Edição 324 | 12 Abril 2010

Drogas para lidar com a miséria psíquica

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Graziela Wolfart

Marcelo Mayora percebe que hoje o uso de drogas busca a imanência, o inserir-se, o estar mais aqui do que nunca. “O uso de psicotrópicos é mais um dos instrumentos à disposição do sujeito contemporâneo na moldagem de seu personagem”, defende.

Pense em uma sociedade onde o consumo de drogas não seja proibido. Agora pense como isso pode acontecer na prática e quais as implicações para essa sociedade. Pois o advogado criminalista Marcelo Mayora reflete sobre o tema na entrevista que segue, concedida, por e-mail, para a IHU On-Line. Para ele, “as toxicomanias podem ser consideradas um dos principais sintomas sociais da atualidade, reflexo do amplo problema das patologias do consumo, tais quais a obesidade, a bulimia, a anorexia etc. O importante é não violentar o problema, não simplificá-lo, não encapsulá-lo num diagnóstico pronto, pois é evidente que os casos de um senhor alcoólatra, de um executivo viciado em cocaína ou de um morador de rua viciado em crack não podem ser tratados da mesma forma”. Marcelo acredita que “atualmente, as substâncias químicas funcionam como pílulas mágicas, que auxiliam o sujeito a estar à altura de suas mais diversas obrigações. Os mal-estares psíquicos foram alçados à categoria de doença, e da interação entre psiquiatria e indústria farmacêutica resultaram as magic bullets, destinadas a tratar qualquer tipo de desconforto psíquico. Aliás, sequer é necessário existir qualquer problema aparente, pois se trata de potencializar as próprias capacidades cognitivas, de encontrar muletas para trabalhar até mais tarde, para escrever uma dissertação de mestrado, para conseguir relaxar, para dormir, para corresponder ao imperativo do ‘sexo de resultado’. Além disso, o incrível incremento da oferta de psicofármacos gerou uma nova forma das pessoas lidarem com a dor. Consome-se substâncias para suportar as agruras da existência, a dor de uma perda, um luto. Para lidar com a miséria psíquica, de modo que sejamos poupados, de alguma forma, do sofrimento inerente ao viver”.

Essas e outras ideias serão debatidas por Marcelo Mayora na palestra sobre Direitos Humanos e Segurança Pública: por uma nova política de drogas no Brasil no próximo dia 13 de abril, no Auditório Maurício Berni, da Unisinos, das 20h às 22h. O evento é uma promoção do IHU e do Diretório Acadêmico do Direito da Unisinos.

Marcelo Mayora é mestre em Ciências Criminais e especialista em Ciências Penais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. É também graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela mesma Instituição. Possui experiência em Criminologia, Direito Penal e Processo Penal.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Pensando num modelo ideal, como deveria ser constituída uma nova política de drogas no Brasil? Quais as implicações da legalização, por exemplo?

Marcelo Mayora - Para começar o debate, é necessário relativizar, sobretudo desde a história, considerando que a história das drogas é milenar e a da proibição é apenas secular. Assim, podemos perceber que a opção proibicionista, a atual política adotada para controle de certas substâncias, não é de modo algum natural, mas conjuntural, condicionada por inúmeros fatores; que é, portanto, plenamente mutável, conforme as opções políticas e culturais de dada sociedade. Temos que notar que outras conexões societárias, que não as que encontramos atualmente, já se estabeleceram em torno de substâncias; precisamos perceber que relações mais saudáveis já foram travadas com as drogas, que controles culturais horizontais foram aptos a manter as práticas de intoxicação socialmente reguladas e que as atuais políticas proibicionistas, universais porque constituídas verticalmente a partir de convenções internacionais, acabam por desperdiçar toda a experiência adquirida pelos povos que fizeram e ainda fazem uso de entorpecentes, obstaculizando a busca por controles baseados nas especificidades de cada contexto.  

Desintoxicação semântica

Penso que uma nova política de drogas deve começar pela nossa própria desintoxicação semântica, pois não há nenhum ganho teórico ou prático em se abarcar sobre a etiqueta de “droga” substâncias que possuem poucas características em comum. Deste modo, poderemos pensar em soluções específicas para questões específicas, sem a necessidade de apresentar uma espécie de resposta geral, notadamente simplificadora. A partir daí, seria possível adotar diferentes regimes de controle da circulação de substâncias, conforme as características de cada uma delas. Em relação à maconha, por exemplo, penso que o regime de controle poderia ser o mesmo do álcool e do cigarro, com circulação livre e fortes restrições no que toca aos locais de consumo, publicidade, idade do consumidor etc. Além disso, poderia ser incentivado o plantio caseiro, outra ótima opção. Para as demais substâncias teriam que ser pensadas outras soluções, algumas poderiam submeter-se ao regime de circulação dos psicofármacos, por exemplo. Mas não necessariamente precisamos nos basear em regimes legais já existentes, podemos tranquilamente ser ousados o bastante para pensar o novo. Além disso, todo o passo na direção à redução dos danos causados pela atual política de drogas é fundamental, motivo pelo qual devem ser saudadas também as pequenas rupturas, certamente insuficientes, mas importantes, como a descriminalização do consumo. Recentemente foi publicado um diagnóstico da situação de Portugal após a descriminalização do consumo de todas as drogas, demonstrando notórios avanços, tanto do ponto de vista da saúde quanto da segurança pública.

Legalização

As ciências humanas, e falo aqui desde o ponto de vista criminológico, já abdicaram de sua tentativa um tanto quanto prepotente de prever o futuro, de maneira que é impossível sabermos todas as implicações de eventual “legalização” das drogas. Nossa análise sobre o futuro está condenada a ser precária e incerta. O que podemos saber, e sabemos, pois temos vasta produção acadêmica produzida sobre este assunto, são os enormes custos sociais do proibicionismo. Em síntese, não podemos prever o que virá, mas é inaceitável continuarmos apostando em uma solução absurdamente estúpida, de parca eficácia reguladora, responsável pelos assassinatos e pelo encarceramento massivo da juventude pobre brasileira. Ao argumento que ouço com frequência, de que mesmo diante da licitude da circulação de substâncias continuaria havendo a venda clandestina, respondo que a grande diferença é que os contrabandistas – que são aquelas pessoas que vendem produtos clandestinos – não são mortos pela polícia, tampouco se tornam prisioneiros de guerra por meio das prisões cautelares atualmente aplicadas em quase todos os casos penais relativos a tráfico de drogas.  

IHU On-Line - Como podemos analisar a dependência química do ponto de vista cultural e social? 

Marcelo Mayora - Não gosto do conceito de dependência química, penso que ele é passível de inúmeras críticas. A entidade até pode ter certa importância no âmbito médico-psiquiátrico, do ponto de vista terapêutico, mas decididamente é insuficiente para abarcar a complexidade do tema. A ideia de dependência química unifica em uma categoria existências absolutamente distintas, que possuem em comum apenas uma relação problemática com algum tipo de droga, e para quem, geralmente, são prescritos os mesmos tratamentos.  Além disso, sequer internamente a ideia de dependência química se sustenta, pois deixa em aberto uma explicação: se a dependência é química, por que somente pequena parcela das pessoas que experimentam drogas acaba tornando-se compulsiva? Com isso, por óbvio, não estou querendo dizer que pessoas não se tornem, inegavelmente, reféns de certo tipo de compulsão. Uma explicação corrente para as toxicomanias da contemporaneidade, com a qual tendo a concordar, é a de que com a crise do projeto libertário contracultural da geração de Maio de 68 e de Woodstock, os consumos perderam seu aspecto ritualístico, com o que a potência do controle cultural – único apto a manter os consumos socialmente regulados – perdeu força. Da ausência dos rituais que ultrapassam os consumos e, com isso, os organizam psíquica e socialmente, derivaram consumos desregulados. Perdeu-se o respeito pelas substâncias, a necessidade de situar a busca por estados alterados de consciência num contexto que o fundamente – as ideias de abrir as portas da percepção, de transformar o mundo ao transformar a si mesmo, de contestar o establishment, por exemplo - de modo que qualquer ocasião torna-se propícia ao uso. Significa dizer que na depressão posterior ao decreto de John Lennon, de que o “sonho acabou”, surgiu outra face da droga, bem menos lúdica do que aquela que representava o acesso às viagens experimentais e aos universos paralelos. Em termos estéticos, a figura do hippie bucólico é substituída pela do junkie urbano. No mais, as toxicomanias podem ser consideradas um dos principais sintomas sociais da atualidade, reflexo do amplo problema das patologias do consumo, tais quais a obesidade, a bulimia, a anorexia etc. O importante é não violentar o problema, não simplificá-lo, não encapsulá-lo num diagnóstico pronto, pois é evidente que os casos de um senhor alcoólatra, de um executivo viciado em cocaína ou de um morador de rua viciado em crack não podem ser tratados da mesma forma.

IHU On-Line - Que relações podemos estabelecer entre o consumo de drogas e o estilo de vida na contemporaneidade? 

Marcelo Mayora - O esvaziamento dos sentidos contraculturais relativos ao uso de drogas redundou no fato de que as buscas por estados alterados de consciência foram incorporadas aos modos socialmente aceitos de se viver. Atualmente, as substancias químicas funcionam como pílulas mágicas, que auxiliam o sujeito a estar à altura de suas mais diversas obrigações. Os mal-estares psíquicos foram alçados à categoria de doença, e da interação entre psiquiatria e indústria farmacêutica resultaram as magic bullets, destinadas a tratar qualquer tipo de desconforto psíquico. Aliás, sequer é necessário existir qualquer problema aparente, pois se trata de potencializar as próprias capacidades cognitivas, de encontrar muletas para trabalhar até mais tarde, para escrever uma dissertação de mestrado, para conseguir relaxar, para dormir, para corresponder ao imperativo do “sexo de resultado”. Além disso, o incrível incremento da oferta de psicofármacos gerou uma nova forma das pessoas lidarem com a dor. Consome-se substâncias para suportar as agruras da existência, a dor de uma perda, um luto. Para lidar com a miséria psíquica, de modo que sejamos poupados, de alguma forma, do sofrimento inerente ao viver. Para que não seja necessário sentir: “socorro, não estou sentindo nada”, diz o poeta Arnaldo Antunes. A frase de Contardo Caligaris também resume bem o que estou dizendo: “tome um prozac e volte pra festa”.

Políticas proibicionistas

Se num contexto de contracultura o uso de drogas representava a tentativa de transcendência, de busca por outros mundos, hoje o uso de drogas busca a imanência, inserir-se, estar mais aqui do que nunca. O uso de psicotrópicos é mais um dos instrumentos à disposição do sujeito contemporâneo na moldagem de seu personagem. O “ciborgue pós-moderno”, crente em sua onipotência perante o mundo, lança mão da gestão farmacológica dos problemas existenciais, da “produção farmacológica de si”, expressão esta do antropólogo David Le Breton. Por um lado, como já disse, a desativação da potência contracultural dos usos de drogas de outrora pode ser uma explicação para as toxicomanias contemporâneas. Mas, por outro, na desativação da potência contracultural é também possível observar o surgimento de novas dinâmicas, que não conduzem necessariamente a consumos problemáticos. Penso que outro caminho para o questionamento das políticas proibicionistas, além da crítica aos efeitos da proibição, é procurar, nas dinâmicas dos grupos nos quais o uso ocorre, consumos socialmente regulados, de maneira que a crítica antiproibicionista reste fundamentada em exemplos viáveis no que tange ao controle anárquico do uso de drogas.

Anormalidade e tabu

Diante da onipresença das práticas tóxicas, é, no mínimo, questionável, tratá-las em termos de anormalidade. É claro que ainda recaem tabus, sobretudo sobre substâncias proibidas, mas o tabu parece adquirir ares de conflito de geração. Ainda não são permitidos consumos familiares, conversas francas com desconhecidos ou consumos públicos de substâncias ilícitas, mas há inegavelmente o esvaziamento do status negativo. O uso controlado de drogas ilícitas é manejado entre usuários e “caretas” a partir de um silêncio complacente: é comum pais fazerem vista grossa a consumos regulados de seus filhos, enquanto as demais obrigações estiverem sendo satisfeitas. No que toca à visão dos jovens da contemporaneidade, pouco resta de transgressão no uso de drogas. É claro que também é possível notar a emergência de um neoconservadorismo, que está a promover intensas campanhas do tipo “diga não às drogas”. Mas tal é muito mais a reação mais fácil, aquela que está mais a mão, que exige menos esforço intelectual, de uma sociedade que convive diariamente com variados tipos de demandas por estados alterados de consciência. É um processo parecido com o conservadorismo dos adolescentes homens, que ainda não aprenderam a lidar com a nova ordem sexual, que desejam relacionar-se sexualmente com o máximo de parceiras possíveis, mas não admitem o mesmo direito às parceiras, e imputam àquelas que levam a cabo o sexo livre os mesmos rótulos de outrora. É claro, é mais fácil seguir ancorando-se nessas certezas, do que aprender a conviver com o novo. As campanhas do tipo “diga não às drogas” representam a resposta desesperada de uma sociedade que deseja vorazmente consumi-las, e que não encontra outro caminho para lidar com esse tipo de desejo senão o caminho de volta à repressão autoritária. 

IHU On-Line - Quais os riscos do consumo silencioso de drogas?

Marcelo Mayora - Considero que um dos principais efeitos da proibição e consequentemente da construção de uma imagem negativa e até mesmo demoníaca de certas substâncias é a criação de um tabu, de uma espécie de bloqueio linguístico, do que deriva uma enorme dificuldade em falarmos abertamente sobre o assunto, despidos de qualquer tipo de moralismo. Anos de proibição e de tabu acabaram por gerar consumidores infantilizados. Há enorme desinformação sobre as drogas, sobre os métodos seguros de uso e sobre a própria substância que está sendo consumida. O que acabou ocorrendo após anos de animosidade infantil “anti-certas-drogas” foi uma aculturação dos consumos, uma perda do lastro cultural que assegurava consumos seguros, o aniquilamento do saber prático: o desperdício da experiência. A reação social aos usos de drogas certamente produz resultados. Um deles é o consumo silencioso, clandestino, solitário. O junkie, em verdade, nada mais fez do que assumir a face da morte atribuída à droga pela sociedade. Decidiu adotar a imagem de detrito, de lixo social, que lhe foi atribuída pela cultura ocidental, e escondeu-se nos não-lugares da metrópole, ou seja, a profecia se autocumpriu. O consumo silencioso nada mais é, portanto, que a necessária consequência da reação social aos usos de drogas, das campanhas difamatórias e das cruzadas morais. Paradoxalmente, em relação a eles, não temos qualquer chance de intervir, caso seja necessário, e este é o maior risco. 

IHU On-Line - Quais os limites da abordagem unicamente química dos efeitos das drogas? Quais os riscos de pensar no consumo de drogas apenas sob o viés biológico ou da medicina? 

Marcelo Mayora - Tradicionalmente, os olhares médicos e jurídicos dominaram o debate sobre o tema, o que certamente tornou míope a visão sobre o assunto, já que ele sempre foi tratado a partir de perspectivas binárias, ou seja, em termos de sanidade/patologia, pela medicina, ou em termos de lícito/ilícito, pelo direito. Penso que, ao olhar para as drogas, simultaneamente, desde as perspectivas da doença (dependência química) e da cura (medicalização dos sofrimentos), o saber médico-psiquiátrico trilha dois caminhos diferentes que, entretanto, se encontram na chegada. Por um lado, já parte de uma etiqueta negativa em relação a consumos outros que não os terapêuticos de drogas lícitas, pois consideram que os usos recreativos carregam a ameaça constante de transformarem-se em dependência química. Por outro, reforça o próprio monopólio do direito de prescrever medicamentos que geram estados alterados de consciência, retirando do sujeito a possibilidade de gerir a si mesmo. Ambas as perspectivas são insuficientes. A primeira, porque desconsidera todo o universo de consumos não problemáticos de drogas. A segunda porque não problematiza a si mesma, porque deixa de refletir sobre as características da contemporaneidade das quais deriva a demanda pela medicalização da existência, respondendo acriticamente ao imperativo da sociedade da performance, abrigada sob o álibi terapêutico. A partir de ambos os movimentos, o saber médico-psiquiátrico atua em cooperação com o establishment proibicionista, pois reforça a diferenciação entre as drogas lícitas e ilícitas, ao mesmo tempo em que desconsidera um dos pressupostos do antiproibicionismo, que é a aposta na autogestão no consumo de drogas.

A abordagem puramente química também é limitada, por desconsiderar o contexto no qual o uso ocorre, que possui enorme importância para a análise. Não se trata de desconsiderar completamente o componente químico, tampouco os saberes médicos, pois não há que afirmar o protagonismo de nenhum dos saberes. Além disso, seria equivocado desconsiderar as visões dos saberes médicos, pois tais já fazem parte das próprias construções sociais a respeito das drogas, quer dizer, já fazem parte da identidade das drogas. Trata-se, em verdade, de situar os saberes médicos como mais um saber que trata das drogas, retirando-as do posto de “o saber”, aquele que teria a legitimidade científica para tratar do assunto. As teorias médicas sobre os efeitos do uso de substâncias assentam-se na ideia de efeito principal, que, por sua vez, se apoia numa análise estatística destes mesmos efeitos, tomando por base dosagens médias e um indivíduo-tipo. No próprio método, que os impele a trabalhar com dosagens médias e indivíduos-tipo, está a limitação de seu alcance explicativo.  

IHU On-Line - Como a questão das drogas se insere no debate sobre segurança pública e direitos humanos?

Marcelo Mayora - A questão das drogas e seu método de controle estatal é o ponto nevrálgico da discussão sobre segurança pública e na repressão às drogas estão os maiores focos de violação aos direitos humanos no Brasil e no mundo. Se a ideia de direitos humanos fosse levada a sério, não poderíamos permitir interferência estatal tão brutal na vida das pessoas, não poderíamos permitir tanto paternalismo, ou seja, não aceitaríamos o sequestro estatal do direito do cidadão de consumir a substância que lhe aprouver. Também não poderíamos permitir que o direito penal das drogas operasse no marco do estado de exceção, sobretudo por meio da aplicação antecipada da pena (prisões cautelares como regra mediante decisões judiciais baseadas na ideia autoritária de garantia da ordem pública) e dos homicídios em massa praticados pelas agências policiais de jovens pobres comerciantes de drogas. Ademais, qualquer política de segurança pública radical - no bom sentido, pois radical é o que vai à raiz - que é a política que precisamos, urgentemente, precisará deixar de lidar com mitos, com preconceitos e com mentiras. Três questões centrais da agenda da segurança pública passam pela adoção de uma nova política de drogas: a redução dos homicídios, a superlotação carcerária e a corrupção policial. A maioria dos homicídios que acontecem no Brasil está ligada à guerra contra as drogas, seja em razão de assassinatos praticados por policiais, seja no âmbito de conflitos entre grupos rivais. Diversos autores, como Alba Zaluar, Luis Eduardo Soares ou o MV Bill, por exemplo, já nos mostraram a tragédia que decorre da integração perversa entre pobreza e tráfico de drogas. A própria existência de um poder paralelo e de uma cultura alternativa em certos territórios é consequência direta de uma política estatal que identifica inimigo - os “perigosos narcotraficantes”, em verdade jovens bastante frágeis - e pretende aniquilá-los. A superlotação carcerária, por certo outro fator propulsor da violência, tanto pelos efeitos criminógenos do cárcere quanto por propiciar condições favoráveis ao surgimento de facções de criminalizados, como o PCC, também é consequência direta da atual política criminal de drogas. É que, no Rio Grande do Sul, ao final do ano passado, conforme dados do site do Ministério da Justiça, estavam presos 27.112 homens, sendo que 16% por tráfico de drogas, na maioria pequenos vendedores, “meros serviçais do narcotráfico”. Também estavam presas 1738 mulheres, sendo que 51% destas foram presas por tráfico. Ou seja, se uma política de segurança pública efetiva e democrática passa pela radical diminuição do número de presos, e esta é minha convicção, certamente precisamos deixar de encarcerar estas pessoas. Por último, outro nefasto efeito da economia clandestina das drogas é a corrupção policial, e aqui nem me alongarei: o cinema (Cidade de Deus, Tropa de Elite etc.) e a música (o RAP, Bezerra da Silva etc.) já nos mostraram como funcionam as relações indevidas entre setores da polícia e o tráfico de drogas.

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