Edição 328 | 10 Mai 2010

Televisão universitária e a disputa política pela TV digital

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Carine Prevedello

Coluna do grupo de pesquisa CEPOS

O período de transição do sistema analógico para o digital na televisão brasileira envolve, mais do que a mudança de padrão tecnológico, uma disputa política por espaço estratégico de exibição. Até 2016, de acordo com o prazo estabelecido por decreto federal (5820/2003), todos os canais de televisão que mantêm transmissão em sinal aberto deverão estar tecnicamente estruturados para operar no Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre (SBTVD-T).A opção pelo modelo japonês (ISBD-T) já determina a migração das atuais concessões de canais em sinal aberto para a televisão digital. Entretanto, muitos canais de interesse público permanecem condicionados ao espaço destinado à TV por assinatura, o que limita a audiência e, consequentemente, a relevância da repercussão de programas que, em geral, buscam diferenciar-se em relação à programação hegemônica, mantida pelas grandes redes de telecomunicação. Um núcleo expressivo de produção audiovisual alternativa no Brasil hoje é constituído pelas TVs universitárias.

A Associação Brasileira de Televisão Universitária (ABTU), maior entidade representativa do setor no Brasil, reconhece 48 canais universitários no país. Destes, 37 são de universidades particulares, e 11 ligados a universidades federais ou regionais. Paralela à ABTU, a Associação Brasileira de Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (Abepec) congrega as emissoras estaduais retransmissoras da TVE e TV Cultura, junto a três canais universitários (UFPE, UFRN e Fundação Universidade do Tocantins). Em 2004, de acordo com pesquisa realizada para a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), contabilizava-se 85 Instituições de Ensino Superior ocupando 73 canais de televisão. Entre as 27 universidades federais brasileiras situadas nas capitais, 17 possuem canal de televisão.

Desde a implantação das TVs universitárias, os desafios são muitos, especialmente nas instituições públicas, onde a disponibilidade de recursos enfrenta a burocracia e a concorrência com outras áreas consideradas prioritárias. Mas a transição estabelecida pela convergência para a tecnologia digital apresenta novas perspectivas para as emissoras, sejam elas públicas ou privadas, por estarem continuamente buscando maior amplitude de audiência. O estímulo a produções alinhadas à defesa de valores regionais e ao desenvolvimento da cidadania parece estar mais próximo das TVs universitárias, principalmente das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), que não possuem um compromisso com a geração de lucro. No entanto, a baixa penetração da TV paga nos domicílios brasileiros ainda é um entrave para que a produção audiovisual alternativa, ou não hegemônica, alcance maior repercussão. Os últimos dados da Agência Brasileira de Telecomunicações (Anatel) atestam um percentual de 13,8 % dos domicílios com assinatura de TV a cabo no Brasil, um índice incomparável aos 99% de inserção da televisão aberta.

A lógica das emissoras comerciais, dominadas pelo capital comercial e cultural dos grandes conglomerados de mídia, manifesta-se em um padrão tecno-estético que difunde os valores ideológicos identificados com os interesses das grandes redes. Na medida em que as empresas dominantes no cenário nacional de indústria televisiva estão representadas politicamente, tanto no Congresso Nacional, na formação dos Ministérios, quanto nas comissões de acompanhamento da implantação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD), invariavelmente interferem nas decisões acerca da estruturação desse novo padrão no Brasil. Para que sejam reservados e protegidos os espaços e valores de interesse público, por onde passa a produção e veiculação de conteúdo audiovisual de identidade local e regional, é inegável a necessidade de projeção do Estado.

A estruturação do SBTVD, criado no primeiro mandato do presidente Lula, embora indicasse a intenção de proporcionar mecanismos que assegurassem participação da sociedade civil nas decisões que podem significar democratização na oferta de programação da televisão digital brasileira, esbarra nas limitações impostas pela escolha do padrão japonês, definido em 13 de abril de 2006. Entre outras questões, o ISBD-T confere independência às atuais emissoras e limita espaços para novos canais. Estão definidos apenas quatro canais digitais para exploração da União, que foram designados como o Canal do Poder Executivo (divulgação de atos do governo); Canal de Educação (ensino à distância); Canal de Cultura (produções culturais e regionais) e Canal de Cidadania (programações das comunidades locais, incluindo atos e eventos dos poderes públicos federal, estadual e municipal).

As produções das televisões universitárias poderiam ter lugar tanto no Canal de Cultura quanto no de Cidadania, sendo este último, de acordo com as manifestações de representantes do Ministério das Comunicações, o destino mais provável. No entanto, as direções das TVs universitárias e das entidades representativas pressionam o governo federal para tentar delimitar um canal digital reservado exclusivamente às emissoras das universidades. Se essa possibilidade significaria uma espécie de migração dos canais que hoje estão na TV a cabo para o espectro digital, ou se exigiria uma redistribuição das concessões, é uma situação a ser resolvida durante as negociações que mobilizam a disputa política em torno do processo de implantação do novo sistema de exibição de televisão no Brasil.

* Jornalista e Mestre em Comunicação (UFSM), doutoranda em Comunicação (Unisinos) e integrante do grupo de pesquisa CEPOS (Comunicação, Economia Política e Sociedade, apoiado pela Ford Foudation).

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