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Dênis de Moraes
Na maior parte da rede mundial de computadores, não existem centros controladores, pontos fixos de enunciação, regras mercadológicas determinantes ou filtros ideológicos. A despeito da crescente comercialização de espaços virtuais, a variedade de usos da Internet tem favorecido práticas comunicacionais que propõem alternativas à lógica mercantil e aos monopólios de expressão predominantes nas indústrias de informação e entretenimento.
A comunicação em rede permite o entrosamento de grupos e comunidades em torno de objetivos consensuais, impulsionando sociabilidades à distância que estimulam aspirações convergentes e partilhas sem ambições lucrativas. Com isso, abre-se a chance de se formarem teias de afinidades e modalidades de difusão sem subordinação aos critérios midiáticos de seleção e hierarquização dos conteúdos em circulação.
As redes podem desempenhar um papel estratégico como elemento organizador e articulador de movimentos reivindicatórios no seio da sociedade civil, sobretudo em torno de temas e anseios semelhantes, aí incluídas contestações ao modo de produção capitalista e à mercantilização dos bens simbólicos. As junções de interesses aparecem em listas de discussão, chats, correio eletrônico, redes sociais, fóruns, blogs e videoconferências. A instantaneidade, a transmissão descentralizada, a abrangência global, a rapidez e o barateamento de custos tornam-se vantagens ponderáveis.
A tecnologia avançada passa a ser utilizada como dispositivo de produção cognitiva e criativa para realçar ações sociopolíticas em escala global. Um bom exemplo são as coberturas compartilhadas de fóruns sociais. Agências de notícias e coletivos apropriam-se das ferramentas digitais para instituir permutas de textos, imagens e arquivos sonoros, ampliando a geração de conteúdos. As interpretações dos fatos tendem a diversificar-se, tornando possíveis manifestações do contraditório e a divulgação de questões sintonizadas com o ideal da emancipação.
Em tais dinâmicas colaborativas, é essencial gerar e socializar materiais noticiosos e conhecimentos, numa perspectiva crítica e participativa. O trabalho compartilhado recusa tanto a transformação da informação em mercadoria quanto a sujeição dos processos jornalísticos à busca da mais-valia. A produção informativa insere-se em um espaço de pertencimento e cooperação, com base em modos flexíveis de organização, divisão e complementaridade de tarefas.
Os avanços já alcançados não devem, contudo, alimentar falsas ilusões. A Internet não tem o condão de suprimir barreiras entre os inforricos e os infopobres, embora contribua para a multiplicação das fontes de informação. Também não se trata de substituir o mundo vivido pela realidade virtual, nem de subestimar mediações sociais e mecanismos clássicos de representação política. O que se almeja é agregar aos meios convencionais as ferramentas viabilizadas pela digitalização.
Ainda é tímida a ressonância social das webmídias. Isso tem a ver com o cenário de forte concentração da mídia nas mãos de poucos grupos privados e dinastias familiares, com o consequente controle ideológico sobre o que é difundido. Outro obstáculo é a exclusão digital, em função de desigualdades socioeconômicas e descompassos entre países desenvolvidos e periféricos quanto ao acesso e ao usufruto das tecnologias.
Portanto, não basta ter o compromisso ético-político com a informação veraz e plural; é preciso contar com políticas consequentes e suportes técnicos capazes de intensificar fluxos alternativos de dados, sons e imagens - o que envolve custos, know how, infraestrutura adequada e capacitação.
A consolidação da comunicação contra-hegemônica em rede depende de uma série de fatores: 1) aumentar a sua visibilidade através de campanhas e ações específicas; 2) aproveitar recursos multimídias (blogs, twitter, vídeos, arquivos sonoros, avisos instantâneos por celulares, páginas wiki, plataformas php, tecnologia flash) e canais digitais (webtvs e web-rádios acessíveis por streaming); 3) tornar a linguagem editorial mais acessível; 4) incluir representantes da sociedade civil na gestão de redes públicas; 5) aumentar substancialmente o número de usuários, o que depende da superação de entraves econômicos e tecnológicos; 6) fomentar projetos de inclusão digital, conciliando soluções tecnológicas com programas educativos; 7) garantir formação técnica condizente a profissionais de comunicação; 8) captar patrocínios e publicidade não comercial; 9) universalizar a infraestrutura em banda larga.
À luz do exposto, podemos concluir que, mesmo com limitações e desafios a superar, o ecossistema da Internet oferece condições para se potencializar a participação de segmentos sociais empenhados na defesa de causas democráticas e do pluralismo, fazendo supor que, progressivamente, poderá contribuir para vulnerabilizar a cadeia viciosa de dependência à mídia hegemônica.
* Professor do Departamento de Estudos Culturais e Mídia da Universidade Federal Fluminense e pesquisador do CNPq e da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). Autor de A batalha da mídia (2009) e organizador de Mutações do visível: da comunicação de massa à comunicação em rede (2010), entre outros livros.