Edição 328 | 10 Mai 2010

Hans Jonas e a atualização do imperativo categórico

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Márcia Junges

Além de cumprir a lei moral, a ação humana deve atingir os sentimentos e considerar as consequências dos nossos atos, explica o filósofo Gabriel Insaurralde sobre o conceito de princípio da responsabilidade

Só podemos ser responsáveis porque somos livres, e essa responsabilidade é a qualidade da resposta, de assumirmos as consequências de nossos atos. Ao assumirmos a responsabilidade ou compromisso pelo que fazemos, nos tornamos seres mais morais e humanos. Em linhas gerais, essa é a concepção que norteia a filosofia de Hans Jonas, autor do conceito princípio da responsabilidade. De acordo com o filósofo paraguaio Gabriel Insaurralde, o contexto dessa ideia é a sociedade industrializada e tecnológica, que tem uma mentalidade de progresso contínuo e não pensa nos resultados que isso acarretará ao meio ambiente. Nasce uma irresponsabilidade com o meio ambiente e as gerações futuras, pontua. A proposição de Jonas para resolver esses problemas da sociedade tecnológica é a responsabilidade. Para chegar a essa conclusão, sobe nos ombros do gigante de Könnigsberg, Immanuel Kant, que com seu imperativo categórico apostava na boa vontade da humanidade. Entretanto, diz Insaurralde, Jonas vai além, e atualiza o imperativo kantiano para a nossa época ao fazer com que, além de cumprir uma lei moral, se atinjam os sentimentos e se considerem as consequências dos nossos atos. “Isso introduz a questão do futuro e da responsabilidade para a modernidade, uma contribuição importante de Jonas”. As afirmações fazem parte da entrevista concedida pessoalmente, em 30 de abril, à IHU On-Line, quando Insaurralde proferiu a conferência O princípio da responsabilidade em Hans Jonas, na graduação em Filosofia da Unisinos.

Insaurralde cursou mestrado em Filosofia na Colômbia, pela Pontificia Universidad Javeriana, Bogotá - Colombia, e doutorado na mesma área na Espanha, pela Pontificia Universidad Comillas, Madrid - España, com a tese intitulada "Organismo y responsabilidad en la ética ontológica de Hans Jonas". Ele é professor e diretor do Instituto Superior de Estudos Humanísticos e Filosóficos (ISEHF) da Universidade do Paraguai.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - O que é o princípio da responsabilidade? Como ele dialoga com a liberdade e a autonomia do sujeito contemporâneo?

Gabriel Insaurralde - Esse é um conceito que entende a responsabilidade como uma qualidade da resposta. É a possibilidade que temos de responder pelas atitudes que tomamos. Responsável é alguém que pode assumir a resposta, o compromisso sobre as coisas que realiza. De fato, em nossa sociedade, fala-se muito em liberdade. Para Hans Jonas , a liberdade é o mais importante para ser responsável. Só quem é livre pode ser responsável. Então, responsabilidade tem a ver com o poder que temos. O modelo que Jonas tem para pensar responsabilidade é a relação que o pai e a mãe têm com o filho. Esse fato biológico e também humano inspirou Jonas. Gerar um filho implica em autoria, e isso remete, imediatamente, à responsabilidade.

IHU On-Line - Qual é o contexto dessa proposição dentro da filosofia de Hans Jonas?

Gabriel Insaurralde - O contexto do princípio da responsabilidade é a sociedade industrializada tecnológica. Jonas tem várias obras escritas sobre a relação entre a ciência e a tecnologia. Ele afirma que na sociedade há uma ligação muito forte entre o progresso da tecnologia e o progresso da ciência, e vice-versa. Aí surge a grande criação da humanidade, em seu ponto de vista: a cidade. Na cidade, tudo é artificial, inclusive as necessidades, que foram fabricadas. Hoje, não podemos viver sem celular, carro ou eletricidade. São necessidades que surgiram em dado momento da humanidade. Chega o momento em que a sociedade industrializada e tecnológica cria uma irresponsabilidade em relação ao ambiente. Há uma mentalidade de que devemos progredir continuamente, e não se pensa nos danos causados à natureza. As indústrias despejam seus dejetos em córregos, ou na própria terra. Os rios estão cada vez mais contaminados com material sólido e líquido que não serve mais para as indústrias. Os agricultores plantam e encontram muitas pragas nas culturas. Para combatê-las, jogam herbicidas na terra, que fica contaminada e passa esses elementos nocivos às plantas. Quando comemos um fruto, não nos damos conta do que ele realmente contém. Sua aparência é bonita, e, na maioria das vezes, seu sabor é bom, mas está repleto de agrotóxicos em seu interior. O acúmulo dessas substâncias em nosso organismo ocasiona diversos tipos de doenças graves e, muitas vezes, nem diagnosticadas. A ideia é melhorar a produção e o consumo, mas as consequências não são medidas.

Progresso material x progresso moral

O que Jonas quer advertir à sociedade é que não estamos fazendo as coisas direito. Devemos pensar a consequência de nossas ações para as gerações futuras e, inclusive, para quem vive hoje. Dentro da sociedade tecnológica, há uma ideologia de que o progresso material significa progresso moral. Pressupõe-se que, cada vez que há mais tecnologia, viveremos melhor. O luxo, a comodidade e o ilimitado crescimento parecem que trazem consigo uma vida melhor. Essa é uma falácia. As consequências já estão aí, para todos vermos. Jonas diz que a resposta para os problemas da sociedade tecnológica é a responsabilidade.

Há duas maneiras de compreender o princípio da responsabilidade. Uma delas é quando fazemos algo errado, por exemplo, e nos perguntam quem é o responsável por esse ato. É uma culpa que devemos pagar. A outra forma de entender o princípio da responsabilidade é quando se tem pessoas ou situações sob sua responsabilidade.

IHU On-Line - Poderia comentar a proximidade entre o pensamento desse filósofo com o sistema kantiano, na medida em que Jonas postula um “imperativo ambiental”?

Gabriel Insaurralde – Entre esses dois autores há muita coisa em comum. Jonas escreve bastante sobre Kant , e acredita que o imperativo categórico é um imperativo lógico, apenas. Para este tipo de imperativo, é preciso procurar uma correspondência e concordância com uma lei externa à ação. Para Jonas, o mais importante é fazer uma lei que atinja os sentimentos, e que tenha a ver com as consequências do que se faz. Para Kant, se temos boa intenção, já é o bastante. Para Jonas, não. Ele argumenta que se pode ter boa intenção, como quando se joga um herbicida na terra. Por outro lado, não se sabe as consequências de sua ação. Aí está o problema. Se você não percebe as consequências de sua ação, esta pode se tornar imoral. Jonas atualiza o imperativo kantiano para a sociedade tecnológica. Por outro lado, Jonas é, por vezes, kantiano demais. Isso porque ele procura uma lei universal, ainda que voltada para as consequências da ação. Isso introduz a questão do futuro e da responsabilidade para a modernidade, uma contribuição importante de Jonas.

IHU On-Line - Existem aproximações entre a filosofia de Jonas e a de Lévinas ? Em que medida podemos dizer que Jonas propõe uma filosofia da alteridade?

Gabriel Insaurralde - Penso que as duas filosofias se aproximam muito. Lévinas aponta o Outro como determinante da minha ação. O Outro deve ser a primeira instância na qual penso. Jonas tem ideia semelhante. É sempre o “eu” que deve olhar para que o Outro seja a medida da minha ação. No fundo, sou sempre eu que coloco o meu paradigma para o agir. Para Jonas, o mais importante na responsabilidade não sou eu, mas o Outro. É o Outro que é mais importante e tem mais valor. Por isso, tenho que respeitar seu valor e cuidá-lo para que possa atingir seus objetivos.

IHU On-Line - Quais são as principais dificuldades em se propor uma ética dentro da civilização tecnológica em que vivemos?

Gabriel Insaurralde - O Outro é uma categoria muito grande. O Outro pode ser muitas pessoas. É diferente de falar no Outro como uma pessoa pobre ou rica, que tem raiva ou fome. Jonas também pensa no Outro, mas numa circunstância especial. Sempre o Outro deve ser escutado. Se eu faço isso, também serei escutado. A perspectiva de Lévinas e Jonas é fundamental para pensarmos numa outra economia, justiça, num paradigma ambiental e de saúde. Isso descentra o individualismo que cresce a cada dia.

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