Edição 329 | 17 Mai 2010

IHU Repórter - Marluza Marques Harres

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Para a professora do curso de graduação e pós-graduação em História, Marluza Marques Harres, a escolha profissional foi algo natural e gradativo e está diretamente relacionada com a sua dedicação aos estudos. Há 20 anos trabalhando na universidade, ela já foi coordenadora do PPG em História, representante dos professores no CONSUN e hoje se dedica à pesquisa. Na entrevista que segue, ela relembra alguns momentos desta trajetória e resgata lembranças da época de estudante. Confira.

 

Origens – Nasci em Sananduva, uma cidade na área da colonização italiana, próxima a Passo Fundo. A família de meu pai é de Itaqui, da zona da fronteira, é de origem portuguesa (Marques) e espanhola (Escobar). Ele era funcionário público estadual e, por exigência do trabalho, acabou indo parar na área colonial, pois foi instalar as Exatorias Estaduais nessa região, primeiro em Lagoa Vermelha e depois em Sananduva. Foi quando conheceu a minha mãe, de origem italiana (Viacelli). Tenho mais três irmãos; eu sou a caçula. Quando os filhos começaram a crescer, meu pai resolveu pedir transferência para alguma localidade mais perto de Porto Alegre, passando a trabalhar em São Leopoldo. Então, moro na cidade desde pequena e me sinto leopoldense.

Estudos – Fiz a graduação em História na Unisinos. A minha trajetória está relacionada com os professores da graduação e com os colegas. Continuo trabalhando com alguns dos amigos que fiz no período da graduação, como as professores Eliane Deckmann Fleck, Maria Cristina Bohn Martins, Luiz Fernando Rodrigues, Paulo Staudt Moreira e o Marcos Tramontini. Da graduação, tenho ótimas lembranças e, mais do que isso, considero fundamental o aprendizado que tive nessa etapa da minha formação.  A professora Helga Piccolo nos ensinou os caminhos da pesquisa e dos acervos e nos deu outra visão do que era a História, considerando efetivamente a perspectiva da pesquisa. O padre Ignácio Schmitz e a professora Ítala Becker também tinham essa vivência de pesquisa e conseguiram nos mostrar um  outro horizonte de trabalho. Isso nos estimulou a seguir a carreira acadêmica. Já a paixão pelo curso foi uma herança da professora Beatriz Franzen.

Família - Casei muito nova, em 1976, e logo tive meu primeiro filho, Thiago. Nunca senti a família como um empecilho. Quando tive meus filhos, naturalmente, diminuí a intensidade do trabalho e dos estudos, mas nunca parei. Sempre contei com total apoio do meu esposo, e ele foi categórico no sentido de me incentivar a continuar minha vida profissional. Meu segundo filho, Pedro, nasceu sete anos depois. Apesar da diferença de idade, eles são amigos e parceiros. Thiago é advogado, formado pela UNISINOS, e trabalha num escritório de advocacia. Pedro cursou Relações Audiovisuais, na Unisinos, e é assistente de direção na produtora de Otto Guerra.

Vida em família - Sou muito apegada à família, estou sempre atenta e acompanhando a trajetória dos meus filhos. Também sou uma tia muito presente na vida dos meus quinze sobrinhos. Recentemente, eu assumi as festas da família e gosto muito de fazer esse trabalho de congraçamento familiar. Considero fundamental o compartilhamento da memória que esses momentos proporcionam. Minha mãe mora em São Leopoldo. Tenho uma relação muito forte e intensa com ela.

Mestrado e doutorado – Morei no Rio de Janeiro por três anos, época em que fiz um curso de especialização no Museu Nacional, o que reforçou a minha determinação de fazer pesquisa histórica. A oportunidade de fazer esse curso apareceu em função da carreira do meu esposo, Silvio Harres. Ele é médico e foi estudar acupuntura no Rio de Janeiro, numa época em que essa terapêutica não era ainda reconhecida como especialidade médica, era um grande sonho para ele, buscava uma forma de tratar as pessoas que não dependesse tanto dos medicamentos. Quando retornamos para o estado, em 1988, ingressei no mestrado, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS e, em seguida, cursei o doutorado na mesma instituição. Terminei o doutorado em 2002.

Trajetória profissional – Meu primeiro emprego foi no Colégio Sinodal, trabalhando com o Ensino Médio. Depois fiz concurso na Fundação Liberato e trabalhei, aproximadamente uns cinco anos, lecionando história para os alunos dos cursos técnicos. Ingressei na Unisinos, em 1989, quando recém tinha iniciado o mestrado. Sou professora da graduação e pós-graduação em História. Fui coordenadora do PPG durante os últimos dois anos. Foi uma experiência muito boa, mas, se tivesse de exercer o cargo por mais tempo, perderia minha identidade de pesquisadora. A gestão absorve muito e é difícil conciliar o ritmo da pesquisa com as tarefas da administração. 

Não é fácil conciliar carreira profissional e família, mas acho que consegui fazer isso muito bem. Quando fiz o doutorado, minha família se queixava muito porque eu não participava dos encontros. Realmente, esse foi o período em que fiquei mais reclusa.

Penso que acabei sendo feliz na minha trajetória profissional, faço essa avaliação porque ela não foi racionalizada, planejada – sou uma pessoa mais intuitiva. Hoje, os jovens já têm de projetar o futuro. Para mim, isso foi algo natural e gradativo. Quando me pego pensando na época da graduação, vejo que nada naquela época me dizia que teria essa trajetória. Lembrando das conversas com os colegas, nós não pensávamos e nem sonhávamos com uma carreira naquele momento. Nem mesmo cursar História foi uma decisão pronta e totalmente segura, o certo é que eu sempre gostei de estudar. Então, a profissão, nesse sentido, possibilitou e ainda possibilita isso.

Área de estudo – Depois de um período atuando como professora na Unisinos, fui convidada, pelo Coordenador, prof. Dr. Arthur Blásio Rambo, a integrar o programa de Pós-Graduação em História na condição de pesquisadora em treinamento. Tive, então, a oportunidade, em atendimento a uma indicação da Pós-Graduação, de trabalhar como historiadora em um grande projeto interdisciplinar na área ambiental, liderado pelo curso de Geologia. O projeto abrangia toda a bacia do rio Camaquã e foi desenvolvido por bastante tempo, acho que ficamos de 1994 até 2004, dez anos, pesquisando sobre essa área. Descobri com essa experiência que trabalho muito bem em equipe, com coletivos, tenho facilidade e sinto-me estimulada pelo diálogo e com as parcerias. Aprendi a observação in loco com os geólogos e, a partir desse trabalho, comecei a utilizar a metodologia da história oral. Meu doutorado nasceu da relação entre a história ambiental e a história agrária, pois, investiguei a política agrária do Governo Leonel Brizola (1958-1962) para essa região do Camaquã, que foi palco no surgimento do Movimento dos Agricultores Sem Terra do Rio Grande do Sul - Master, ligado ao Partido Trabalhista Brasileiro – PTB.   Atualmente, continuo trabalhando sobre as questões do mundo rural, explorando outras formas históricas de organização, representadas pelo Cooperativismo rural.

Lazer – Temos um sítio na cidade de Igrejinha, e gosto muito de passar os finais de semana lá. Adoro cuidar do jardim, da horta ou do pomar. Por muitos anos, fomos regularmente para o sítio, infelizmente, a estrada está sem manutenção e está ficando inclusive perigosa. Penso que esse apreço que tenho pela natureza está relacionado à minha origem materna, pois, minha mãe foi criada na colônia.
Faço ginástica para manter a saúde. É uma necessidade. Tenho que ter muita disciplina para manter a regularidade nas aulas, pois, nunca tive o perfil de esportista. Assisto à televisão, mas não muito, aprecio mais ir ao cinema. Nas horas de folga ainda prefiro ler.

Religião – Sou católica. Quando meu pai faleceu, minha mãe comprou uma casa no bairro Cristo Rei, em São Leopoldo. Essa área da cidade ficou, para mim, marcada pela lembrança do Padre Reus. Lembro que minha avó vinha do interior, e nós íamos sempre fazer uma visita ao santuário Padre Reus. Também íamos passear nos jardins do Cristo Rei. O universo católico é algo muito forte em minha família. Não faço nenhum trabalho junto à Igreja, mas prezo muito os referenciais cristãos e rezo sempre que sinto necessidade. 

Sonhos – Tenho muitos. Minha meta em curto prazo é transformar meu doutorado em um ou dois livros. Estou envolvida num projeto da prefeitura de revitalização do centro antigo de São Leopoldo. Tenho muitas expectativas em relação a ele porque envolve a cidade. A área central de São Leopoldo está necessitando de atenção. Então, participar, de alguma forma, da possibilidade de transformar positivamente essa área é algo importante.

Unisinos – A Unisinos passou por um crescimento muito importante. Fico surpresa porque fui aluna ainda na sede antiga. A universidade se transformou numa potência na região. Percebo que está se desenhando um novo projeto para a Unisinos por meio do desenvolvimento tecnológico. Vejo positivamente que o reitor, padre Marcelo Fernandes de Aquino, não está perdendo de vista o papel que deve representar a reflexão da área das humanas nesse processo. O avanço da técnica e da tecnologia desestabilizam nossos referenciais éticos. A área das humanas tem condições de oferecer subsídios para essa reflexão. As nossas referências do humanismo e da modernidade precisam ser repensadas, redefinidas. Precisamos nos situar nesse momento novo.

IHU – Sou admiradora do trabalho do IHU, embora perceba que professores e alunos acompanham pouco a intensa atividade programada. Achava que isso acontecia por falta de comunicação, mas avalio que também ocorre devido à intensificação do trabalho. Sou defensora de que se deva repensar a jornada de trabalho em geral. Houve um ganho de produtividade muito grande nos últimos 15 anos, e isso não está contabilizado. Essa é uma discussão muito incipiente, e o IHU tem contribuído ao tratar desse problema nas suas notícias e nos seus eventos. Trabalhamos muito hoje, e nossos alunos também. É difícil trabalhar, estudar e ainda encontrar tempo para participar dessas atividades e incorporá-las ao nosso processo de aprendizagem.

Um grupo de professoras e eu brincávamos que o IHU era uma casinha de bonecas, um lugar livre para brincar e sonhar. Ele consegue ser um polo arejado de pensamento e inovação na área das humanas. O PPG em História fez uma parceria com o IHU para realizar o XII Simpósio Internacional IHU – A experiência missioneira. Território, cultura e identidade. Estamos muito contentes.

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