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Graziela Wolfart e Márica Junges
“Marx criticava duramente aqueles que pensavam que boas ideias poderiam levar os homens a percorrer um caminho justo e, assim, chegar à igualdade. Para ele, os homens não são o que pensam que são, mas sim aquilo que eles produzem”, assinala o historiador Pedro de Alcântara Figueira na entrevista que concedeu, por e-mail, à IHU On-Line. Para Marx, o comunismo é consequência do próprio desenvolvimento social. “São as forças produtivas, criadas no decorrer das diferentes formas de organização social, que vão, aos poucos, tornando a exploração do trabalho alheio, a exploração de uma classe sobre outra, obsoleta”. Sobre a importância desse autor para o pensamento econômico, afirma que foi “demonstrar que a produção da riqueza, na sociedade de classes, não pode prescindir da produção da miséria porque, ao contrário do que parecia à primeira vista, é a produção da miséria que gera a riqueza”.
Pedro de Alcântara Figueira é historiador e filósofo, foi pesquisador do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) e um dos criadores da História Nova. Atualmente, é um dos editores da Editora Segesta.
Em 17-05-2010, acontece o Ciclo de Estudos em EAD – Repensando os Clássicos da Economia – Edição 2010, com o título A (anti)filosofia de Karl Marx – Karl Marx, 1818-1883. Confira a entrevista.
IHU On-Line - O que é mais importante destacar na obra e no pensamento de Karl Marx ?
Pedro de Alcântara Figueira – Num de seus primeiros escritos, A Ideologia Alemã, Marx chama a atenção para uma questão que, a seu ver, é essencial a seu pensamento. Para Marx, o comunismo não é o resultado ou a consequência de uma boa ideia. Os homens não chegam a uma sociedade comunista porque a creem melhor e mais justa do que as demais formas de organização social. O comunismo, para Marx, é consequência do próprio desenvolvimento social. São as forças produtivas, criadas no decorrer das diferentes formas de organização social, que vão, aos poucos, tornando a exploração do trabalho alheio, a exploração de uma classe sobre outra, obsoleta. As classes, que por muito tempo permitem o desenvolvimento social, a partir de um determinado estágio de seu próprio desenvolvimento, transformam-se no seu oposto, isto é, começam a atrapalhar este mesmo desenvolvimento. A sociedade não precisa mais delas e passa a se organizar para viver sem elas, isto é, viver no comunismo.
IHU On-Line - Qual a principal contribuição de Marx para o pensamento econômico clássico, principalmente da obra O Capital?
Pedro de Alcântara Figueira – Desde sempre, os homens procuraram explicar a si mesmos o que eram e porque viviam de tal ou qual maneira. A Economia Política, ou economia clássica, constitui uma destas tentativas de explicação da sociedade humana. Por que produzir a vida de uma forma e não de outra, por que assim e não de outro modo? Por que produzir tanta riqueza em meio a tanta pobreza? A pobreza seria, mesmo, inevitável? A economia clássica chegou a formular a ideia de que seria possível acabar com a pobreza, produzindo muita riqueza. Quanto mais riquezas produzissem, mais haveria trabalho para todos e, assim, não haveria pobres. No entanto, os pensadores mais profundos e mais importantes da economia política começaram a perceber que aquilo que eles afirmavam com tanta convicção não se confirmava na realidade, pois, em meio à imensa riqueza que era produzida, a miséria tornava-se também descomunal.
A grande importância de Marx para o pensamento econômico consistiu em demonstrar que a produção da riqueza, na sociedade de classes, não pode prescindir da produção da miséria porque, ao contrário do que parecia à primeira vista, é a produção da miséria que gera a riqueza. Uma parte, cada vez maior, do trabalho realizado, parte que Marx chamou de mais-valia, não é paga ao trabalhador. Embora, aparentemente, o salário seja o pagamento do trabalho, Marx mostrou que o salário só paga uma parte, bem pequena, do trabalho realizado. Assim, quanto maior o produto do trabalho, menor, proporcionalmente, a parte que cabe àquele que o realizou. Por isso, para Marx, o comunismo, que consiste em dividir o produto do trabalho entre toda a sociedade, eliminando, portanto, a sua divisão em classes, é a única condição de uma sociedade igualitária.
IHU On-Line - Em que sentido Marx pode ser apontado ainda como um pensador atual para a economia?
Pedro de Alcântara Figueira – Embora Marx tenha escrito O Capital na segunda metade do século XIX, ele é um pensador mais atual do que nunca. Sua atualidade advém de que, hoje, mais do que à sua época, as condições que ele pressupunha necessárias à organização da sociedade em moldes comunistas estão, elas também, mais maduras do que nunca. À época de Marx, o capitalismo não apenas não havia ainda se desenvolvido plenamente, como restavam, em muitas partes do mundo, muitos resquícios de formas sociais anteriores ao próprio capitalismo. Neste último século, no entanto, o capitalismo desenvolveu-se plenamente e atingiu as mais remotas regiões. O mundo, hoje, é muito mais igual do que à época de Marx e, por isso, mais do que então, seu pensamento de um mundo sem classes torna-se viável.
IHU On-Line - O que podemos entender pela (anti) filosofia de Karl Marx?
Pedro de Alcântara Figueira – É difícil catalogar o pensamento de Marx, embora muitos o tenham tentado. Assim, às vezes, o encontramos classificado como filósofo, outras vezes, como historiador, ou ainda mais frequentemente como economista. Sua concepção da vida humana, no entanto, entendida como uma totalidade, uma forma de organização da vida, torna esta particularização equivocada. Para Marx, e esta é uma questão essencial a seu pensamento, o comunismo não é uma ideia filosófica. Não é uma ideia a que chegaram alguns grandes pensadores revoltados com a injustiça social. Ao contrário de pensadores como Rousseau, por exemplo, que achavam que a sociedade tinha percorrido um caminho errado e que, por isso, achava-se num mau caminho, cheio de injustiças e maldades, Marx afirmava que a sociedade humana havia percorrido um caminho real, e nenhuma ideia, boa ou má, poderia afastá-la de sua realidade. Marx criticava duramente aqueles que pensavam que boas ideias poderiam levar os homens a percorrer um caminho justo e, assim, chegar à igualdade. Para ele, os homens não são o que pensam que são, mas sim aquilo que eles produzem. Tal como se produzem, assim são eles. Portanto, se os homens produzem as classes, a sua sociedade é dividida em classes. Só quando – e se vierem a fazê-lo – produzirem uma sociedade sem classes, poderão viver uma igualdade social. Os homens não são o que pensam e desejam, mas o que fazem.
IHU On-Line - Por que é impossível conciliar marxismo e nacionalismo?
Pedro de Alcântara Figueira – Por tudo que dissemos até agora, o nacionalismo é incompatível com o marxismo porque o nacionalismo propõe soluções para os problemas portas adentro de uma região ou um país. Para Marx, os problemas sociais não podem ser enfrentados senão na sua universalidade. Sequer o capitalismo é compatível com o nacionalismo, pois o capitalismo exige o mundo como território de implantação. O capitalismo, em seu processo de desenvolvimento, é expansionista, e, em seu processo de expansão, cria as condições para um posterior desenvolvimento do marxismo que, por sua vez, só pode se desenvolver lá onde existam condições universais criadas para a produção da igualdade social. O marxismo desenvolve-se na universalidade produzida pelo capitalismo.
IHU On-Line – Qual é a contribuição do marxismo para a esquerda política, principalmente pensando no cenário político brasileiro atual?
Pedro de Alcântara Figueira – As ideias marxistas vêm desenvolvendo-se no Brasil, tal como em todo o mundo. Mas, por mais que o nacionalismo seja incompatível com o marxismo, o desenvolvimento do marxismo obedece às diferentes conformações da história de cada país. O marxismo desenvolve-se num espaço e em condições criadas pelo capitalismo e vê-se obrigado a levar em conta estas especificidades sob pena de desenvolver-se num mundo irreal. Assim, nos Estados Unidos, por exemplo, o desenvolvimento de proposições marxistas não pode se realizar sem levar em consideração o papel que a desigualdade racial desempenhou na produção da desigualdade social. O mesmo raciocínio vale para situações tão dramáticas quanto as vividas pelos povos africanos, os palestinos etc. A radicalização das lutas políticas tais como as havidas na Indonésia, Argentina, Chile e Bolívia, por exemplo, decorre da radicalização do domínio de classes sob o capitalismo. Em países em que deve-se considerar um imenso progresso ser eleito presidente um negro, como nos Estados Unidos, ou, como no caso brasileiro, um operário metalúrgico, ou um índio, na Bolívia, nos dá a dimensão das dificuldades reais que uma proposição de igualdade social tem que enfrentar. Para Marx, esta radicalidade – conquanto dolorosa – é inevitável, pois, segundo ele, os que tudo detêm nada entregarão senão mediante uma luta árdua, tenaz e constante. As formas destas lutas, que são várias, conquanto inevitáveis, podem, no entanto, ser conduzidas de modo a diminuir, nas palavras de Marx, as dores do parto de uma nova sociedade.
IHU On-Line - Quais são as principais influências filosóficas que Marx sofreu e como elas aparecem na sua obra?
Pedro de Alcântara Figueira – Afirma-se que Marx costumava dizer que sua máxima preferida era aquela que afirmava “que nada do que é humano me é alheio”. O estudioso de Marx verá que esta é uma assertiva cheia de sentido para ele. Preocupado em entender o homem, sua produção e as possibilidades de superação da exploração e miséria em que vivia e vive a maior parte do gênero humano, Marx não podia abrir mão de nenhum pensamento que lhe permitisse atingir o grau de conhecimento da sociedade que o marxismo representa. As referências que encontramos em suas obras, as anotações em seus cadernos, as cartas que escreveu, atestam que Marx não acreditava possível que se pudesse propor a transformação social sem o mais profundo conhecimento de todos aqueles pensadores que refletiram sobre a questão. De Aristóteles a Thomas Morus , de Balzac a Sismondi , de Adam Smith e Ricardo a todos os economistas, Marx não teve jamais qualquer preconceito em ir buscar o conhecimento onde quer que ele estivesse melhor formulado. Ao contrário, surpreendia-se com aqueles que, embora militantes, propunham-se a esta grandiosa tarefa acreditando dispensável o mais profundo conhecimento de tudo o que de melhor produziu o pensamento humano em todas as diferentes épocas históricas. Marx era implacável com os aventureiros bem intencionados. Exigia dos que se propunham a acompanhá-lo o mesmo rigor científico que exigia de si.