Edição 329 | 17 Mai 2010

Pentecostalismo: traços históricos

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Graziela Wolfart

Para o historiador e doutor em História da Igreja, Alderi Souza de Matos, o pentecostalismo produziu transformações gigantescas no protestantismo brasileiro

O professor do Instituto Presbiteriano Mackenzie, Alderi Souza de Matos, faz uma retrospectiva histórica do pentecostalismo no Brasil e no mundo. Ele explica que o pentecostalismo é “filho de um movimento surgido nos Estados Unidos, chamado Holiness, ou santidade; este, por sua vez, é filho do metodismo, que é filho do anglicanismo. Essa seria a genealogia do movimento pentecostal”. Na entrevista que concedeu à IHU On-Line por telefone, Alderi, afirma que “as pregações ao ar livre, os cultos evangelistas com apelos fortemente emocionais, um novo estilo de música, as manifestações físicas, com pessoas levantando as mãos e batendo palmas, dizendo glória, aleluia etc., tudo isso é herança do movimento pentecostal”. Seguindo sua análise, o professor esclarece que “no protestantismo tradicional sempre houve uma extrema valorização da vida espiritual, das realidades transcendentais em contraste com as realidades do mundo material, que era considerado de menor importância para o crente. O neopentecostalismo defende que não tem problema em aceitar esse mundo, de querer ser rico e importante, porque isso é bênção de Deus”. E acrescenta: “a riqueza e o sucesso são apontados como provas da fidelidade a Deus e das benções de Deus sobre a vida das pessoas, criando uma espiritualidade individualista, egocêntrica, onde a pessoa só busca seus projetos e objetivos pessoais, deixando de lado os interesses da comunidade. No entanto, há coisas positivas também. Muita gente foi beneficiada pelo trabalho das igrejas pentecostais. Muitas famílias e comunidades foram transformadas”.

Alderi Souza de Matos possui graduação em Teologia pelo Seminário Presbiteriano do Sul, de Campinas-SP, graduação em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, graduação em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba, mestrado em Novo Testamento pela Andover Newton Theological School e doutorado em História da Igreja pelo Boston University School of Theology. É autor de, entre outros, Os Pioneiros Presbiterianos do Brasil (1859-1900): Missionários, Pastores e Leigos do Século 19 (São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004); A caminhada cristã na história: a Bíblia, a igreja e a sociedade ontem e hoje (Viçosa - MG: Editora Ultimato, 2005); Fundamentos da teologia histórica (São Paulo: Editora Mundo Cristão, 2008); e Uma igreja peregrina: história da Igreja Presbiteriana do Brasil de 1959 a 2009 (São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2009).

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Quais as origens do pentecostalismo e como foi seu ingresso no Brasil?

Alderi Souza de Matos – O surgimento do chamado pentecostalismo moderno – porque houve algumas manifestações do tipo pentecostal em outros séculos da história da Igreja - surgiu nos primeiros anos do século XX, exatamente a partir de 1901, em diferentes pontos dos EUA. Houve uma primeira manifestação no estado do Kansas, na cidade de Topeka, mas o que deu realmente notoriedade e fama para o movimento pentecostal inicial e o que começou a torná-lo um movimento internacional foi o famoso Avivamento da Rua Azusa , em Los Angeles, em 1906. Esse episódio se deu sob a liderança de um pastor negro chamado William Seymour . Como tinham pessoas de muitas etnias e nacionalidades participando deste avivamento da Rua Azusa, isso contribuiu para a rápida difusão do movimento, não só nos Estados Unidos, mas em outros países. Tanto é que, quatro anos depois, o pentecostalismo chegou no Brasil. No entanto, dentro de pouco tempo, houve outra cidade dos Estados Unidos que se tornou um grande centro do movimento pentecostal: Chicago.

IHU On-Line - Quais os principais pontos que marcam a história do pentecostalismo no Brasil?

Alderi Souza de Matos – Aqui, no Brasil, o movimento começou em 1910, com a Igreja Congregação Cristã no Brasil, através de um pregador chamado Luigi Francescon , o pioneiro pentecostal no Brasil. No ano seguinte, em 1911, chegou o segundo grupo, Assembleia de Deus. Francescon baseou suas atividades em São Paulo, e a Assembleia de Deus, em Belém do Pará. Daniel Berg  e Gunnar Vingren , dois missionários suecos que tinham sido batistas e depois se tornaram pentecostais, foram os fundadores da Assembleia de Deus no Brasil. Isso significa que essas duas igrejas agora estão completando seu centenário. Segundo Paul Freston , um sociólogo muito conhecido nos meios evangélicos e um grande estudioso do protestantismo brasileiro, há três ondas, três períodos de implantação do pentecostalismo no Brasil. A primeira onda é representada por essas duas igrejas antigas. A segunda onda é dos anos 40 e 50, quando o pentecostalismo se tornou mais urbano, e surgiram igrejas como a do Evangelho Quadrangular , a Igreja Pentecostal o Brasil para Cristo  e, um pouco depois, a Igreja Deus é amor . E a partir dos anos 70, a terceira onda, que é o neopentecostalismo, começou com a Igreja Universal do Reino de Deus, de Edir Macedo , que foi fundada em 1977, no Rio de Janeiro. Outras dessa onda são a Igreja Internacional da Graça de Deus e a Igreja Mundial do Poder de Deus ; inclusive os nomes são muito parecidos. 

IHU On-Line - Quais os movimentos religiosos na história da Igreja que antecederam o pentecostalismo e explicam seu surgimento? Por exemplo, qual a influência do metodismo para o pentecostalismo?

Alderi Souza de Matos – O pentecostalismo está dentro de um gênero de manifestação religiosa que chamamos de entusiasmo religioso. Entusiasmo vem de “en” (prefixo que significa dentro) e “Theos”, que é Deus, e significa Deus dentro, sendo uma palavra de origem religiosa. E as manifestações entusiásticas ou carismáticas, como também são chamadas, têm ocorrido no cristianismo desde seus primórdios. A primeira que se conhece na história da igreja foi o movimento montanista, na segunda metade do segundo século, mais ou menos por volta do ano 170. Esse movimento ocorreu na Ásia menor, atual Turquia, numa região chamada Frigia, e o fundador foi o profeta cristão Montano, que se considerava o porta-voz do Espírito Santo, e anunciou para breve o fim do mundo. Ele era acompanhado por duas profetisas: Maximila e Priscila. Era um movimento tipicamente carismático, apelando para novas revelações, relativizando o valor da igreja, dos bispos e da própria Bíblia. Mas, depois, ao longo do tempo, da Idade Média, houve muitos movimentos desse tipo, movimentos pequenos, que acabavam sendo objeto de forte repressão por parte da igreja oficial, e não duraram muito tempo. Com certeza, depois da Reforma Protestante, multiplicaram-se essas manifestações entusiásticas, principalmente em conexão com avivamentos. O pentecostalismo tem uma genealogia. É filho de um movimento, surgido nos Estados Unidos, chamado Holiness, ou santidade; este, por sua vez, é filho do metodismo, que é filho do anglicanismo. Essa seria a genealogia do movimento pentecostal. 

IHU On-Line - Passados 100 anos da entrada do pentecostalismo no Brasil, que elementos o senhor destaca na trajetória deste movimento religioso em nosso país? 

Alderi Souza de Matos – O pentecostalismo produziu transformações gigantescas no protestantismo brasileiro. Até o surgimento do pentecostalismo, o protestantismo era composto pelas chamadas igrejas tradicionais ou históricas da Reforma. A partir do pentecostalismo, houve uma mudança radical, primeiro um crescimento exponencial do protestantismo brasileiro por causa do crescimento pentecostal, e depois os pentecostalistas introduziram, no protestantismo brasileiro, inclusive nas igrejas históricas em maior ou menor grau, uma série de crenças e práticas que hoje influenciam bastante principalmente o chamado evangelicalismo brasileiro. As pregações ao ar livre, os cultos evangelistas com apelos fortemente emocionais, um novo estilo de música, as manifestações físicas, com pessoas levantando as mãos e batendo palmas, dizendo glória, aleluia etc., tudo isso é herança do movimento pentecostal. No que diz respeito ao neopentecostalismo, essa explosão imensa representada por igrejas gigantescas, como a Igreja Universal do Reino de Deus e sua nova teologia, diferente do pentecostalismo tradicional, que é a Teologia da Prosperidade, trouxe todo um conjunto novo de valores e práticas que os pentecostais e os protestantes desconheciam até então. No protestantismo tradicional sempre houve uma extrema valorização da vida espiritual, das realidades transcendentais em contraste com as realidades do mundo material, que era considerado de menor importância para o crente. O neopentecostalismo defende que não tem problema em aceitar esse mundo, de querer ser rico e importante, porque isso é bênção de Deus.

Legado

O legado do pentecostalismo é misto. Ele trouxe contribuições valiosas, mas também trouxe elementos extremamente problemáticos e preocupantes para o protestantismo brasileiro, por exemplo, o personalismo, o culto da personalidade através desses líderes, que são quase que idolatrados por muitas igrejas e que fazem questão de criar entre seus fiéis uma profunda veneração por eles. São líderes como o Edir Macedo e o Estevam Hernandes , da Igreja Renascer em Cristo. A riqueza e o sucesso são apontados como provas da fidelidade a Deus e das benções de Deus sobre a vida das pessoas, criando uma espiritualidade individualista, egocêntrica, onde a pessoa só busca seus projetos e objetivos pessoais, deixando de lado os interesses da comunidade. No entanto, há coisas positivas também. Muita gente foi beneficiada pelo trabalho das igrejas pentecostais. Muitas famílias e comunidades foram transformadas.

IHU On-Line - Como entender que a maioria mundial de evangélicos pentecostais seja de brasileiros? O que faz do Brasil o maior país pentecostal do mundo?

Alderi Souza de Matos – Acredito que seja a índole do brasileiro. Esse jeito emotivo, sentimental da nossa cultura, do nosso caráter nacional, é especialmente propício para esse tipo de manifestação. Em outros países latino-americanos, os pentecostais também têm crescido muito, mas realmente o fenômeno do pentecostalismo brasileiro é algo impressionante em termos mundiais. O Brasil sempre foi um país de muita abertura na área religiosa para todos os tipos de manifestações, até por causa da nossa formação histórica. Temos, de um lado, a igreja católica e, de outro, a religiosidade do índio e do africano, que vieram para cá, e que tem pontos de contato com a religiosidade pentecostal. O terreno estava pronto, estava preparado através de uma história de vários séculos para o surgimento e o crescimento do movimento pentecostal no Brasil. Nosso catolicismo era muito afetivo, muito pouco dogmático, com muito pouca preocupação com doutrina, com conhecimento da Bíblia, era um catolicismo mais “do coração”, baseado nas festas, nas devoções aos santos, à Maria. E depois tem a influência da espiritualidade africana, da indígena, tudo isso criou um ambiente muito favorável, além dessa tolerância e liberdade religiosa que passou a existir no Brasil a partir do século XIX. Tudo isso facilitou muito a implantação e esse crescimento gigantesco do pentecostalismo. 

IHU On-Line - Qual a importância do pentecostalismo, nestes cem anos, para as transformações na sociedade brasileira?

Alderi Souza de Matos – Não sei se ele trouxe alguma transformação tão importante assim para a sociedade como um todo. Sua contribuição maior foi mais nesse plano individual e familiar. Aliás, essa é uma crítica que se faz: com um crescimento tão grande, como provoca um impacto tão mínimo na cultura e na sociedade brasileira? É uma contradição. As igrejas históricas, embora muito menores, deram uma contribuição social muito maior, por exemplo, através das suas escolas, da educação, coisa que o pentecostalismo não tem valorizado. Não vemos escolas pentecostais.

IHU On-Line - Quais os principais desafios atuais da tradição pentecostal?

Alderi Souza de Matos – O principal é adquirir maior maturidade, porque notamos que esses novos movimentos têm comportamentos imaturos. Por exemplo, o que mencionei antes sobre o culto da personalidade, colocando líderes num pedestal, como se fossem semideuses. Isso é um profundo sinal de imaturidade de algumas igrejas. Houve outras igrejas pentecostais que, no começo, faziam isso, e que, depois, evoluíram, amadureceram, e, hoje, não têm mais esse tipo de prática, como a Assembleia de Deus. Elas precisam enfrentar os desafios do amadurecimento e ter uma fé mais centrada nas escrituras e menos na experiência individual, além de ter um maior compromisso com a sociedade brasileira. 

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