Edição 332 | 07 Junho 2010

A pílula anticoncepcional e o ensino da Igreja

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Graziela Wolfart e Márcia Junges

Juan Masiá esclarece que o uso da pílula não está condenado pela Igreja, mas só e simplesmente negado por algumas orientações da Igreja, das quais se pode e deve dissentir responsável e respeitosamente

“A separação da sexualidade e da procriação teve indubitavelmente repercussão muito positiva para a independência e a autonomia da mulher”. A afirmação é do teólogo jesuíta espanhol Juan Masiá. Em entrevista concedida, por e-mail, para a IHU On-Line, Masiá defende que é apenas uma parte da Igreja, sobretudo sua cúpula dirigente, que “continua sem se libertar de uma antropologia e uma teologia antiquadas”. E explica que “outra parte da Igreja, que se sente livre para discordar de seus dirigentes nestes temas que são discutíveis e controvertidos, não vê razão nenhuma para negar a contracepção”. Segundo Masiá, “a teologia moral renovada, enriquecida com uma antropologia não dualista nem machista sobre a corporalidade e a sexualidade, vem pensando assim há mais de meio século”.

O jesuíta Juan Masiá é professor de Ética na Universidade Sofia (Tóquio) desde 1970. Foi diretor da Cátedra de Bioética da Universidade Pontifícia Comillas, assessor da Associação de Médicos Católicos do Japão, conselheiro da Associação de Bioética do Japão, pesquisador do Centro de Estudos sobre a Paz da seção japonesa da Conferência Mundial das Religiões pela Paz (WCRP), além de colaborador do Centro Social “Pedro Claver”, da Companhia de Jesus, em Tóquio. Seu blog pessoal, intitulado Vivir y Pensar en la Frontera pode ser consultado em http://blogs.periodistadigital.com/vivirypensarenlafrontera.php.

Sobre o tema, leia também a entrevista com Márcio Fabri dos Anjos, intitulada Anticoncepcionais e Igreja: Humanae Vitae, 40 anos depois, publicada em 22-04-2008.  
 
Confira a entrevista.

IHU On-Line - Quais as principais revoluções sociais do século XX que foram influenciadas pela pílula?

Juan Masiá - A separação da sexualidade e da procriação teve indubitavelmente repercussão muito positiva para a independência e a autonomia da mulher, assim como sua participação no mundo do trabalho, a compatibilidade da dedicação vocacional a uma profissão e a dedicação à vida familiar.

IHU On-Line - O que a pílula realmente conseguiu? Qual o maior avanço social que ela trouxe?

Juan Masiá - Os avanços sociais recém mencionados estão muito relacionados com a libertação que o controle da concepção presume para o estilo de vida conjugal, familiar e profissional. Mas me parece que seria insuficiente dizer que tudo isso foi “uma vitória da pílula”, como se fosse uma espécie de “magia eficaz”. Na base desses avanços e das citadas revoluções sociais, há duas grandes mudanças culturais muito decisivas: a primeira, passagem da dependência para a autonomia da mulher; a segunda, a separação, nas relações sexuais, da finalidade de procriação com a finalidade de união.
 
IHU On-Line - Por que a Igreja ainda tem tanta resistência em relação ao uso da pílula?

Juan Masiá - Em vez de dizer que a Igreja continua tendo resistência ao uso da pílula, prefiro dizer que uma parte da Igreja, sobretudo sua cúpula dirigente, continua sem se libertar de uma antropologia e uma teologia antiquadas. Mas outra parte da Igreja, que se sente livre para discordar de seus dirigentes nestes temas que são discutíveis e controvertidos, não vê razão nenhuma para negar a contracepção. A teologia moral renovada, enriquecida com uma antropologia não dualista nem machista sobre a corporalidade e a sexualidade, vem pensando assim há mais de meio século.

IHU On-Line - 50 anos depois da invenção da pílula e 40 anos depois da encíclica Humanae Vitae , o que mudou na sociedade e na Igreja em relação ao controle de natalidade?

Juan Masiá - Infelizmente, não mudaram muitas das coisas que deveriam ter mudado. Mas mudou, felizmente, a maneira de receber as orientações eclesiásticas sobre temas discutíveis e controvertidos como este. Hoje sabemos que se pode e se deve discordar dessas orientações, sem que isso signifique estar fora da Igreja. Temos mais claro que, ainda que um documento papal ou episcopal diga algo contra o preservativo ou a pílula, não é uma questão de fé, nem uma questão de falta de moral, nem uma questão de obediência eclesiástica e que, portanto, pode-se discordar se sentindo Igreja e na Igreja.

IHU On-Line - No cenário atual, qual deve ser a mensagem de Deus em relação à fecundidade humana e à responsabilidade ética em seu desempenho?

Juan Masiá - Que o casal se faça sincera e autenticamente as três perguntas-chave: Sou honesto comigo mesmo nesta relação? Sou honesto para com meu/minha parceiro/a nesta relação? Somos responsáveis pelas consequências desta relação?

IHU On-Line - Que alternativas em relação à concepção humana a Igreja oferece para as mulheres do século XXI?

Juan Masiá - Que seja o casal quem responsavelmente e em consciência decida quando e como sua relação se encaminhará para a procriação e quando e como sua vida sexual realizará outras finalidades, como a de fomentar e cultivar sua intimidade.

IHU On-Line - De forma geral, como a Igreja lida eticamente com as tecnologias tão próximas da fecundidade humana, como a pílula anticoncepcional, por exemplo?

Juan Masiá - Tanto os recursos tecnológicos como aqueles que não dependem de tecnologias deveriam se submeter ao mesmo critério das três perguntas mencionadas antes. Um grande equívoco do magistério eclesiástico, que causou muitos mal-entendidos, é a insistência em considerar bom tudo o que é chamado “natural” e considerar eticamente mal tudo o que é chamado “artificial”. A Igreja deveria deixar de vez de perguntar se um recurso contraceptivo é artificial ou natural. Tanto uns como outros serão bons se usados responsavelmente. O critério não é se algo é natural ou artificial, mas se seu uso é responsável ou irresponsável.

IHU On-Line - Como se confrontam a postura da teologia da libertação, preocupada com os mais pobres (muitas vezes as superpopulações são as mais pobres) e o combate ao uso da pílula anticoncepcional, condenado pela Igreja?

Juan Masiá - Não deveríamos dizer “condenado pela Igreja”. Deixemos essa frase para as questões que tenham a ver com o credo. O uso da pílula não está condenado pela Igreja, mas só e simplesmente negado por algumas orientações da Igreja, das quais se pode e deve dissentir responsável e respeitosamente.

IHU On-Line - Com a pílula anticoncepcional, a mulher ganhou mais autonomia na sociedade. Como a Igreja vê, nesse sentindo, o ganho de autonomia da mulher?

Juan Masiá - A Igreja deveria ver isso muito bem, além de fomentar e promover essa autonomia. Mas temo que uma parte dos dirigentes da Igreja ainda resista a ver dessa forma. O laicato responsável deveria continuar insistindo para corrigir esta mentalidade retrógrada na Igreja.

Leia mais...

>> Juan Masiá já concedeu outra entrevista à IHU On-Line:

* Respeito à dignidade humana: um elo para a liberdade nas relações afetivas. Entrevista publicada na IHU On-Line número 253, de 07-04-2008.

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