Edição 325 | 19 Abril 2010

IHU Repórter - Rogério Lessa Horta

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Patricia Fachin e Márcia Junges

Nascido numa família com avô, pai e irmão médicos, Rogério seguiu esses passos e fez da Medicina a sua opção profissional. Atuações em clínica, carreira acadêmica e um vínculo forte com a saúde coletiva fazem desse pelotense de coração um médico que vive intensamente o compromisso de cuidar da saúde das pessoas. Conheça um pouco mais a respeito da trajetória do professor do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Unisinos, na entrevista que segue, concedida, pessoalmente, à IHU On-Line.

Origens - Nasci em Belo Horizonte. Em 1966, meu pai, que era médico anestesista recém-formado, foi convidado para lecionar na Universidade Católica de Pelotas - UCPel, que havia criado o curso de Medicina. Um colega dele, que já estava em Pelotas, o havia indicado para professor de farmacologia. Antes, meu pai trabalhava com pesquisa em fisiologia humana na Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Eu tinha apenas 1 ano quando nos mudamos para Pelotas. Por isso, sou praticamente pelotense. Minhas memórias de infância se passaram nessa cidade. De Belo Horizonte, guardo as histórias de família e vínculos com amigos e parentes. Meus melhores amigos estão em Pelotas. Meu primeiro clube de futebol foi o Brasil de Pelotas. Sou xavante até hoje.

Família - Tenho um irmão mais velho, o Bernardo, que é médico epidemiologista, professor na Universidade Federal de Pelotas - UFPel. Tenho mais três irmãs: Cristina e Lúcia, psicólogas, e Raquel, advogada.

Casamento – Sou casado pela segunda vez. Tenho duas filhas, uma de cada matrimônio. A mais velha, Bruna, mora em Curitiba e estuda Medicina na Universidade Positivo. Será a quarta geração de médicos da família. Helena, a mais nova, tem 16 anos. Atualmente seu grande projeto é o intercâmbio que irá fazer na Califórnia, por três semanas, para estudar inglês. No ano que vem, ela inicia a preparação para o vestibular.

Amigos de infância - Até hoje mantenho contato com um grupo de 5 amigos de infância. Somos muito próximos, embora dispersos: um vive em Taquara, outro, em São Paulo, outros dois, em Pelotas, e eu, em Porto Alegre e São Leopoldo. Desse grupo, três optaram pela Medicina. A essa turma se juntou um sexto amigo, pessoa extremamente importante até hoje. Ele também é médico.

Estudos e Trabalho – Fiz o segundo grau em curso Técnico em Química. Na UFPel, cursei Medicina. Meu percurso na graduação misturou clínica médica, saúde coletiva e um pouco de epidemiologia. Lá, conheci o Professor Juvenal, meu colega hoje aqui no mestrado. Fiz residência em Psiquiatria. Naquela época, a residência incluía uma carga horária importante de atendimento a postos de saúde, as atuais Unidades Básicas de Saúde. Era uma formação que incluía o que eu havia feito antes, na medicina social, hoje chamada de saúde coletiva.

Influências - O acesso à informação e à educação foi fundamental na minha carreira e escolha de vida. Devo isso aos meus familiares. Meu avô, falecido um pouco antes de eu nascer, é uma figura importante para mim. Soube de várias histórias e episódios a seu respeito, que me marcaram muito. Meu pai, igualmente, tinha um papel importante em Pelotas, sobretudo pela época e porque se tratava de uma cidade do interior do Estado. Ele era muito valorizado e certamente isso pesou na minha escolha por fazer Medicina. Além disso, havia duas universidades em Pelotas, e todo um movimento em torno do curso. Inegavelmente, há o prestígio dessa carreira, outro atrativo. A diversidade de oportunidades também faz diferença, pois dá a chance de se trabalhar em várias atividades diferentes. Isso dá liberdade de trânsito entre o público, o privado, o acadêmico, a pesquisa. Esse conjunto de fatores construiu a minha escolha.

Médico do Exército - Em 1993, vim para Porto Alegre para fazer a formação no CEAPIA, em Terapia de Família. Vim para trabalhar como psiquiatra no hospital do Exército, onde havia o desafio de reduzir custos para a instituição. Ali atuei por quatro anos. Foi uma experiência bastante rica. No Exército, eu tinha condições de realizar a profissão com uma qualidade razoável e regime de trabalho flexível. Havia oportunidade de estudar e fazer outros projetos. Só saí de lá quando iniciei meu mestrado em psicologia social, na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS.

No Exército, reorganizamos a unidade psiquiátrica do hospital geral, estimulando a permanência dos familiares dos pacientes, evitando enviá-los para outras instituições. Os familiares podiam ficar no hospital, acompanhando o paciente. Reduzimos o encaminhamento para clínicas conveniadas e o próprio custo do tratamento dentro do hospital, pois se usava menos medicação, além de haver menos problemas de agressões, agitações psicomotoras, eventos que são relativamente comuns em hospitalizações psiquiátricas. Isso, na época, era relativamente inovador. Havia todo um processo de disputa e desconstrução das instituições manicomiais. Era comum os pacientes psiquiátricos serem proibidos de receberem visitas de seus parentes. Atualmente, a ideia da internação psiquiátrica em hospital geral com o familiar acompanhando é algo mais comum, mais normalizado. Há 20 anos, isso era uma total novidade. Pessoalmente, foi uma oportunidade ímpar. A reforma psiquiátrica decolou no Brasil, sobretudo no Rio Grande do Sul, a partir dos anos 1990. Saí da residência no auge das discussões da reforma psiquiátrica e da ideia de descentralizar a atenção.

Clínica - Também nessa época, em parceria com colegas, iniciei um projeto de atendimento domiciliar para pessoas em crise. Experimentamos estratégias para atender pessoas em crise em casa, com a família, evitando a hospitalização. Foi uma oportunidade que acabou levando à criação da clínica que tenho até hoje, a Prontamente Clínica de Psiquiatria e Psicoterapia, em Porto Alegre. Hoje, não fazemos mais atendimento domiciliar. Tenho meu consultório e lá também atendem terapeutas de diferentes orientações teóricas. Há seis consultórios que funcionam integrados.

Relação com os pacientes – Um terapeuta cria certos cacoetes, habilidades. Para uma terapia funcionar é fundamental que a pessoa que precisa de ajuda tenha alguém disponível para ajudar. Nessa hora, eu devo deixar de lado os meus problemas e me colocar à disposição do paciente. Essa diferença estabelece que os problemas tratados naquela situação e contexto são da pessoa, e não meus. Naquela hora, estou tentando usar os melhores recursos e técnicas para a pessoa lidar da forma mais positiva possível com os problemas que ela traz. Aos poucos, essa relação se organiza na cabeça do médico. Quem tem problema, no atendimento, é o paciente. Não adianta eu assumir esses problemas para mim. Por outro lado, também não é verdade que o terapeuta não tem os seus próprios problemas. É claro que ele tem. O que ele faz é aprender a deixar de lado os seus problemas para se concentrar nos do outro, naquele intervalo de tempo. Somos treinados para isso. Certa vez, o Moacyr Scliar , ao passar por uma situação de saúde que o levou à UTI de um hospital, se deu conta da importância do médico ser paciente. Isso muda a perspectiva do profissional. Por isso, acho que todo o terapeuta tem que ter sido paciente em algum momento. Em psicoterapia, não é só a técnica que funciona, mas o vínculo, a disponibilidade. Se não tenho essa experiência como paciente, fica mais difícil.

Saúde coletiva – Quando se fala em saúde coletiva, falamos na combinação de uma série de recursos, níveis de atenção, ações, possibilidades. Não estamos falando, necessariamente, de Sistema Único de Saúde (SUS), mas de todo o conjunto de entidades e instituições envolvidas na promoção de cuidados em saúde. Acredito que a saúde coletiva dá a perspectiva da complexidade, da integração, da articulação entre os recursos. Minha experiência pessoal em saúde coletiva, no estudo de questões sociais, traz a convicção de que as psicoterapias devem ser postas em diálogo, integradas, que devemos procurar nas ferramentas e nas técnicas que cada uma oferece no campo da psicologia o melhor para a situação em que a pessoa, o casal ou a família vivem, e não ficar restrito a uma regra ou orientação. Acredito que a saúde coletiva representa essa experiência que tenho vivido de trânsito em diversas áreas e articulação entre saberes. É impossível que um hospital, sozinho, dê conta de todos os procedimentos e cuidados que a população necessita em uma cidade. Por outro lado, se só houver postos de saúde, eles não darão conta da complexidade de um transplante de rim, da necessidade de uma intervenção coronariana aguda, ou outras intervenções.

Religião – Não sigo nenhuma religião. Sou de formação católica, de família muito religiosa, mas suspeito que a origem de uma parte da família é judaica, pois temos sobrenomes como Horta, Jardim, Lima. Isso remonta a um período na Península Ibérica, quando se converter era obrigatório, e o jeito era manter um nome através do qual os judeus pudessem se reconhecer. Digo sempre que sou tão católico quanto machista – só de formação. Mas isso não é uma convicção profissional. Convivo bem com o fato de não saber responder a várias dúvidas existenciais. Não as respondo. Ao final da adolescência, desvinculei-me da Igreja, tive as minhas frustrações com a instituição e com as pessoas que nela estavam. Penso que o divórcio ocorrido em meu primeiro casamento contribuiu um pouco para essa desvinculação. Casei-me estudante e me separei no ano da formatura.

Política – Militei no PT durante o curso de Medicina. Fui presidente do Diretório Acadêmico e participava do movimento estudantil. Fui o único presidente do Diretório acadêmico da Medicina de Pelotas formado, pois passei o cargo logo após a formatura. Hoje, não tenho mais vinculação partidária. Não milito desde a época de estudante. Não permaneci porque percebi dificuldades na instituição, inclusive de coerência interna. Antes da minha vinda para Porto Alegre, já não tinha vínculo orgânico com o partido, mas continuei votando no PT a vida toda. Votei no Lula. Acho que o governo dele tem uma série de méritos, uma enormidade de coisas a serem contadas como vantagem. Do ponto de vista ideológico político, tenho lá as minhas decepções, críticas e frustrações. A partir disso, abandonei, inclusive, a convicção no voto. Mesmo votando, a época eleitoral me angustia. Pergunto-me o que irei fazer com meu voto. Penso que o ideal seria termos uma sociedade organizada de modo mais harmônico e justo. Acho um desrespeito as pessoas só se darem conta de algumas condições de moradia quando um morro vem abaixo, como em Niterói. É aí que se dão conta que há gente vivendo no lixão. Sou um pouco descrente da possibilidade de soluções emergirem de partidos políticos. Precisaremos pensar em modelos novos, soluções alternativas.

Sonho – Considero-me uma pessoa satisfeita e feliz. Minhas filhas são lindas. Meu casamento me satisfaz e tenho uma bela companheira, a Fabiane. Estou me mudando, nos próximos meses, para um apartamento que considero bastante adequado e confortável. Estou realizado profissionalmente. De imediato, gostaria de ver minhas filhas formadas, com autonomia e aptas a serem profissionais realizadas. Também gostaria de viajar mais. O doutorado em Saúde Coletiva da Unisinos é outra prioridade que tenho. Como entrei ano passado no Programa de Pós-Graduação, ainda estou me firmando, e esse é um objetivo a curto prazo.

Lazer – Gosto muito de ir para parques, praças, caminhar. Durante um tempo, pratiquei a corrida, mas então surgiu um problema de coluna. Há quase um ano, estou afastado desse esporte. Também gosto de nadar, adoro piscina e praia. Duas vezes por ano, consigo algum tempo para ir à praia. Cinema, televisão, seriados e algumas novelas são outro interesse que tenho. Adoro as telas!

IHU – É uma estrutura e iniciativa ímpar. É fundamental que a Unisinos tenha o IHU, uma fonte de discussões importantes em nossa sociedade, como a bioética, o biopoder etc. Sou um dos membros da comissão técnico-científica do XI Simpósio Internacional IHU: o (des)governo biopolítico da vida humana, que acontece de 13 a 16 de setembro, na Unisinos.

Unisinos – Vim conversar com o Jeferson, coordenador da Psicologia, logo depois de ter concluído meu mestrado. Aí tive a oportunidade de conviver e trabalhar com o Fábio Moraes, também coordenador do curso na Unisinos. Fui chamado por ele para ocupar a vaga de professor no curso de Psicologia. Permaneci na universidade e assumi outras disciplinas. Hoje, leciono duas disciplinas na graduação em Psicologia, mas meu vínculo é todo no PPG de Saúde Coletiva.

Câmpus verde – Entrei na Unisinos no auge das transformações da estrutura administrativa, quando se desconstituíram os centros de ensino. Foi um momento de instabilidade e queixas. No início, eu também tinha meus temores, mas, aos poucos, tenho me dado conta de que a Unisinos tem procurado se atualizar e ser flexível nas respostas ao meio, às estruturas maiores do que ela. Tenho oportunidade de participar, a alguns anos, da política de drogas da Unisinos, que integra setores da administração e reitoria. A instituição tem efetivamente uma capacidade de adaptação e mudança impressionantes. Fisicamente, nosso câmpus é um primor, pois permite a circulação das pessoas entre as áreas construídas, em contato com o verde, a natureza. É um local muito arborizado e agradável. Além disso, temos estrutura para trabalhar. Ganhei uma área de pesquisa e reflexão para minhas tarefas, o que é um instrumento fundamental para um pesquisador.

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