Edição 331 | 31 Mai 2010

O idioma guarani e suas variações

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Patricia Fachin

Embora o guarani seja considerado um dos idiomas oficiais do Mercosul, ainda não é possível contabilizar o número de falantes, enfatiza Valéria Faria Cardoso

A língua guarani e suas variações dialetais como Kaiowá, mbyá e nhandewa pertencem à família Tupi-Guarani. Essa família, por sua vez, “é constituída de um conjunto de línguas que se reconhece descenderem de uma língua anterior, neste caso, pré-colombiana e não documentada historicamente. Convencionou-se chamar Proto-Tupi-Guarani a língua ancestral da família Tupi-Guarani, sendo sua existência concluída a partir de correspondências sistemáticas entre os sons, as gramáticas e os vocabulários das línguas desta família”, explica Valéria Faria Cardoso, professora de Letras da Universidade do Estado de Mato Grosso – Unemat.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, Valéria menciona que os dialetos guarani falados no Brasil “ainda não possuem uma grafia unificada” e tendem a “acompanhar a grafia do guarani falado no Paraguai”, país em que a língua também é considerada oficial. Valéria Faria Cardoso possui graduação em Licenciatura Plena em Letras e mestrado em Linguistica pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS. Cursou doutorado em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) com a tese Aspectos Morfossintáticos da Língua Kaiowá (Guarani). Atualmente, leciona na Universidade do Estado do Mato Grosso, no Departamento de Letras.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Qual o significado da palavra guarani?

Valéria Faria Cardoso - O significado corrente para a palavra “guarani” é “guerreiro”. Certamente, aplicado para designar, a princípio, o povo guarani - povo guerreiro - e não a língua guarani. 

IHU On-Line - Qual a origem do idioma guarani? A que família linguística pertence a língua guarani e quais são suas variações?

Valéria Faria Cardoso - As línguas do mundo são classificadas em famílias linguísticas segundo um critério genético. Entende-se, por família linguística, o grupo de línguas para as quais se formula a hipótese de que têm uma mesma origem. No caso, a língua guarani (ou ainda suas variações dialetais: o kaiowá, o mbyá e o nhandewa) é classificada como pertencente à família Tupi-Guarani. Esta família, por sua vez, é constituída de um conjunto de línguas que se reconhece descenderem de uma língua anterior, neste caso, pré-colombiana e não documentada historicamente. Convencionou-se chamar Proto-Tupi-Guarani a língua ancestral da família Tupi-Guarani, sendo sua existência concluída a partir de correspondências sistemáticas entre os sons, as gramáticas e os vocabulários das línguas desta família. Por fim, a família Tupi-Guarani e outras nove famílias linguísticas indígenas “são reconhecidas como aparentadas geneticamente num nível mais remoto, constituindo um conjunto adjacente, a que se chama tronco linguístico, neste caso o tronco Tupi.

IHU On-Line - Em 2007, o guarani recebeu o status de língua oficial do Mercosul. Quantos indígenas falam o idioma atualmente?

Valéria Faria Cardoso - Atualmente, os guarani constituem-se numa população indígena expressiva, ocupando um espaço territorial que abrange vários países da América do Sul. Seguramente, esta é uma das razões pelo qual o guarani recebeu esta condição de língua oficial do Mercosul, juntamente com o português e o castelhano. Segundo a Comissão Nacional de Terras Guarani, há, no território brasileiro, cerca de 46.000 índios guarani que vivem nos estados do Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo.

No que se refere ao número de falantes do idioma guarani, ou de qualquer outra língua indígena brasileira, não há informações precisas, apenas estimativas e aproximações. Entretanto, este quadro será modificado porque o IBGE realizará o XII censo demográfico, ainda em 2010, e, pela primeira vez, fará um levantamento do número de línguas indígenas faladas em nosso país e, provavelmente, o número de falantes para cada uma delas.

IHU On-Line - Como a senhora caracteriza a linguagem falada entre os guarani?

Valéria Faria Cardoso - A pesquisa linguística que desenvolvo desde 1998 refere-se à linguagem falada pelo grupo kaiowá (guarani) que vive na microrregião da Grande Dourados, MS. Em minha tese, para além da classificação genética do guarani, tido como língua, e do kaiowá, tido como dialeto desta língua, considerei outros critérios como sendo proporcionalmente relevantes, tendo em vista que estão diretamente ligados à identificação da linguagem dos kaiowá. São eles: a reconquista de terras; a busca da autoidentificação; a valorização de sua cultura e o reconhecimento de sua variedade linguística como língua. Então, a partir destas discrições, propus que a questão da delimitação referente à linguagem falada entre os guarani kaiowá seja entendida como sendo mais uma questão política do que linguística. E assim, concluí que a variedade linguística falada por cerca de 20 mil brasileiros kaiowá é a língua kaiowá.

IHU On-Line - Qual é a relação entre as modalidades oral e escrita na língua guarani?

Valéria Faria Cardoso - Os dialetos guarani falados no Brasil ainda não possuem uma grafia unificada. Comumente os textos produzidos na modalidade escrita tendem a acompanhar a grafia do guarani falado no Paraguai, uma vez que, neste país, o guarani também é língua oficial.

IHU On-Line - Em que consistem os estudos gramaticais da língua guarani? Eles possuem uma gramática própria?

Valéria Faria Cardoso - Sim, a gramática do guarani é tipologicamente bastante complexa. Os estudos linguísticos que tomaram o guarani como objeto de análise, em geral, consistem em descrever e analisar densamente os seus diferentes níveis de linguagem, visando contribuir para o conhecimento de outras línguas indígenas da família Tupi-Guarani, bem como de outra filiação genética, além de procurarmos cooperar com o desenvolvimento de novas formulações teóricas, ou ainda, possibilitar reajustes e/ou reformulações de hipóteses e teorias.

IHU On-Line - Existe produção escrita na língua guarani? Como obras literárias, por exemplo? O que eles escrevem e leem?

Valéria Faria Cardoso - Essencialmente não. No Brasil, a produção escrita em língua guarani é ínfima. Em geral, restringem-se à produção de cartilhas escolares aprontadas por ONGs, textos curtos sobre a cultura guarani, além de apostilados sobre AIDS, DST, entre outros assuntos relativos à saúde preventiva, produzidos pelo Ministério da Saúde etc. Por fim, é notória a necessidade de elaboração de dicionários, gramática de referência e materiais de leitura que visem a auxiliar trabalhos em escolas de educação bilíngue das comunidades indígenas brasileiras e de outras localidades.

IHU On-Line - A língua guarani sofreu influências de outros idiomas como o português e o castelhano?

Valéria Faria Cardoso - Sim, sabe-se que, por longo tempo, as línguas europeias e as línguas ameríndias têm coexistido em condições de típica diglossia. Esta diglossia na América Latina está associada a uma complexa estrutura sócio-política existente deste os tempos da colonização.
Sobre as influências linguísticas entre estas línguas, considera-se que há uma relação de contato linguístico íntimo estabelecido entre o guarani e o castelhano no Paraguai, por exemplo, que resultou no crioulo linguístico - o Jopará. Já no Brasil, a situação de contato linguístico entre o guarani e o português resulta em empréstimos linguísticos que apontam também para mudanças linguísticas no guarani, língua receptora.

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