 1759, com outros nove jesuítas, dados como possíveis cúmplices, foi detido. O prosseguimento do processo desembocou no decreto de 19 de janeiro de 1759, o qual determinou o imediato confisco de todos os bens da Companhia de Jesus. E o motivo direto apresentado pelo decreto era a fictícia participação dos jesuítas na conspiração contra o rei. Por traz de todas estas ações estava a mente e a mão de Sebastião José de Carvalho e Melo, fiel executor da vontade de D. José. Os fatos que se seguiram culminaram com a expulsão dos jesuítas, degredo e aprisionamento para a maior parte destes. Pois bem, de problema interno, resolvido com a expulsão, foi elevado a questão internacional. O primeiro passo nesta internacionalização da questão jesuíta foi o corte das relações diplomáticas entre Portugal e a Cúria de Roma, no ano seguinte à expulsão dos jesuítas. Enquanto crítico à visitação de Saldanha, o núncio Acciaiuoli, já em 1758, tinha protestado oficialmente contra a injustificada suspensão de todos os jesuítas de suas atividades no Patriarcado de Lisboa, o que, junto a Sebastião José e ao próprio Saldanha, valeu-lhe a reputação de “amigo dos jesuítas”. Depois do decreto de expulsão deu-se o confronto aberto entre o núncio e os adversários da Companhia, muito embora, devido à confusa situação, Acciaiuoli, a partir do outono de 1758, se tivesse distanciado dos jesuítas. Em 24 de setembro de 1760, Clemente XIII nomeou-o cardeal. A demora de reconhecimento da sua nomeação foi fato indicativo de um primeiro alheamento entre o soberano português e o núncio. Em 15 de junho de 1760, o núncio foi expulso com o pretexto da sua violação do protocolo por ocasião da cerimônia de casamento da infanta D. Maria. Em julho, os súditos portugueses residentes na corte romana foram intimados a abandonar os Estados da Igreja. Consumava-se a ruptura das relações diplomáticas entre Portugal e a Santa Sé.

O antijesuitismo na Europa

A orientação dos outros Estados na Europa pelo modo de proceder antijesuítico de Portugal é patente numa informativa do embaixador português em Roma, Almada e Mendonça, a Sebastião José, referido-se a ação da Corte de Viena, a qual afastara os jesuítas da Universidade. Pode-se dizer, portanto, que após a decisão fundamental de Lisboa contra a Companhia de Jesus, os círculos concêntricos do antijesuitismo na Europa foram traçados de forma cada vez mais estreita. A todos os níveis, a Companhia de Jesus foi rapidamente liquidada a exemplo do que fizera Portugal. Por sua parte, também nos Estados da Igreja, os jesuítas forma destituídos de toda e qualquer possibilidade de ação apostólica e espiritual. A propaganda pombalina, inclusive com uma imprensa clandestina em Lugano, reafirmava – em Roma e no restante da Europa - de forma martelante a clara incompatibilidade entre a política de reformas dos governos esclarecidos e a estrutura internacional da Companhia de Jesus. Talvez o fato mais chocante foi que a “reforma” de setores da Igreja foi encabeçada por meio da ação do poder civil, marginalizando os máximos porta-estandartes do poder papal, os jesuítas.

IHU On-Line - Como este episódio repercutiu na imagem dos Jesuítas na sociedade européia, brasileira e nos Estados da Igreja?

Luiz Fernando Rodrigues - Os efeitos da expulsão da Companhia de Jesus foram múltiplos, especialmente os pastorais e os culturais, bem como eventuais reações que se seguiram. Tais consequências não se explicam sem se compreender o alto grau de adesão da Companhia, tanto nas populações urbanas, quanto entre os próprios índios das missões. Dito em outro modo, as imagens da Companhia de Jesus eram ao menos duas e uma só: havia uma imagem que o antijesuitismo criara; mas havia também a imagem de profundo engajamento dos jesuítas nos seus respectivos campos de apostolado. Como não podia deixar de ser, a expulsão dos Jesuítas refletiu-se nas interpretações que passaram então a ser feitas sobre a natureza histórica de tal evento. Tratava-se de um momento marcado pela difusão do pensamento ilustrado, intrinsecamente em oposição à fidelidade jesuítica ao papado, à racionalidade da filosofia escolástica e ao modelo cultural e ideológico de defesa dos índios dos quais a Companhia de Jesus era a máxima expressão. Neste movimento de despotismo ilustrado, as extremas medidas adotadas por D. José e pelo seu ministro, Sebastião José de Carvalho e Melo, contra os jesuítas, em geral, foram saudadas como benfeitoras dos povos e triunfo da razão iluminada . Os que ousaram interferir com tal política e defender os jesuítas ou foram perseguidos ou obrigados a buscar quer a efêmera proteção no Estado Pontifício, que logo também baniria a Companhia de Jesus, quer, excepcionalmente, da Rússia de Catarina II, que abrigaria no seu Império ao que restava da Companhia. A furiosa campanha anti-jesuítiva, em linha de máxima, gerada pela máquina propagandística pombalina sediada em Lisboa e Lugano, difundiu-se por quase todos os estados da Europa ocidental .

O “dedo na ferida” de Portugal

O impacto da expulsão da Companhia de Jesus de Portugal e seus domínios continuou a monopolizar o debate político-cultural dos intelectuais e dos simples cidadãos portugueses e brasileiros. De modo geral, a imagem que ficava era a de que o rei e o seu primeiro ministro, proclamando o ato da expulsão dos jesuítas, teriam posto o “dedo na ferida” quanto às causas da decadência político-econômica e moral de Portugal e, sobretudo, no Ultramar. Em outras palavras, a coroa teria adotado uma série de medidas reformistas de caráter político-econômico no sentido de sedimentar a autonomia do Estado e de fomentar a industrialização manufatureira do Reino, abatendo as forças contrárias, representadas em primeira instância pela Companhia de Jesus. A Companhia de Jesus e a sua ação missionária, especialmente na Amazônia, eram vistas como eminentemente prejudiciais e, até mesmo, adversárias do bem comum da sociedade; dotada de um caráter nocivo, comprovado pela ampla campanha de panfletos anti-jesuíticos. Aos jesuítas do Grão-Pará imputava-se a responsabilidade pela estagnação de todos os setores da vida dos colonos, e, em consequência, da própria inviabilidade das reformas intentadas. Por outro lado, algumas poucas e tímidas vozes denunciaram a sequência de atos pombalinos, como atos fundados exclusivamente no arbítrio do despotismo e na criminal violência de um governo que esquecia voluntariamente as tradições cristãs sob as quais fundava a razão de ser do próprio Reino e a partir das quais deveria orientar a sua ação e política de administração. Mas no seu complexo, o imaginário popular de toda a Europa, inclusive na corte pontifícia, reteve o retrato da Companhia difundido pelos vários panfletos da época nos quais os jesuítas são apresentados como criminais, conspiradores, assassinos e ávidos ladrões.

IHU On-Line - Por que o senhor usa os termos “conquista recuperada” e “liberdade restituída” para falar do episódio? 

Luiz Fernando Rodrigues - Em março de 1759, quando Francisco Xavier de Mendonça Furtado entregou definitivamente a administração do governo do Estado do Pará ao seu sucessor (Manuel Bernardo de Melo e Castro - 3.3.1759) e se preparava para embarcar para Lisboa, José Gonçalves da Fonseca, até então seu secretário na administração do Estado, pronunciou o discurso encomiástico, cujo título era Conquista recuperada e liberdade restituída . Com magna pompa, o autor exaltava a ação governativa de Francisco Xavier, reconquistando a Capitania do Grão-Pará, indevidamente apropriada pelos religiosos da Companhia de Jesus, e a restituição da liberdade aos índios e colonos, seus escravos. Creio que estes termos sintetizam de ótima maneira o centro das tensões que se estabeleceram no Grão-Pará e Maranhão entre as autoridades governamentais e eclesiásticas, os colonos e a Companhia de Jesus. A Companhia era acusada de ter conquistado política e economicamente o Grão-Pará ao Estado português. As ações de governo de Francisco Xavier teriam revertido a situação, reconquistado a soberania portuguesa da capitania e devolvendo legitimidade de governo aos portugueses. Por outro lado, os jesuítas, sob o pretexto da missionação dos indígenas, teriam, de fato, submetidos os índios a um regime de escravidão, impedindo-os de gozarem da liberdade de súditos portugueses qual eram. Desta forma, segundo José Gonçalves da Fonseca, ao opor-se à ingerência da Companhia de Jesus nos negócios do Estado naquela capitania, e por extensão, em toda a América portuguesa, Francisco Xavier teria efetivamente restituído a posse territorial a Portugal e restituído a liberdade dos índios.

IHU On-Line - Em que sentido esse episódio contribui para as reflexões a cerca da experiência missioneira jesuítica nos 400 anos da fundação das primeiras reduções da Província da Companhia de Jesus do Paraguai?  

Luiz Fernando Rodrigues - Entre a experiência missioneira jesuítica das primeiras reduções da Província jesuítica do Paraguai e a expulsão dos jesuítas do Brasil, em 1759, emerge a complexidade do desenvolvimento histórico das ações da Companhia de Jesus, onde se percebem coesões e fragmentações e, no meio disto, um extraordinário brilho intelectual e apostólico. Em certo sentido, poder-se dizer que as relações político-econômicas entre a América Luso-espanhola e a Europa foram essencialmente marcadas pela ação dos jesuítas. A expulsão dos jesuítas do Brasil, em concomitância com todos os demais do império português, anunciou à Companhia de Jesus a irresistibilidade de uma grande viragem da experiência reducional cuja máxima expressão concretizou-se justamente nas reduções paraguaias. Por conseguinte, não se pode entender a onda antijesuítica do século XVIII, que avançará sobre todas as instituições, sem considerar a história missionária portuguesa e espanhola na América. Daí que a importância da fundação das primeiras reduções no Paraguai está intimamente ligada tanto ao processo das relações político-diplomáticas quanto ao plano cultural e das ideias, entre América e Europa, que influiu na questão jesuítica.

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