Edição 328 | 10 Mai 2010

IHU Repórter - Luiz Rohden

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Márcia Junges e Graziela Wolfart

Amante da pesquisa filosófica e da literatura, Luiz conta, nesta entrevista, os aspectos mais marcantes de sua trajetória intelectual e pessoal. Saiba mais sobre o pai da Helena, que confessa: “adoro jogar futebol”. Confira.

“Acho que sou organizado até demais! Entre outros, aponto este como um dos meus defeitos. Com os jesuítas, desde cedo, aprendi a ser e viver de forma exageradamente disciplinada. Adoro acordar cedo e, enquanto tomo meu chimarrão, faço minha meditação, pois me considero e vivo como um contemplativo na ação”. Assim se define o professor Luiz Rohden, do PPG em Filosofia da Unisinos.

Origens – Sou natural de Caibaté, que é uma cidade muito pequena da fronteira do Rio Grande do Sul, perto de São Luiz Gonzaga. Saí muito cedo de lá, com 12 anos. Deixei meus pais, meus irmãos, e fui para o seminário dos padres jesuítas em Salvador do Sul. Eu queria sair daquele ambiente, não gostava de trabalhar na roça. Sou o filho mais velho entre seis irmãos. Meus pais nunca foram ricos, mas pagaram, com muito esforço, estudo em colégio particular para todos os filhos. Esta foi a maior e melhor herança que nos deixaram. 

Formação jesuítica - Sou remanescente daquela leva de estudantes jesuítas que ingressavam no seminário ainda adolescente. Passei seis anos estudando no Colégio Santo Inácio, em Salvador do Sul, onde estudei até o final do segundo grau, depois estudei um ano em São Leopoldo, também com os jesuítas, na Escola Santo Afonso. Então fui para o noviciado, aos 18 anos de idade, onde permaneci por dois anos em Cascavel, SC. Em João Pessoa, Paraíba, fiz o juniorado, que foi um belíssimo período de formação sobre estudos humanísticos, onde estudamos línguas, literatura e pastoral. Esses dois anos de juniorado foram riquíssimos seja pela formação humano-intelectual, possibilidade de ler e escrever [grandes paixões da minha vida], seja pela experiência de viver no nordeste e poder, lá, conhecer a vida alegre e sofrida das pessoas. Depois disso, passei três anos em Belo Horizonte, onde fiz minha graduação em Filosofia vinculada à UFMG. Tive o prazer de ser aluno do Pe. Henrique de Lima Vaz  [com quem aprendi a amar a filosofia antiga e temas antropológicos], do nosso atual reitor, Pe. Marcelo Aquino [com quem estudei metafísica e teoria do conhecimento], do Marcelo Perine, e de outros excelentes professores que me proporcionaram uma formação exemplar. Durante o dia, estudava filosofia, e, à noite, lia clássicos da literatura: Dostoievski, Thomas Mann, Dante, Victor Hugo, Kafka, Guimarães Rosa, Machado. Posso dizer que tive ótimos mestres em Belo Horizonte, mas destaco duas pessoas: Henrique de Lima Vaz e João Batista Libânio.

Ser professor - Já naquela época eu pensava em ser professor de Filosofia. Durante meus estudos entre a Filosofia e a Teologia, lecionei filosofia no Colégio Anchieta, em Porto Alegre. Foi ali que aprendi a ser professor. Aliás, gosto de sê-lo. Então fiz o mestrado em Filosofia, na PUCRS e, neste tempo, passei seis meses em Munique, na Alemanha, estudando alemão. Fiz um ano de Teologia em Belo Horizonte e decidi sair da Companhia de Jesus, pois vi que aquele não era meu caminho de realização e de felicidade. Naquele ano em que estava saindo da Companhia de Jesus, houve seleção de professores para a Unisinos de modo que me inscrevi, passei e, em 1996, comecei a trabalhar aqui na Universidade, onde sou professor desde então. No meu primeiro ano de atividades aqui, reescrevi minha dissertação de mestrado e a publiquei em forma de livro com o título O poder da linguagem. A arte retórica de Aristóteles (Porto Alegre: EDIPUCRS, 1997).

PPG em Filosofia – Participei do processo de criação do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Unisinos, que começou em 1999. Logo no início do nosso programa de mestrado em filosofia aqui na universidade, o Pe. Marcelo Aquino me pediu para organizar e editar a Revista Filosofia Unisinos, o que fiz com muito trabalho e com a colaboração dos colegas de colegiado. Enquanto dava aulas na Unisinos, em 1997, comecei a fazer o doutorado na PUCRS, em Filosofia.

Dois filósofos marcantes - Fiz o doutorado sanduíche, na Alemanha, onde tive o prazer e a alegria de encontrar e poder conversar com Hans-Georg Gadamer , cuja obra foi meu objeto de investigação no doutorado. Sua postura de simplicidade e capacidade de diálogo com as diferentes áreas e problemas humanos me inspiram até hoje. Do ponto de vista da minha formação humano-intelectual, gostaria de mencionar a figura do professor William Richardson , que foi meu supervisor do estágio pós-doutoral na universidade de Boston, EUA. Discípulo e amigo de Heidegger, com ele muito aprendi e destaco dele a capacidade de ouvir e seu entusiasmo pelo saber.

Áreas de interesses – Tenho vários interesses e atuo em diferentes campos do conhecimento. Considero-me um apaixonado pela Filosofia Antiga [Platão, Aristóteles, mitologia grega, tragédias e comédias] e pelo mundo da hermenêutica, sobre o qual fiz meu doutorado. Minha especialidade hoje é em filosofia hermenêutica: Heidegger, Gadamer e Paul Ricoeur, e meu projeto de produtividade em pesquisa versa sobre isto. Outra área à qual me dedico é filosofia e literatura de modo geral, com ênfase na obra de João Guimarães Rosa. Temos um grupo de amigos e pesquisamos há mais de dez anos sobre esse tema. Estudamos durante três anos Primeiras Estórias, durante cinco anos, refletimos sobre Grande Sertão: Veredas e, no momento, estamos saboreando Corpo de Baile. Outra área que venho desenvolvendo alguns trabalhos é filosofia e cinema. Ultimamente, tenho me dedicado, também, a estudos relativos ao pensamento e à filosofia oriental.

Filme – O auto da compadecida, de Guel Arraes.

Futebol – Adoro futebol e praticar esportes em geral. Jogo todas as quartas-feiras, há mais de dez anos, com um grupo de professores e alunos aqui da Unisinos. Aos sábados, quando não estou lecionando, jogo com colegas da Associação dos Funcionários da Unisinos – AFU.

Família – Sou casado, desde 2005, com a Cláudia, o amor da minha vida, também professora universitária e advogada. Temos uma filha, a Helena, de três anos, que é uma alegria, uma princesa em minha vida, que nem sempre me deixa dormir cedo como eu gostaria. Ela estuda no Sinodal, porque faço questão que ela aprenda o alemão desde cedo e tenha uma ótima formação.

Política – Decepcionei-me muito com certas alianças do PT, por exemplo, com Sarney e seus comparsas e com toda essa máfia da política brasileira. Isso me deprime. Lastimo o descaso e pouco investimento na educação básica, fundamental. Por outro lado, se olharmos o andamento da política no Brasil, avalio bem. Economicamente falando, estamos caminhando a passos largos e bons. Depois, olhamos o apoio que o governo tem dado à pesquisa, ou então a infraestrutura das estradas. Mas ainda temos muito a melhorar. Basta olhar a dificuldade de aprovar o projeto “Ficha Limpa”. Isso é o fim, fico horrorizado como somos lentos para passarmos nosso país a limpo, e fico motivado para continuar investindo na educação que, em minha opinião, é um dos melhores caminhos para a transformação da nossa realidade rumo à real democracia. Nesse sentido, a Filosofia pode e deve ajudar.

Unisinos – Entramos agora em um ritmo e num nível de profissionalismo que é muito bom. As parcerias econômicas para sustentar nossa pesquisa e tê-la como foco de investimento são muito boas e muito importantes. Fico na Unisinos por essa razão. Aposto na Unisinos e nas pessoas que aqui estão porque temos um excelente ambiente de trabalho. Admiro a atual gestão que, com sua visão holística, procura integrar humanismo com tecnologia, conhecimento com efetiva contribuição social. Ao nos tomar como parceiros deste processo, nos sentimos responsáveis com seu bom andamento de modo que, neste jogo, assim jogado, todos saímos ganhando. Sou imensamente grato à universidade pelo ambiente que sempre me proporcionou para a pesquisa e atuar como formador de recursos humanos.

IHU – O que acho muito bom no Humanitas, como o próprio nome diz, é o fato de ser um espaço de reflexão sobre questões éticas, humanas, antropológicas atuais, de ponta, que, por vezes, as disciplinas não têm espaço ou tempo hábil para fazer. Não dá para pensar o IHU de maneira isolada. Ele tem que vincular suas atividades aos programas de pós-graduação da universidade. Além disso, destaco sua importância no que tange à possibilidade de as pessoas poderem conhecer e experiência a espiritualidade inaciana, que, em minha opinião, é ‘a ideal’. Inácio, um sábio, soube articular, conjuntamente, ação e contemplação, ou seja, prática e conhecimento, e é disto que precisamos hoje. Não vivemos apenas de pão, mas de símbolos, de sonhos que passam por uma experiência, pois a chave da vida é ser capaz de ver o ‘Todo na parte e a parte no Todo’, ou, em linguagem inaciana, ver “Deus em todas as coisas e todas as coisas Nele”. Isto é uma das belas coisas que o Humanitas possibilita e patrocina a todos que têm chance e ocasião de experienciar. Esse é o caminho.

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